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Litania para o capital

Fuçando nos arquivos mais recônditos deste HD, acabei encontrando a brincadeira que segue abaixo. Foi escrita quando eu estava na faculdade (e, aliás, este HD nem fabricado era), para provocar meus colegas corretores da Bovespa, que andavam um tanto nervosos, conseqüência de alguma dessas crises por aí.

Lembro-me particularmente de um desses meus amigos, a quem perguntei, por pura gaiatice, já sabendo a verdade, se a corda estava apertando demais o pescoço da empresa em que ele trabalhava. (A tal empresa foi absorvida por outra bem maior, poucos dias depois.)

Pois bem, a resposta do rapaz foi adorável: “Agora, só resta rezar.”

Passei o dia imaginando como rezariam os colegas do rapaz, logo antes da abertura dos negócios, à espera do retinir do sininho. Seria como uma grande celebração, engravatados de joelhos, mãos unidas, ar de introspecção. Aos poucos, vai se erguendo uma voz coletiva, um grande uníssono, para este que, em nosso século, tomou o lugar que já foi de Deus e outros deuses.

Enfim, segue abaixo um esboço do que clamariam os infelizes. Já vou avisando a Duncan Niederauer que cobrarei os direitos autorais se ele quiser adotar a nova oração nas cerimônias da NYSE.

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Litania para o capital

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Ó Vós, que permitis, divinamente,
A implosão de todo patrimônio!

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  • Concedei-nos cobrir as perdas.

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Ó Vós, que sois pai de todas as Bolsas,
idolatria de derivativos!

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  • Concedei-nos cobrir as perdas.

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Ó Vós, que distribuís as sementes
da fortuna e da fome, cegamente!

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  • Concedei-nos cobrir as perdas.

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Ó Vós que podeis prever o porvir
daqueles que abdicam de consumir!

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  • Concedei-nos cobrir as perdas.

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Vós que negais os frutos do trabalho,
escutai as preces do investidor:

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  • Concedei-nos cobrir as perdas!
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arte, barbárie, conto, costumes, crônica, crime, descoberta, desespero, deus, doença, economia, escândalo, escultura, história, ironia, opinião, prosa, reflexão, transcendência

O mito dos especuladores

No Olimpo, Hera andava enfezada com o comportamento exuberante de Poros. Ele saltitava, cantarolando, por entre as arcadas da morada dos deuses, como se fosse o dono do pedaço. Distribuía crédito a todos os mortais e todos os imortais, sem comprovação de renda, sem nada. A esposa de Zeus, sempre atenta, estava convencida de que aquele mito menor tinha planos secretos de subverter a boa ordem do universo, dando a entender a qualquer descendente de Cronos que bastaria especular um pouquinho com derivativos, que a dominação do Cosmos estaria ao alcance da mão. Como se não bastasse, o safado ainda estendia suas garras ao mundo dos mortais: manipulava, sempre para cima, os índices das Bolsas, os juros do Terceiro Mundo, o valor do metro quadrado e assim por diante.

Pouco adiantou reclamar com o marido. Zeus, conforme ela foi descobrir mais tarde, tinha uma carteira repleta de ações, participava de empreendimentos por toda a Hélade e, além de decidir, em grande medida, o destino dos mortais, ainda dera como garantia para seus investimentos na Terra, justamente, algumas terras em Atlântida cujas escrituras, tantos séculos passados, ainda estavam em seu nome. Assim, o maioral do Olimpo não deu ouvidos à esposa sempre atenta (mas sempre um poço de reclamações) e sugeriu que ela deixasse em paz o pequeno deus da abundância, esse simpático Poros que, com seus sorrisos e seus fundos de investimento, fazia a alegria de tantos deuses e tantos homens. A hybris se generalizava no Universo. A tragédia crescia em conflito dramático. Mas o Olimpo parecia não se importar.

Hera, como era de seu feitio, não se fez de rogada. Pediu a algum daimon que seguisse de perto o suspeito e não demorou a fazer uma descoberta assombrosa: o insidioso Poros andava na companhia da pequena Ate, personificação do espírito da loucura. A deusa matou a charada: desde o episódio em que, bêbado, se deixara seduzir por Pênia, a repugnante imagem da pobreza absoluta, Hera já sabia que o engraçadinho abundante não conseguia resistir a um rabo de saia. Certamente a Loucura havia levado a Abundância à loucura, só poderia ser. Mas o espião da grande deusa se apressou em desfazer o mal-entendido: não era ela que o controlava; antes, era o contrário. Mediante um pagamento exorbitante de néctar e ambrosia, ela se insinuava no inconsciente de todos os, na falta de palavra melhor, clientes do grande consultor econômico. Sob o efeito encantador de Ate, deuses e mortais investiam o que tinham e o que não tinham, endividavam-se, empenhavam até as calças, no caso dos homens, ou as auréolas, no caso dos deuses.

