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Golpes e desejos

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Com agradecimentos aos amigos Camila Pavanelli de Lorenzi, Bruno Alvaro, Marcio Miotto e Bernardo Jurema pelo tempo que dedicaram a ler e comentar este texto. Muitas das ideias contidas aqui vieram desses comentários. Nem preciso dizer, mas os erros, imprecisões, chutes e outras tolices são culpa toda minha.

Seria tentador demais começar este texto cometendo a milionésima paráfrase daquela famosa abertura do Manifesto Comunista, com o espectro rondando a Europa. Mas isso passaria a impressão errada: no texto de Marx (e daquele outro alemão), tratava-se de uma força virtual que se atualizava, apontando como potência para um futuro. Ao contrário, se também tem um fantasma que passeia sorrateiro Brasil afora, é o fantasma de um cadáver insepulto, uma morte que não se consumou, um trauma que ficou por superar. É claro que estou falando da ditadura e do golpe que a iniciou.

Até aí, nenhuma novidade. Acontece que quem diz fantasma, de um jeito ou de outro diz fantasiar. E quem fala em fantasiar, inevitavelmente, fala de desejo. Eu poderia agora escolher uma fórmula chocante e afirmar que, sabendo ou não, existe no Brasil um desejo difuso de golpes e ditaduras. Seria verdade, até. Mas não é bem assim que o fantasma age; em vez disso, ele opera sobre o desejo porque se imiscui nele, se introduz onde não foi chamado e sem ser percebido. Assim, quando um desejo vai tomar forma, constituir um objeto, traduzir-se como expressão, enfim, quando vai agenciar-se, a presença sorrateira do fantasma o modula um pouco, lhe confere um outro alcance, uma outra coloração.

Sem levar em conta esse modo de agir do nosso fantasma, corremos o risco de ficar andando em círculos ao tentar dar sentido ao que acontece hoje no país. Passamos completamente ao largo do problema se nos contentamos em perguntar se o que se prepara nas sombras do poder é um golpe ou não. Essa pergunta pressupõe uma consciência muito clara dos atores sobre o que estão fazendo e aonde querem chegar. Hoje, não é esse o caso, porque o que cada ator quer (derrubar o governo, manter o governo, chegar ao governo, aniquilar um partido…) e como ele age (protestos, conluios, publicidade, textão) são duas coisas que estão descoladas, porque entre elas age o fantasma.

Abstraído esse detalhe, toda a questão da derrubada ou não do governo Dilma poderia ser resumida ao problema das zonas cinzentas entre o político e o jurídico: a fraqueza e falta de apoio parlamentar do governo por um lado, a necessidade de encontrar uma justificativa para um gesto violento e as negociações para o período posterior, por outro. Tentei tratar disso no fim do ano passado e acho que esse ponto está muito bem destrinchado neste texto de Moysés Pinto Neto. Mas não é assim, infelizmente, porque nosso momento de soberania em disputa e indecisão institucional inclui um elemento a mais: o fantasma e o desejo do golpe.

1: Desejo de Golpear

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Obviamente, esse nosso fantasma do golpe (que, na maior parte do tempo, como todo fantasma, permanece invisível e só sugestionado) se deixa perceber com mais facilidade no grito de “não vai ter golpe” que soltam os defensores do governo – ou, vá lá, da continuação do atual governo, por falta de lei que o substitua apropriadamente. Aí está explícito: é o discurso de uma esquerda que, na sua própria visão, se recusa a aceitar que venha um novo 64. Mas é uma recusa modulada, como veremos (e deixo para o final porque é a parte mais importante e complexa).

Antes disso, porém, é preciso ter claro que o mesmo fantasma age também nas demais vozes. Desde as mais evidentes manifestações de saudosismo pela ditadura, que são muito maiores do que deveriam, mas não tão grandes quanto pensamos (como demonstram pesquisas conduzidas por Pablo Ortellado), até estranhos editoriais que repetem, quase ipsis litteris, conclamações golpistas – essas sim, inequivocamente – de outras eras.

É interessante, por exemplo, observar como, no caso de um fantasma do golpe, é difícil distinguir o desejo do medo. Assim, mesmo de pessoas que, com toda honestidade, participaram da última manifestação contra Dilma Rousseff com o espírito mais democrático e legalista possível, tenho ouvido a crença numa iminente ditadura de esquerda. “Querem implantar o comunismo”, ou algo assim.

