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Entrevista não de todo impossível

O que segue são as palavras de um jovem do sexo masculino, entrevistado na penumbra, para garantir o anonimato, e com a voz embaralhada eletronicamente, para evitar a identificação. É um depoimento “real”, colhido durante uma entrevista informal sobre as transformações de que a nova geração é, ao mesmo tempo, vítima e protagonista. As declarações foram tomadas em meados do último ano, mas o entrevistado, empregado numa corretora da valores da Bovespa, só hoje autorizou sua publicação, por temor de represálias que não foram especificadas.

* * *

Que jornal você anda lendo?

– Na verdade, desde que saí da casa dos meus pais, nunca assinei um jornal…

– Desculpe interromper: quando foi isso?

– Foi uns… cinco, seis anos atrás. Eu vi que já podia me sustentar, se fizesse alguns sacrifícios, mas minha renda era baixa demais, o aluguel um pouco salgado, e ainda tinha a gasolina, a cerveja… Acho que dá pra dar uma idéia. Não é que eu não gostasse de ler jornal. Ao contrário, eu adorava, lia desde criança, o Kfouri, o Nassif, o Cony, todo mundo. Mas eu precisava economizar e achava que poderia ler os jornais que chegavam no trabalho. Só que… assim…

– Não é a mesma coisa.

– Pois é. Ler em casa, tomando café… poder dobrar, separar os cadernos, sujar o papel de comida… E, no trabalho, você tem que manter uma certa postura, quer dizer… Você está lendo, não é como em casa, porque… Lá, você lê jornal e, no serviço, você lê o que está no jornal, entendeu?

– Em casa você não lê o que está no jornal?

– Não é isso, acho que me expressei mal. Em casa, o jornal é todo seu, mesmo que você divida ele com a família. E é uma coisa só, não é só um monte de notícias e colunas. É diferente, quer dizer…

– Mas as notícias são importantes também, não? Isto é, a informação. Como você fazia para se informar?

– É isso… informação, sim, claro, eu tinha. Eu via o jornal no trabalho e, para as coisas mais especializadas, do mercado, a gente recebe um clipping. Acho que o jornal em si era para saber um pouco do resto do mundo. Futebol, por exemplo.

– E a internet?

– Ah, sim, eu usava muito, claro. Mas ainda não era um substituto para o jornal, como é hoje. Quase não tinha notícia de graça, o pagamento não era seguro, aliás, continua não sendo, e os blogs não eram nada confiáveis.

– E agora…

– Ah, agora a internet é meu contato com o mundo, né? Nem TV, eu assisto mais!

– E você se considera um autêntico representante da “geração Y”?

– Nunca entendi direito o que isso quer dizer…

– A geração de pessoas sempre conectadas, que usam MSN, Orkut, Facebook, iPod…

– Não sei, acho que não. Até que eu não sou tão conectado assim. Acho que, para alguém que acorda todas as manhãs há décadas e vai buscar o jornal na porta, eu devo parecer um monstro informatizado, viciado em internet… Mas não sei, não me sinto assim. Aparece tanta coisa nova na internet, todo dia, que eu me sinto o maior dos reacionários com meu velho e-mailzinho. Nem blog eu tenho! E pior… não escrevo daquele jeito estranho, como se chama, mesmo?

– Mas é pela internet que você se informa, conversa, se diverte…

– Não é bem assim. Eu prefiro mil vezes conhecer gente no bar que na internet. Eu converso pelo Skype e pelo MSN por pura conveniência, isso não quer dizer que seja minha primeira opção…

– Você já fez amizades pela internet?

– Já, muitas! Minha namorada, aliás, eu conheci num fórum de discussão do Iron Maiden.

– Você começou nossa conversa dizendo que gostava de jornais, mas nunca assinou…

– Compro na banca, de vez em quando.

– Quando, por exemplo?

– Quando meu time ganha campeonatos, por exemplo. É uma lembrança que a gente tem que guardar. Não é a mesma coisa imprimir do site, concorda? Ou então, às vezes uma capa me seduz, tipo… quando promete uma série de textos com um tema importante. Aí eu compro como se fosse uma revista especializada.

– E como é essa experiência? Você disse que ler o jornal no trabalho “não é a mesma coisa”…

– É mesmo. Eu tinha mais coisas para dizer sobre isso. Nos fins-de-semana, eu vou almoçar com minha mãe. Família italiana, sabe como é… E então, antes do almoço, eu me sento no sofá e fico lendo o jornal que ela assina. E é nessas horas que eu sinto o quanto é diferente…

– Melhor?