Terrível! Aquela era a maior afronta que Hera jamais constatara. Um imortalzinho qualquer, desses que até esquecemos quem tem por pais, que não entra na lista dos doze do Olimpo, que não é ninguém, que não é nada, conseguia engrupir reis e generais, presidentes de bancos centrais, consultores, analistas, todos os deuses do Olimpo e o próprio Zeus?! Onde já se viu! Aquilo tinha de acabar o quanto antes.

Ela sabia que não poderia esperar nada da maioria dos grandes imortais. Sobrava apenas uma amiga, com quem ela poderia contar sempre: a sábia Atena, que não era de se meter em tolices como essa; aliás, em tolice nenhuma. Hera foi, assim, a seu encontro, e ficou contente de saber que seus pensamentos recentes convergiam: aquela situação era ridícula e insustentável.

Juntas, matutaram por horas, deitadas nas nuvens, até que Atena encontrou a solução. Dois rapazotes, ela explicou, também estavam por conta com aquela euforia estúpida, aquela confiança desabrida, aquela falta de bom senso. Alegria, alegria demais. Eram eles Fobos e Deimos, os filhos gêmeos de Ares e Afrodite, o casal-problema.

Mandaram que o daimon os chamasse. Apareceram em poucos minutos, os olhos injetados de sangue, perguntando, em suas vozes ásperas de adolescentes rebeldes, “o que tá pegando”. As duas senhoras explicaram o que queriam deles: que acabassem com essa palhaçada de uma vez por todas. Que Fobos inspirasse o medo nas bolsas de todo o universo, que Deimos disseminasse o terror por todos os governos, instituições, empresas, lares, partidos. Só assim o equilíbrio poderia se restabelecer.

– Falou, tias! – E foram-se os garotos, ávidos para cumprir uma missão que parecia mais uma concessão para se divertir. Contentes, Hera e Atena, a primeira irrequieta, a segunda altiva, ficaram observando a partida de seus dois expedicionários, com seus bonés virados para trás e as calças com as cinturas no meio das coxas, deixando aparentes as cuecas samba-canção.

Não poderia ter sido melhor. O pânico se instalou como há muito não acontecia. As quedas nas cotações refletiam o absurdo que havia, no fundo, em seus índices: vinte por cento aqui, dezoito ali; em casos particulares, até oitenta, quase noventa. Bancos quebraram, Hefesto pensou em fechar sua oficina, Ades não conseguia equilibrar o orçamento de seus batalhões. Hera ria à toa, olhando de esguelha o ar enfurecido se seu marido, que, à beira da falência, descontava a ira na cabeça dos pobres mortais, com sua carga amedrontadora de relâmpagos (foi essa tempestade que salvou, afinal, os negócios de Hefesto).

Na Terra, as autoridades se reuniam e falavam línguas incompreensíveis, discutindo os bilhões, os trilhões, quanto seria necessário torrar para que as dívidas impagáveis fossem pagas ou, pelo menos, não colocassem em risco a solvência dos maiores donos do planeta. A dança das moedas virou um scherzo ensandecido. Quem deveria explicar estava pedindo explicações e ninguém queria mais emprestar, produzir, fazer nada. Bagunça absoluta. E como Poros não conseguia mais honrar seus compromissos, após o estouro de sua bolha olímpica, a própria Ate resolveu se vingar, levando o mundo inteiro à loucura. Hera ria à toa.

Mais alguns dias e o malfeitor veio, em toda humildade, pedir clemência à dupla de deusas que lhe passara uma rasteira. A esposa de Zeus, que já não agüentava mais aquela história, estava prestes a cometer a impostura de erguer a mão para lhe aplicar um sopapo, a seu ver, muito bem merecido. Mas o desejo de saborear o triunfo falou mais alto: ela resolveu criar um suspense, estendeu um pouco mais o silêncio que apertava a garganta do delinqüente humilhado.