Certamente, essa crença, para além da repetição do tema da “república sindical” que se temia em meios abastados nos anos 60, é fantasiosa, porque ignora o pouco que a cúpula do Executivo ainda detém do poder. (Cáspite, o vice-presidente está abertamente preparando seu próprio governo!) Não importa: em se tratando de desejo, o frisson de enfrentar um inimigo tenebroso e forte é incentivo mais que suficiente para deixar de lado a lucidez.

Só assim entendemos o vínculo entre a pessoa perfeitamente democrática que vai à manifestação dominical e seu colega menos respeitável de protesto, o fascistão que ataca gente na rua por vestir vermelho. As continuidades entre protestar na Paulista, usar camisa da CBF contra a corrupção, tirar selfies com PMs e dar bordoadas em transeuntes são tão relevantes quanto as descontinuidades. Afinal, qual foi o líder das oposições que, mais do que simplesmente lamentar, deu declarações desautorizando essa violência? Quando o intolerável é tolerado, já se vê que, na verdade, é desejado.

O problema é que, uma vez que o fantasma do golpe se instala, na forma mais ampla de um gosto pela ruptura institucional, a violência de rua aparece como efeito colateral ou traço incontrolável de uma situação que, “por si só”, é anárquica (não confundir com “anarquista”). No plano do desejo, o estado de conflagração é fato consumado. Afinal, a crença inquestionável não é a de que estamos em crise, mas de que “rumamos para o desastre”. E se rumamos para o desastre, é salve-se quem puder. O que, paremos para pensar: já é o desastre.

Por isso, também, é difícil não enxergar esse fantasma do golpe involuntariamente desejado no episódio das fotografias que algumas pessoas, na maior inocência (leia-se: ignorância) tiram com policiais militares durante manifestações. Afinal, com o perdão do trocadilho infame, trata-se da instituição que mais desfere golpes no Brasil. E, para além do trocadilho: é a instituição que está sempre flertando com o paralegal, e com muita facilidade sai do flerte para cair na paixão fogosa com o ilegal. Quando? Quando é necessário, em nome de uma ordem muito mais sólida que as leis…

Cá entre nós, mesmo os maiores defensores da ação das nossas PMs sabem disso, mas tentam obliterar essa consciência, porque reconhecem no íntimo que, sem a PM, nossa corrupção entranhada não tem como se sustentar. Nesse sentido, a expressão “quero meu país de volta” faz absolutamente todo sentido, em se tratando de um país onde qualquer dissidência se resolve na bala ou no cassetete. O fantasma está presente porque o inocente, alegre e despretensioso gesto de sorrir para fotos com brutamontes armados no meio da rua traz consigo o desejo de que as dissonâncias se resolvam de uma vez só, com um… golpe… seco e eficaz.

Por isso, foi com grande clarividência que o jornalista Bruno Torturra levantou um ponto fundamental: hoje, muito mais do que os militares, quem tem as condições e a mentalidade para realizar algo parecido com um golpe, no Brasil, são as polícias. (Mas golpe, aqui, não deve ser entendido cartesianamente, como o gesto súbito de bloquear as entradas da capital, tomar as rádios, declarar vaga a presidência etc. Assumir o controle de quem pode manifestar-se ou não, e até, como em alguns Estados, de como se vai estudar, já é golpe suficiente.)

É nas polícias militares que se concentra a imagem dessa solução violenta para o diferente, o desviante, o desconfortável. O policial é aquele que parece ter o poder e o direito (velado) de produzir a solução rápida e dolorosa para problemas vistos como terríveis. Vestindo um uniforme da ordem legal, engendra todo tipo de ilegalidade e desordem, para um lado, enquanto para o outro preserva a continuidade de um modo de existência. É o instrumento de um caos ordenado, esse oximoro com o qual os brasileiros temos muita familiaridade.

Nessa troca de afagos com uma instituição indispensável da nossa corrupção é que se deixa perceber que, na direita brasileira, existe mesmo o desejo de (desferir um) golpe. A incapacidade de se descolar da brutalidade é o gesto que mais desvenda o caráter autoritário e anti-democrático das “elites brasileiras”, e não sua vontade de derrubar a presidente. Isso é mera política.

1A: o desejo de estar por perto quando houver um golpe

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Antes de aprofundar o tema, ainda é preciso mencionar um terceiro ator que anda possuído por esse fantasma, e que responde pelo nome de Paulo Skaf. O presidente da Fiesp, até outro dia, podia ser considerado só mais um aproveitador – com sua candidatura ao governo estadual – ou um oportunista, com seu lance marqueteiro do pato de banheira. Mas o uso da fachada da federação industrial para exigir renúncia demonstra que o desejo recalcado por um meia-oitozinho do Escafe é poderoso, irresistível.

