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O impasse e os impasses

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais

Caetano Veloso

Desculpe usar jargão; não vejo outro jeito para expressar meu ponto de vista sobre o cenário político brasileiro, com suas passeatas, seu Congresso tenebroso, seu fisiologismo encastelado, seu presidencialismo em migalhas; é que me parece existir um pano de fundo nebuloso para tudo que está acontecendo, e só consigo resumi-lo com a seguinte frase: o Brasil está se desindividuando. Agora vou ter que me dar ao trabalho de explicar o que quero dizer com isso, mas, numa tentativa provavelmente frustrada de segurar o leitor pelos parágrafos abaixo, já adianto que o argumento só vai ficar claro ao final…

Tudo parte de uma pergunta, que pode ser desdobrada em várias: será que não estamos vivendo um período em que a normalidade se tornou impossível? Será que os procedimentos cristalizados há séculos, que se renovam periodicamente, respondendo à sucessão dos períodos históricos, não estão começando a sofrer para fazer essa renovação? Será que os esforços dos nossos caciques patrimonialistas para dominar de cabo a rabo o plano social e o sistema político não seriam uma reação à caducidade das próprias estruturas patrimonialistas?

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É claro que essas perguntas derivam de uma mera intuição, mas essa intuição vem vibrando cada vez mais intensamente de uns tempos para cá. Já há alguns anos, em conversas e entrevistas que tenho feito – por motivos em geral profissionais, mas nem sempre – com sociólogos, cientistas políticos, historiadores e até economistas, o tema dominante tem sido a crise da representatividade, os impasses políticos, os nós que parecem impossíveis de desatar. Acredito que essa crise não é mais segredo para ninguém.

Mesmo assim, um subtexto perpassa essas conversas, e nele algo como um otimismo se deixa entrever. De diferentes maneiras: seja porque o comportamento dos motoristas é menos grotesco do que costumava ser, seja porque camadas populares estão resistindo mais incisivamente a arbitrariedades, seja porque se espera dos novos consumidores do país uma postura mais pragmática em política, seja por mil outras coisas.

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Um lance de planilhas jamais abolirá a política

vandalismo na paulista

O que segue é a tentativa de levantar um aspecto um pouco escanteado no tema das tarifas de ônibus, que voltou à pauta vigorosamente neste começo de 2015. Tenho a impressão de que, de 2013 para cá, com o desenrolar dos eventos, todos acabamos nos concentrando no velho e grave problema da arbitrariedade policial. Mas, além de tudo que já se discutiu, acho que o assunto, tal como conduzido pelo MPL, contém também algo de enorme importância: uma centelha de repolitização da política. Sei que a frase soa esquisita e foi intencional: quero dizer que, se a nossa política está despolitizada (volto a isso abaixo), apesar de toda a virulência das campanhas eleitorais e a “polarização” que se proclama a cada vez que há um segundo turno, então uma porta está aberta para reintroduzir a política lá onde ela não está, mas deveria. É preciso atravessar essa porta.

Vale a pena começar por um episódio sintomático, ocorrido em pleno período de agitação de 2013. Naquele momento, pressionado pelas ruas e a virada da opinião pública graças às barbeiragens da polícia, o prefeito Fernando Haddad mandou reunir o Conselho da Cidade para discutir as alternativas disponíveis. No dia anterior, reuniu-se com membros do Movimento Passe Livre. Na verdade, mais que discutir, o que o prefeito queria era explicar a racionalidade por trás do cálculo da tarifa. Para tanto, mostrou as planilhas do transporte público, provando por a+b (de acordo com o saber positivo que detém, a ser comentado mais adiante) que o aumento era indispensável, caso contrário o grande projeto – aquele que foi prometido na eleição, pelo qual foi eleito etc. – seria inviável, e que seria preciso escolher entre aumentar o subsídio para manter os três reais da tarifa ou manter os investimentos da prefeitura. Ou, ainda, subir impostos, como chegou a tentar, em sua época, Luiza Erundina – mas foi rejeitada pelos contribuintes municipais. Portanto, nada a fazer senão discutir em Brasília pela mudança da Cide, a renegociação das dívidas de Estados e municípios e assim por diante.

Na ocasião, relatam os presentes – convém frisar: pelo lado da prefeitura, falando em tom paternalista, mostrando-se melhores conhecedores dos imperativos da racionalidade orçamentária –, o prefeito ouviu dos jovens ativistas aquilo que, convenhamos, era óbvio, considerando que a cidade estava paralisada e a opinião pública mobilizada, ou seja, o MPL tinha a faca e o queijo na mão: “as planilhas de custos não nos interessam em nada”. Em outras palavras: nosso negócio não é administrar os poderes, nosso negócio é política. Sem hesitação, foram interpretados pelas mentes treinadas da administração pública como levianos. Continuar lendo

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