Foi tempo demais. A seu lado, como se tivesse a intenção explícita de afligi-la, a impassível Atena se colocou de pé e, enquanto golpeava com o cabo da espada seu grande escudo trabalhado, proferiu a sentença:

– Não serás punido, nem o serão suas vítimas incontinentes, com a condição de que vós todos renuncieis à exuberância inconseqüente, à cegueira derivativa, à especulação fictícia, à manipulação de dados, ao consumo fútil e predador. Fazei isso e sereis anistiados.

Faltou tempo para protestar. Antes que Hera pudesse abrir a boca, Palas Atena fez entrar o daimon, que conduziu para fora do grande salão oval um Poros lívido, suando frio, todo mesuras de alívio e agradecimento. Depois de todo o mal que ele causou, por Cronos!, sairia impune.

Hera sacudia os ombros de Palas Atena:

– Como você foi anistiar esse criminoso?! Como a especulação sem limites ficará sem punição?! Isso é um absurdo! Você nem me deixou falar!

Mas a sábia deusa, a grande vencedora, a maioral, não fez mais do que puxar seu cachimbo. Hera não acreditava que, naquele momento de hostilidade tão patente, sua antagonista amassasse fumo, como se nada acontecesse. Na Terra e no Olimpo, os índices tinham uma reviravolta: oito, nove, quinze por cento de alta nas Bolsas, as moedas de volta à estabilidade, até mesmo algumas promessas de investimento, ainda tímidas, sendo aventadas cá e lá, operadores e corretores caindo na risada com o susto que passava. Em resumo, um desacato.

– Olha só o que você fez! Agora eles vão achar que agiram certo!

Atena, cruel: uma resposta monossilábica:

– Vão.

Hera arrancava os cabelos. Sabia que Zeus voltaria a rir à toa, de olho em seus títulos que se revalorizavam. A ciranda voltaria a rodopiar em velocidade máxima. Poros e Ate reatariam, e quem sabe que raio de pequeno deus nasceria dessa união diabólica. Ela tinha de admoestar a companheira mais uma vez, entender que tática velada poderia ser aquela, que abria mão de uma punição certa e justa, já em curso, em troca de nada. Mas não sabia o que dizer. Só encarava o rosto tranqüilo de Atena, soltando anéis de fumaça em ritmo espaçado. Afinal, foi a própria Palas que falou, com voz lenta e sem paixão, ciente do nervosismo da outra deusa.

– Vão achar que fizeram tudo certo. Vão se entregar de novo à orgia. Vão baixar a guarda. Vão queimar todas as fichas. Vão ficar indefesos.

Hera começava a se interessar pelo discurso. Atena prosseguiu, com mais um par de frases irresistíveis:

– Vão estar no ponto mais vulnerável a Fobos e Deimos. Mas, veja… Fobos e Deimos estão a postos, prontos para entrar em ação mais uma vez.

Hera assentiu:

– Para matar!

Para matar.

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arte, Brasil, direita, esquerda, história, imprensa, jornalismo, Nassif, opinião, Politica, reflexão, reportagem, trabalho, Veja

Informação e ânimos exaltados

Todos+os+homens+do+presidente+capa
Muito interessantes, as reações que causou o último texto. Em primeiro lugar, nunca tive tantas visitas, o que é algo a comemorar; por outro lado, o fato de que uma boa parte dessas visitas tenha chegado através do webmail do Ministério Público Federal de vários Estados é bem preocupante. Em segundo lugar, meu comentário (que se queria frio) sobre a baixa qualidade da reportagem produzida no Brasil, com um breve sumário de algumas de suas possíveis razões, foi recebido quase como um manifesto revolucionário. Parece que tocar no nome da revista Veja suscita paixões intempestivas nas pessoas. O quadro é mais ou menos assim: de um lado, há os que sorvem aquelas páginas coalhadas de adjetivos depreciativos como se fosse o néctar do Olimpo. De outro, há toda uma multidão de ex-leitores que só esperam a oportunidade para empastelar o carro-chefe dos Civita.

Houve gente que, comentando minha análise, falou em derrubada de ditaduras, o que me pareceu um tanto fora do contexto, mas, enfim, ninguém é obrigado a ler os textos que comenta. Ao mesmo tempo, alguns leitores aproveitaram a oportunidade para descarregar, numa enxurrada de palavrões, toda a raiva contida contra a revista. Aliás, agradeço aos que tiveram a discrição de fazê-lo por e-mail, em vez de baixar o nível na minha caixa de comentários. Aos demais, lamento não ter podido aprovar suas intervenções, e peço que as reescrevam em tom menos agressivo. A propósito, também seria adequado se aqueles que se irritaram com o que lhes pareceu uma ofensa à sua revista preferida se abstivessem de cumprir a promessa de atentar contra a integridade física do ofensor. O tempo de preparar a vingança seria melhor empregado na releitura do texto, com a cabeça mais fria.