Afinal, as câmeras já devem estar até apontadas, esperando a hora de disseminar pelo país a imagem de mais um herói da redenção nacional. (Falei em redenção? Ops…) Aquele que teria vocação para ser um mero oportunista acaba se tornando muito mais que isso… por quê? Porque o fantasma está ali, rondando, pronto para moldar as manifestações do desejo, na figura de um desejo de repetir-se como golpe…

Escrevi esses parágrafos antes da publicação dos caríssimos anúncios de Skaf nos jornais brasileiros, usando dinheiro público, ou seja, extraído via impostos dos trabalhadores e empresários para ser entregue à Fiesp, que com ele deveria fazer serviços sociais, e não conspirações. Assim, o homem que não quer pagar o pato quer fazer os demais de patos. Mas, em nome de um objetivo maior, por que não deixar passar, não é mesmo?

2: o Desejo de Ser Golpeado

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De todos esses grupos, é claro que o mais fascinante é aquele com um desejo inconfesso não de dar um golpe, mas de sofrê-lo. Isto é, de constituir o sentido último de seus males como a formação de um golpe, atitude ilegítima contra uma instituição legítima. No caso do PT, a questão não está em responder se um eventual impeachment da presidenta seria essa atitude ilegítima, ou seja, um golpe. Isso será sempre discutível, considerando a lei brasileira de remoção de presidentes: é quase impossível que um processo desses observe estritamente o que está na lei. Torno a esse ponto adiante.

Mais interessante é pensar sobre o lugar do conceito de golpe nessa narrativa. Ao contrário do que pode parecer, ele não surge com a ameaça concreta da remoção de Dilma (por impeachment ou cassação da chapa, tanto faz). Algo dessa natureza está presente há muito tempo, no esforço de construção da imagem que faz da dupla Lula/Dilma uma espécie de novo governo Jango, cercado de uma matilha de direitistas golpistas enraivecidos, prontos para atacar ao primeiro cheiro de sangue.

Basta lembrar, por exemplo, das inúmeras evocações da idéia de lacerdismo durante o período eleitoral de 2010, sobretudo quando a campanha de José Serra buscou uma mensagem próxima ao conservadorismo católico, a gritaria anti-aborto etc. É bem verdade que estava se reproduzindo ali um velho topos da política brasileira, com o uso de pautas tradicionalistas como estratégia contra um alvo considerado progressista (contra tantas evidências!). Também é verdade que Lacerda foi o campeão dessa tática imbecil, que ainda por cima acabou por não lhe trazer nada do que queria. Tampouco é exclusividade brasileira. No entanto, justamente essa brecha permitiu que o governo do PT reforçasse sua imagem como coração da esquerda brasileira, em flagrante contradição com suas políticas e suas alianças.

Para além desse caso específico, já podemos ver que, na arquitetura da visão de mundo petista, a noção do golpe ocupa uma posição basilar. Essa centralidade decorre de um certo poder purgativo, até mesmo redentor, que ela detém. Necessariamente alguém que foi vítima de um golpe, de uma remoção forçada, de um conluio, é alguém gostável.

Por isso, o desejo de golpe, no caso petista, opera bem assim: sem a perspectiva de ser golpeado, o que é o governo Dilma? É um governo de apoio ao latifúndio (com seus corolários, o agrotóxico, o genocídio indígena, a dominação semi-coronelista da política em nível local), e ao extrativismo (está aí o Rio Doce que não me deixa mentir, mas o que dizer dos projetos de exportação de minério de Eike Batista? – aliás, lembra dele?), sem falar no flerte descarado com fundamentalistas religiosos cujo maior interesse não está na salvação da alma de ninguém.

Ou seja, um governo que, em nome de um desenvolvimentismo que não desenvolve coisa nenhuma, se coloca em aliança bastante incestuosa com o capitalismo mais clientelista. Ou seja, torna-se intermediário e fiador de uma brutal acumulação primitiva, fazendo da população e dos trabalhadores que lhe emprestam o nome a matéria-prima para um regime ao mesmo tempo rentista e especulativo.

No entanto, o petista alarmado com a chegada do golpe (alarmado, ou seja, motivado, mobilizado, eletrizado) continua a ver o atual governo como baluarte da esquerda brasileira contra o avanço das tropas fascistas. Como isso é possível? Certamente não é olhando para o próprio governo. Não é pela negociação de cargos no varejo, pela construção de Belo Monte, pela escolha de ministros, pela orientação das empresas estatais. Essa perspectiva só se justifica, só se realiza, na presença de um inimigo a ponto de golpear. O golpe é o único véu entre o governo Dilma e o espelho – ou, para usar uma imagem mais elegante: o retrato do Dorian Gray de Oscar Wilde.