– Não é por aí… é diferente. Às vezes, eu leio versões de jornal na internet que são a edição impressa escaneada. E não é a mesma coisa. Acho que eu já disse que o jornal é uma coisa só… Ele é um corpo inteiro e eu tenho a sensação de que, quando estou lendo jornais, mesmo que eu pule partes, depois volte, pare a leitura de um artigo no meio, quer dizer… o que quer que eu faça, estou com um jornal na mão… Nunca tive essa sensação com notícias que li na internet. No computador, eu sempre busco a notícia individualmente, ou o artigo de opinião, ou sei lá. Não é que seja melhor ou pior, é diferente, só isso.

– Mas você está mais acostumado com…

– O jornal, porque cresci com ele. É verdade, eu me sinto mais confortável lendo jornal, mas não é disso que estou falando. O jornal é cheio de coisas que eu não quero saber, que eu não tenho a menor vontade de ler, não me interessam, mas que estão ali… E mesmo quando eu passo por cima, não olho, enfim, não posso fazer nada contra as partes que não me interessam. Elas existem e pronto. São as partes do mundo que eu não controlo nem de longe, e nem por isso deixam de existir.

– Você se sente mais humilde, é isso?

– Acho que você está colocando palavras na minha boca [riso], mas é isso, uma lição de humildade. Só que o melhor de tudo é que às vezes eu acabo até lendo alguma dessas notícias que não me interessam e eu nunca tinha tido noção do quanto isso é diferente, quer dizer… pra mim é diferente, para os mais velhos é a coisa mais banal do mundo. Quer ver? Outro dia, meu time ganhou um campeonato importante e eu comprei o jornal. Na mesma página que dava notas aos jogadores, embaixo, tinha os resultados do turfe. Eu sempre achei essa palavra engraçada, falando nisso, quer dizer… Corrida de cavalo se chama turfe… Mas olha só que estanho… Eu não sei nada sobre aqueles cavalos, mas só de ver os resultados, números, nomes de puro-sangue, tudo aquilo, comecei a viajar. Fiquei imaginando aquelas pessoas todas, aposentados, desempregados, viciados, todo mundo nos fundos do jóquei, fazendo fila para apostar, rasgando a ficha quando perde dinheiro… E eu nem estava prestando atenção, quer dizer… puxa, entende?

– Mas a net é toda interligada, uma coisa leva à outra…

– Não sei até que ponto tudo é interligado… O que isso quer dizer, “interligado”? Sei lá, só sei que quando quero ver uma notícia, não vou ficar clicando em todas as palavras sublinhadas que aparecem. Olha, não quero parecer nostálgico, mas só vou dizer uma coisa: agora que todo mundo diz que os jornais estão morrendo, eu começo a ter arrependimentos. Se tivesse alugado o apartamento num bairro mais barato quando fui morar sozinho, poderia ter sobrado dinheiro para tomar mais cerveja e, ainda, assinar um jornal e uma revista. Agora é tarde, né? Os jornais vão acabar e, de toda forma, já ficaram tão ruins, não acha? Mas que sinto uma certa pena de não receber aquele resumo do mundo todo dia em casa, pode ter certeza.

– Mas esse resumo do mundo, como você diz, não é uma coisa meio autoritária? Alguém decidiu o que você leria e é isso que você vai ler. A internet costuma ser considerada mais democrática, porque tem a coisa da interatividade…

– Claro, claro, sem dúvida. É uma coisa totalmente diferente. Mas eu confesso que não me sinto capaz de decidir eu mesmo como vou resumir o mundo das notícias. Precisa ter uma formação muito fuderosa para saber escolher por conta própria, quer dizer… Não que isso seja muito diferente de como as coisas eram antes, com os jornais, né? Os donos do jornal escolhem como as coisas vão ser ditas e você precisa ter uma formação muito fuderosa para não cair na manipulação… autonomia não é para qualquer um, né?

– Mas na internet o jornalista não pode só dizer o que quer… O leitor responde, reage, contradiz o autor…

– Você está falando dos comentários das notícias? E dos posts? Tem alguma coisa boa aí?

– Claro que tem, tem coisa muito boa…

– Pode ser. Mas como é que eu vou saber? Entro na página do jornal, tem a notícia, e embaixo tem “dona fulana” e “seu sicrano” criticando as informações do jornalista. Que base eu tenho para julgar? E se o comentarista é muito bom, sei lá, com certeza ele só vai embaralhar mais a minha cabeça, porque ele sabe mais do que eu naquele assunto…

– Mas você não pode negar que isso te abre um campo de possibilidades. Não é só aquela voz única, senhora da razão, disseminando sua sabedoria. Do outro lado, eventuais objeções e emendas vêm à tona muito mais facilmente…

– Não estou negando. Com certeza, não estou negando. Mas continuo achando que só quem tem uma formação muito fuderosa consegue se orientar no meio de tanto debate!