Curiosamente, os comentários sobre o próprio Nassif foram parcos. Sobre seu trabalho de reportagem, quase nulos. A maior parte preferiu desviar o foco para seu caráter: para uns, um semi-deus. Para outros, um sujeitinho anti-ético, como mostraram as acusações de Diogo Mainardi (explicaram-me, mais tarde, que as tais acusações são, na verdade, um parágrafo de uma coluna na própria Veja, em que Mainardi insinua, sem afirmar peremptoriamente, que Nassif teria, quem sabe, sido favorecido pelo governo). Cá entre nós, não tenho a menor idéia do padrão ético do jornalista; jamais colocaria a mão no fogo por ele. Achava suas crônicas da Folha, enviadas sempre com atraso, terrivelmente sem graça. Também sou da opinião de que alguém que conhece a música de Danilo Brito não pode apreciar a técnica de Nassif ao bandolim. Mas repito o conteúdo do último texto: o trabalho de reportagem que ele vem fazendo nas suas catilinárias anti-Veja é de primeira qualidade, e todo esse debate ganharia muito se o outro lado se propusesse a agir da mesma forma.

Certos comentários causaram reflexões que quero compartilhar. Antes de mais nada, preciso esclarecer um ponto fundamental. Um esperto homem de Marketing afirmará, sem dúvida, que os sentimentos suscitados por Veja depõem a seu favor. Mantêm a marca em evidência; são, no fundo, uma publicidade gratuita; podem até aumentar a circulação e fortalecem a posição do veículo como porta-voz das idéias de uma parcela da sociedade. Mas eu discordo inteiramente. Para mim, o irracionalismo que cerca a avaliação que o público tem de Veja é um indício de que ela não cumpre sua função como imprensa. Jornais e revistas não são feitos para serem amados e odiados. São feitos para serem respeitados e lidos. Sei que não é assim no Brasil, terra de Assis Chateaubriand, Mário Rodrigues e Carlos Lacerda, mas em sociedades minimamente organizadas, respeito e leitores não se conquistam com sentimentos animalescos como os que Veja suscita, e sim com credibilidade. Credibilidade, um conceito que deveria ser fundamental na imprensa, mas que vou deixar para discutir mais adiante.

Agora, prefiro comentar um pedaço do aparte de meu amigo Leonardo: a Veja, segundo ele, deixou de ser um veículo de informação para ser um veículo de opinião. No entendimento de Leo, pelo que me pareceu, há aí dois erros: deixar de ser um veículo de informação e passar a ser um veículo de opinião. Se for isso mesmo, discordo. Para mim, só há um erro nessa frase, que é deixar de informar. Ser um veículo de opinião não é crime nenhum. Todos os grandes jornais do mundo são fortemente opinativos e deixam suas opiniões bem claras. O melhor exemplo é o da revista britânica The Economist. Sua posição é bem simples: a favor do liberalismo econômico e fim de papo. A Fox News é uma rede de televisão francamente favorável ao governo Bush, e isso não foi problema algum até o momento em que ficou claro que ela manipulava informações para isso. O New York Times nunca escondeu sua preferência pelo Partido Democrata. O Última Hora, de Samuel Wainer (cuja autobiografia merece um texto à parte), jamais escondeu sua linha getulista. A Carta Capital, quando das eleições de 2002, colocou-se, em editorial, claramente favorável a Lula. Quem, na França, não sabe que o Le Figaro é o jornal da direita tradicional, o Le Monde, da direita moderna, também conhecida como centro, e o Libération, um jornal francamente de esquerda? Tem também o famoso La Croix, que jamais precisou esconder o fato patente de que pertence à Igreja Católica.

A opinião está longe de ser proibida aos veículos de imprensa; aliás, muito pelo contrário. Redação nenhuma é habitada por almas cândidas, incapazes de parcialidade. No entanto, o trotskista mais ferrenho não cometerá a sandice de afirmar que a The Economist só tem “mentiras”. Será tomado por louco varrido, mesmo entre seus colegas, se o fizer. Mesmo um leitor republicano, um verdadeiro neocon, poderá ler o NYT sem medo de encontrar inverdades publicadas ali por motivos políticos. Quando um jornalista foi flagrado inventando matérias no jornal, e o assunto nem era política, foi sumariamente demitido. Mas o mais importante é que a edição seguinte do jornal continha um enorme mea culpa. Por que esse ato de contrição tão reforçado? Porque a pior coisa que poderia acontecer ao jornal seria perder sua credibilidade.