Acontece que o golpe tranquiliza a consciência de quem ainda quer manter aquela alma petista dos bons tempos, ao estabelecer um contraponto assustador. Sem golpe, não há esquerda no governo e isso é insuportável para quem, considerando-se uma pessoa de esquerda, se mantém fiel ao partido. Por isso, a presença constante do golpe é indispensável; e é, assim, desejada, da mesma maneira como desejamos aquilo que tememos, uma vez que baseemos nossa existência nesse temor.

O desejo de quem vê o golpe vindo do outro lado tem, por isso, um componente de individuação. Ou seja, de constituir-se como sujeito dentro de um quadro de relações e graças à projeção desse desejo no mundo exterior. Aquele que está constantemente prestes a sofrer um golpe da direita – e não há dúvidas de que quem age com maior agressividade contra o PT, hoje, é a direita – só pode ser esquerda. Em consequência, pode exigir solidariedade de todos os demais e, com isso, aglutiná-los em sua órbita. “Como assim, não vai cerrar fileiras conosco, isentão?”; “Não percebe que está fazendo o jogo da direita?”; esses e outros bordões têm jorrado com tanta insistência quanto os gritos de “petralha” vindos do outro lado.

Esse pesadelo só não pode se concretizar, é claro. Aí a fantasia explode.

2A: O Desejo de Golpes Idos

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Falei do “não vai ter golpe” como expressão de uma esquerda sobre a qual sempre pende o fantasma de 64, quando a tensão nas ruas chegou a um nível ainda mais profundo do que o atual, mas, na hora do vamos ver, ela simplesmente não lutou. É bem verdade que a capitulação das esquerdas no Brasil em 64 tem muito a ver com a decisão pessoal de Jango, que não quis resistir, ao contrário de seu cunhado, disposto a repetir em escala ampliada a campanha da legalidade de 61. Os motivos para isso são discutíveis, da tal pusilanimidade do rancheiro à informação de que a Quarta Frota estava próxima à nossa costa. Pouco importa. O subtexto do “não vai ter golpe” é o tradicional “desta vez vai ser diferente”.

Assim, à primeira vista, o novo 64 desejado pelo inconsciente governista é aquele em que o grande capital tenta derrubar o governo popular e democrático, mas “desta vez” não consegue, porque o povo se subleva e garante que não haja golpe, ou que ele seja rapidamente abortado, como ocorreu na Venezuela em 2002.

E quem operaria essa resistência? Quem daria o sangue contra a derrubada do governo? Certamente não os movimentos sociais, cujo sangue só é derramado pelo governo à base de cassetete. Os sindicatos? Talvez cobrem caro demais, já que desta vez a exigência envolve correr riscos – fazer discurso em alto-falante com distorção não basta. A Odebrecht, possivelmente, mas na planilha dela não tem distinção de grupos políticos: tanto faz. O povo? Quer mais é ver o circo pegar fogo…

O golpe desejado seria, assim, um modo de expurgar não só a conversão do governo do PT às alianças com a direita coronelista e patrimonialista brasileira – alianças estas que foram muito além da mera Realpolitik, lá está Kátia Abreu que não me deixa mentir –, mas também a memória de uma queda sem resistência. Assim, um governo que, em matéria de reformismo e progressismo, foi em tudo oposto ao de João Goulart passa a ser visto por seus defensores como potencial corretor dos rumos da história, lutando onde o outro não lutou, resistindo onde o outro não resistiu, nem que seja só para cair de pé, bravamente.

Pouco realista? Isso é você que está pensando…

3 – Golpe: Fantasma e Desejo

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Mas afinal, objetivamente: o impeachment é golpe ou não é? Olhando por um lado, está certo o argumento da oposição, segundo o qual não há golpe se o processo seguir o devido trâmite; por outro, está certo o argumento da situação, para quem o uso das “pedaladas fiscais” é uma desculpa esfarrapada, no máximo um deus ex machina, para justificar a derrubada da presidente. Como escrevi em dezembro, é o problema do impeachment de Schrödinger.

O que há naquele texto que mereça ser repetido é que esse tipo de processo existe precisamente para situações como a atual, em que o problema não é jurídico, mas político; é a válvula (uma delas) pela qual a política acontece. (Naquele texto, falei das ambiguidades e dos rigores inalcançáveis da lei como uma das válvulas; outra era a atuação da polícia, sobretudo a militar; mas há muitas outras, e uma das mais importantes é a construção de sentido operada pelos meios de comunicação.)