– O que você quer dizer com “formação muito fuderosa”?

– Putz… sei lá. Saber tudo sobre tudo, vai! [riso]

– A possibilidade de todo mundo escrever no seu blog, comentar no blog dos outros, intervir nas notícias dos jornais, nos verbetes de dicionários, nos artigos da Wikipédia, além de poder fazer suas próprias reportagens por podcast, por vídeo à la Youtube, postar as próprias fotos, tudo isso você não acha que torna mais difícil a manipulação da opinião e da informação?

– Olha, você está falando com alguém que trabalhou a vida inteira no mercado financeiro. No meu metiê, a informação pode enriquecer ou empobrecer alguém em poucos minutos. Um telefonema pode derrubar uma empresa, uma frase no Twitter pode arruinar um banco, qualquer boato pode me levar a ter um ataque cardíaco. Eu acho o seguinte: quem tem mãos manipula. Quem tem mãos grandes manipula muito. Não é perfeitamente lógico? Dificultar a manipulação? Só se for mais difícil se afogar no meio do Pacífico que numa pia.

– Mas então nada muda?

– Como não? Sair de uma pia e cair no oceano não é uma mudança? [risos] Agora, falando sério, estou com medo de parecer um conservador renhido nessa história. Logo eu, que trabalho com dois monitores na minha frente, com a cotação de várias bolsas e commodities em tempo real. Já me aconteceu de intermediar uma operação que mudou o controle acionário de uma empresa, tudo bem que mais para pequena, mas foi via comunicação instantânea. Opa, estou na defensiva…

– É uma questão de escala, pelo que entendi…

– Não! Com certeza, não. Se fosse assim, eu acharia que ler jornais e ler o que está nos jornais é a mesma coisa, e ler notícias pela internet, idem. Lembra aquelas imagens dos operadores de bolsa fazendo gestos com a mão, empurra-empurra, segurando um telefone gigantesco no ouvido? Será que é só uma questão de escala que isso exista cada vez menos? Eu acho que não, quer dizer… Olha, se tem uma coisa que eu aprendi vendo as ações mudarem de mão é que nunca, nunca, nunca é só uma questão de escala. Se parece que é só quantitativo, é porque ainda não se chegou ao ponto de sela, quando os sinais se invertem. Sabe?

– Então você admite que é uma revolução.

– Posso perguntar aos universitários? [risos] É uma revolução, OK, mas isso significa que o mundo vai ter que aceitar ficar de ponta-cabeça [N.T.: de cabeça para baixo] por algum tempo. Vai encarar? Daqui a pouco ninguém mais vai sentir saudade daquele jornal inteirinho, cheio de coisas que a gente não queria e não esperava, porque pode conseguir exatamente o que quiser, quando quiser, na internet. Será que só eu vou ser o ultrapassado?

– Bom, toda a geração mais velha…

– Claro, claro, mas você sabe: “no longo prazo, estaremos todos mortos”. Isso, quem disse foi Keynes. Mas eu não sou keynesiano, viu?

Padrão
arte, Brasil, direita, esquerda, história, imprensa, jornalismo, Nassif, opinião, Politica, reflexão, reportagem, trabalho, Veja

Informação e ânimos exaltados

Todos+os+homens+do+presidente+capa
Muito interessantes, as reações que causou o último texto. Em primeiro lugar, nunca tive tantas visitas, o que é algo a comemorar; por outro lado, o fato de que uma boa parte dessas visitas tenha chegado através do webmail do Ministério Público Federal de vários Estados é bem preocupante. Em segundo lugar, meu comentário (que se queria frio) sobre a baixa qualidade da reportagem produzida no Brasil, com um breve sumário de algumas de suas possíveis razões, foi recebido quase como um manifesto revolucionário. Parece que tocar no nome da revista Veja suscita paixões intempestivas nas pessoas. O quadro é mais ou menos assim: de um lado, há os que sorvem aquelas páginas coalhadas de adjetivos depreciativos como se fosse o néctar do Olimpo. De outro, há toda uma multidão de ex-leitores que só esperam a oportunidade para empastelar o carro-chefe dos Civita.