E, pronto, eis-nos de novo nela. A tal credibilidade. O trotskista respeita a The Economist porque sabe que o jornalismo feito ali é sério, ele o vê nas matérias. Sabe quais são as fontes, sabe quais são os documentos, tem acesso à redação. O republicano respeita o NYT pelo mesmo motivo. Aqui na França, jamais escutei de alguém de direita a frase: “Ah, deu no Libé [ou no Nouvel Observateur, por outra]? Então é mentira, eles são de esquerda!” Nem ouvi a proposição inversa da boca de um esquerdista, dispensando algo que tenha saído no Figaro. É como se isso só existisse no Brasil.

Falando em Brasil, uma pergunta: que veículo em nosso país pode reclamar o título de credível? Penso, penso, penso, não encontro nenhum. A Veja está na berlinda por causa dos artigos de Nassif e por ser a revista de maior circulação. Mas, por exemplo, poderiam ser as Organizações Globo, condenadas pelo próprio passado. Tomando uma Veja entre as mãos, nunca sei se algo que esteja escrito ali é verdadeiro ou falso. Já houve casos em que a falsidade era evidente. Certa vez, topei com um diagrama que não citava, nem naquelas letras minúsculas que ninguém lê, qual foi o instituto que cedeu os dados. Se a incerteza pode chegar a esse ponto, como posso dar crédito a todo o resto? A dúvida paira sobre a totalidade do que está publicado na revista. O resultado é que mesmo os dados que eventualmente forem verdadeiros, e a grande maioria o é (pelo menos, espero que seja), recebem o selo amargo da desconfiança. É por isso que as pessoas de bom senso que conheço estão gradualmente abandonando a imprensa brasileira. É por isso que as empresas andam às voltas com problemas financeiros gravíssimos. É por isso que os melhores jornalistas migram para a internet em páginas pessoais. E seria muito pior, se o Brasil tivesse um público leitor que soubesse exigir credibilidade.

Para terminar, uma palavra sobre o conceito de “denúncia”. Quem acha que o jornalismo brasileiro, do qual Veja é um dos maiores expoentes, faz maravilhosas denúncias (sobretudo contra o governo) deveria buscar um livro chamado Todos os homens do presidente, de Bob Woodward e Carl Bernstein. Aos cultos, desculpe citar uma obviedade. Aos preguiçosos, não desanimem: há um filme homônimo, com Robert Redford e Dustin Hoffman. Eis ali um verdadeiro trabalho de reportagem investigativa que resultou, de fato, na derrubada de um presidente, graças à qualidade técnica com que foi realizada. Assim como acontece no Brasil, uma fonte interna deu a dica do caminho a seguir. Mas, ao contrário de nosso procedimento tupiniquim, em vez de botar a boca no trombone com o famoso “fontes ligadas ao palácio afirmam que…”, os dois americanos se enfiaram nos dados, nas conexões, nas entrevistas e nos telefonemas. Foram apoiados pelo editor-executivo, o célebre Ben Bradlee, apesar de todas as pressões que se podem imaginar. O que conseguiram, graças a um trabalho sério que mal conseguimos compreender no Brasil, foi mudar a história dos Estados Unidos. Sem precisar de piadinhas infames.

Paro por aqui, porque o texto está enorme. Espero ter deixado claro o que ficou obscuro no primeiro texto. Concordo com quem diz que a imprensa tem um papel de vigiar o poder, e acho impressionante como tanta gente esquece que existe uma maneira de fazer isso, e essa maneira se chama “jornalismo”. Não é de hoje que nossos veículos de comunicação deixaram para lá esse pequeno detalhe quando decidem bater no governo. Há muita gente que gostaria, por exemplo, de ver Lula sofrer um processo de impeachment, e se escandalizam porque os ataques da imprensa não conseguem derrubá-lo. Pois eu lanço aqui um balão de ensaio: certamente existem fatos e dados suficientes para justificar que o presidente seja afastado do cargo. Certamente esses fatos e dados estão acessíveis à imprensa. Concluindo: se a imprensa quiser, de fato, tirar Lula do poder, ela tem plena capacidade de fazê-lo. E lá vai a pergunta capital: por que os ataques ao presidente ficam só na retórica e não lançam mão de suas verdadeiras armas?

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