Houve gente que, comentando minha análise, falou em derrubada de ditaduras, o que me pareceu um tanto fora do contexto, mas, enfim, ninguém é obrigado a ler os textos que comenta. Ao mesmo tempo, alguns leitores aproveitaram a oportunidade para descarregar, numa enxurrada de palavrões, toda a raiva contida contra a revista. Aliás, agradeço aos que tiveram a discrição de fazê-lo por e-mail, em vez de baixar o nível na minha caixa de comentários. Aos demais, lamento não ter podido aprovar suas intervenções, e peço que as reescrevam em tom menos agressivo. A propósito, também seria adequado se aqueles que se irritaram com o que lhes pareceu uma ofensa à sua revista preferida se abstivessem de cumprir a promessa de atentar contra a integridade física do ofensor. O tempo de preparar a vingança seria melhor empregado na releitura do texto, com a cabeça mais fria.

Curiosamente, os comentários sobre o próprio Nassif foram parcos. Sobre seu trabalho de reportagem, quase nulos. A maior parte preferiu desviar o foco para seu caráter: para uns, um semi-deus. Para outros, um sujeitinho anti-ético, como mostraram as acusações de Diogo Mainardi (explicaram-me, mais tarde, que as tais acusações são, na verdade, um parágrafo de uma coluna na própria Veja, em que Mainardi insinua, sem afirmar peremptoriamente, que Nassif teria, quem sabe, sido favorecido pelo governo). Cá entre nós, não tenho a menor idéia do padrão ético do jornalista; jamais colocaria a mão no fogo por ele. Achava suas crônicas da Folha, enviadas sempre com atraso, terrivelmente sem graça. Também sou da opinião de que alguém que conhece a música de Danilo Brito não pode apreciar a técnica de Nassif ao bandolim. Mas repito o conteúdo do último texto: o trabalho de reportagem que ele vem fazendo nas suas catilinárias anti-Veja é de primeira qualidade, e todo esse debate ganharia muito se o outro lado se propusesse a agir da mesma forma.

Certos comentários causaram reflexões que quero compartilhar. Antes de mais nada, preciso esclarecer um ponto fundamental. Um esperto homem de Marketing afirmará, sem dúvida, que os sentimentos suscitados por Veja depõem a seu favor. Mantêm a marca em evidência; são, no fundo, uma publicidade gratuita; podem até aumentar a circulação e fortalecem a posição do veículo como porta-voz das idéias de uma parcela da sociedade. Mas eu discordo inteiramente. Para mim, o irracionalismo que cerca a avaliação que o público tem de Veja é um indício de que ela não cumpre sua função como imprensa. Jornais e revistas não são feitos para serem amados e odiados. São feitos para serem respeitados e lidos. Sei que não é assim no Brasil, terra de Assis Chateaubriand, Mário Rodrigues e Carlos Lacerda, mas em sociedades minimamente organizadas, respeito e leitores não se conquistam com sentimentos animalescos como os que Veja suscita, e sim com credibilidade. Credibilidade, um conceito que deveria ser fundamental na imprensa, mas que vou deixar para discutir mais adiante.

Agora, prefiro comentar um pedaço do aparte de meu amigo Leonardo: a Veja, segundo ele, deixou de ser um veículo de informação para ser um veículo de opinião. No entendimento de Leo, pelo que me pareceu, há aí dois erros: deixar de ser um veículo de informação e passar a ser um veículo de opinião. Se for isso mesmo, discordo. Para mim, só há um erro nessa frase, que é deixar de informar. Ser um veículo de opinião não é crime nenhum. Todos os grandes jornais do mundo são fortemente opinativos e deixam suas opiniões bem claras. O melhor exemplo é o da revista britânica The Economist. Sua posição é bem simples: a favor do liberalismo econômico e fim de papo. A Fox News é uma rede de televisão francamente favorável ao governo Bush, e isso não foi problema algum até o momento em que ficou claro que ela manipulava informações para isso. O New York Times nunca escondeu sua preferência pelo Partido Democrata. O Última Hora, de Samuel Wainer (cuja autobiografia merece um texto à parte), jamais escondeu sua linha getulista. A Carta Capital, quando das eleições de 2002, colocou-se, em editorial, claramente favorável a Lula. Quem, na França, não sabe que o Le Figaro é o jornal da direita tradicional, o Le Monde, da direita moderna, também conhecida como centro, e o Libération, um jornal francamente de esquerda? Tem também o famoso La Croix, que jamais precisou esconder o fato patente de que pertence à Igreja Católica.

A opinião está longe de ser proibida aos veículos de imprensa; aliás, muito pelo contrário. Redação nenhuma é habitada por almas cândidas, incapazes de parcialidade. No entanto, o trotskista mais ferrenho não cometerá a sandice de afirmar que a The Economist só tem “mentiras”. Será tomado por louco varrido, mesmo entre seus colegas, se o fizer. Mesmo um leitor republicano, um verdadeiro neocon, poderá ler o NYT sem medo de encontrar inverdades publicadas ali por motivos políticos. Quando um jornalista foi flagrado inventando matérias no jornal, e o assunto nem era política, foi sumariamente demitido. Mas o mais importante é que a edição seguinte do jornal continha um enorme mea culpa. Por que esse ato de contrição tão reforçado? Porque a pior coisa que poderia acontecer ao jornal seria perder sua credibilidade.

E, pronto, eis-nos de novo nela. A tal credibilidade. O trotskista respeita a The Economist porque sabe que o jornalismo feito ali é sério, ele o vê nas matérias. Sabe quais são as fontes, sabe quais são os documentos, tem acesso à redação. O republicano respeita o NYT pelo mesmo motivo. Aqui na França, jamais escutei de alguém de direita a frase: “Ah, deu no Libé [ou no Nouvel Observateur, por outra]? Então é mentira, eles são de esquerda!” Nem ouvi a proposição inversa da boca de um esquerdista, dispensando algo que tenha saído no Figaro. É como se isso só existisse no Brasil.

Falando em Brasil, uma pergunta: que veículo em nosso país pode reclamar o título de credível? Penso, penso, penso, não encontro nenhum. A Veja está na berlinda por causa dos artigos de Nassif e por ser a revista de maior circulação. Mas, por exemplo, poderiam ser as Organizações Globo, condenadas pelo próprio passado. Tomando uma Veja entre as mãos, nunca sei se algo que esteja escrito ali é verdadeiro ou falso. Já houve casos em que a falsidade era evidente. Certa vez, topei com um diagrama que não citava, nem naquelas letras minúsculas que ninguém lê, qual foi o instituto que cedeu os dados. Se a incerteza pode chegar a esse ponto, como posso dar crédito a todo o resto? A dúvida paira sobre a totalidade do que está publicado na revista. O resultado é que mesmo os dados que eventualmente forem verdadeiros, e a grande maioria o é (pelo menos, espero que seja), recebem o selo amargo da desconfiança. É por isso que as pessoas de bom senso que conheço estão gradualmente abandonando a imprensa brasileira. É por isso que as empresas andam às voltas com problemas financeiros gravíssimos. É por isso que os melhores jornalistas migram para a internet em páginas pessoais. E seria muito pior, se o Brasil tivesse um público leitor que soubesse exigir credibilidade.

Para terminar, uma palavra sobre o conceito de “denúncia”. Quem acha que o jornalismo brasileiro, do qual Veja é um dos maiores expoentes, faz maravilhosas denúncias (sobretudo contra o governo) deveria buscar um livro chamado Todos os homens do presidente, de Bob Woodward e Carl Bernstein. Aos cultos, desculpe citar uma obviedade. Aos preguiçosos, não desanimem: há um filme homônimo, com Robert Redford e Dustin Hoffman. Eis ali um verdadeiro trabalho de reportagem investigativa que resultou, de fato, na derrubada de um presidente, graças à qualidade técnica com que foi realizada. Assim como acontece no Brasil, uma fonte interna deu a dica do caminho a seguir. Mas, ao contrário de nosso procedimento tupiniquim, em vez de botar a boca no trombone com o famoso “fontes ligadas ao palácio afirmam que…”, os dois americanos se enfiaram nos dados, nas conexões, nas entrevistas e nos telefonemas. Foram apoiados pelo editor-executivo, o célebre Ben Bradlee, apesar de todas as pressões que se podem imaginar. O que conseguiram, graças a um trabalho sério que mal conseguimos compreender no Brasil, foi mudar a história dos Estados Unidos. Sem precisar de piadinhas infames.

Paro por aqui, porque o texto está enorme. Espero ter deixado claro o que ficou obscuro no primeiro texto. Concordo com quem diz que a imprensa tem um papel de vigiar o poder, e acho impressionante como tanta gente esquece que existe uma maneira de fazer isso, e essa maneira se chama “jornalismo”. Não é de hoje que nossos veículos de comunicação deixaram para lá esse pequeno detalhe quando decidem bater no governo. Há muita gente que gostaria, por exemplo, de ver Lula sofrer um processo de impeachment, e se escandalizam porque os ataques da imprensa não conseguem derrubá-lo. Pois eu lanço aqui um balão de ensaio: certamente existem fatos e dados suficientes para justificar que o presidente seja afastado do cargo. Certamente esses fatos e dados estão acessíveis à imprensa. Concluindo: se a imprensa quiser, de fato, tirar Lula do poder, ela tem plena capacidade de fazê-lo. E lá vai a pergunta capital: por que os ataques ao presidente ficam só na retórica e não lançam mão de suas verdadeiras armas?

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