Com seu componente de instrumento legal e seu componente de golpe político, o processo de impeachment é um sintoma de que as vias de operação do poder estão congestionadas. De um jeito ou de outro, seguindo a velha máxima de que a política tem horror ao vácuo, essas vias serão reabertas.

Não custa lembrar que quem tinha mais poder para reabrir essas vias a seu favor, até muito recentemente, era o governo (leia-se: o Executivo). No sistema político brasileiro, a presidenta da República detém muito, muito poder; ou, como se costuma dizer, “a caneta”. Dilma teve, é preciso estar consciente disso, todas as oportunidades do mundo para manter sua coalizão e abortar a ascensão do, vá lá, golpismo. Se não o fez, grande parte da culpa recai sobre sua própria incompetência política, sem falar no sufocamento atroz das mobilizações de esquerda que efetivamente houve no Brasil desde 2013.

Sem conseguir apoio no Congresso e tendo deixado as ruas completamente escancaradas para a direita, e uma direita bem tacanha, também desejante de golpes, o que Dilma e seus assessores mais próximos conseguiram foi concretizar aquele fantasma tão desejado: o golpe iminente. Repetindo: a situação não chegou a esse ponto simplesmente por causa de uma enorme mobilização anti-governista. Essa mobilização existe, mas só conseguiu ganhar corpo, só conseguiu obter apoios, porque foi alimentada pelo governo. Inclusive como fantasma: lembra da propaganda eleitoral de 2014?

Até mesmo Michel Temer, hoje conspirador, traidor, golpista abjeto, fez das tripas coração para salvar um governo que não queria ser salvo. Não haveria ruptura institucional, nem o menor risco de impeachment, se Dilma fizesse um único gesto acertado para evitá-los. Mas ela fez o oposto, ajudada por seus brilhantes assessores Mercadante, Cardozo e Wagner. De que adianta falar agora em golpe?

No fim, a incompetência foi tamanha que a situação provavelmente irá longe demais, com a concretização que, na estrutura da fantasia petista, não poderia ocorrer. Chegamos a um estado de soberania disputada, um ponto-chave eminentemente político, em que todas as forças são lançadas para dentro do jogo e todas as estruturas se tornam instrumentos. Desde o texto da lei até os textos de jornal, passando pela atuação da polícia, a “negociação no varejo dos cargos”, os púlpitos de igreja, os movimentos sociais.

A pergunta agora é: quais desses estão fortalecidos? Quais estão enfraquecidos? Quem os fortaleceu? Quem os enfraqueceu? Com golpe ou sem golpe, temo que a resposta a essas perguntas pinte uma imagem pouco favorável para o governo.

Quando o desejo de golpear e o desejo de ser golpeado coexistem, é fatal que, eventualmente, venham a convergir. A princípio, pode parecer que eles só se encontrem no infinito. Até o momento em que algo excepcional, uma crise, um governo inepto, uma investigação policial, desvia os fachos e os aproxima. Esse é o momento que estamos vivendo: uma espiral rumo ao abismo em que se entrelaçam tipos diferentes de fascínio pela ruptura, atualizando desejos de golpe e memórias de golpe.

4: O Cadáver Insepulto

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Como eu disse, o desejo inconsciente do golpe, a fantasia em relação a uma iminente intervenção extra-legal, o espectro que nos ronda, é indicativo de que temos entre nós um cadáver insepulto que atende pelo nome de “ditadura militar”. Isso quer dizer que nunca chegamos a encarar esse legado sobre nossas instituições e mesmo sobre nossas relações sociais cotidianas.

Não investigamos o suficiente, apesar da Comissão Nacional da Verdade, que recebeu muito menos holofotes (e fundos) do que merecia. Não punimos, e quando tivemos a chance de rever a lei de anistia, todo mundo com um pouco de poder foi contra. Ao fim, o STF a manteve, com os mais batidos e tristes argumentos.

Não repensamos instituições como a Polícia Militar. Continuamos aplicando leis produzidas pelo período autoritário (e, por extensão, ilegítimo); isso inclui o famigerado e grotesco uso da Lei de Segurança Nacional contra manifestantes em 2013. Damos ouvidos a gente que participou do exercício do regime de exceção. Mal e porcamente tivemos a coragem de retirar os nomes de tiranos das nossas ruas, e as tentativas nesse sentido foram muitas vezes recebidas com má vontade.

Para muita gente, ainda é perfeitamente aceitável a idéia de que a recusa terminante a uma ditadura só pode significar o apoio a alguma outra ditadura, o que parece indicar que a perspectiva de viver sob opressão não parece ser um grande problema para boa parte da população. De fato – e isso está muito claro em textos como o do historiador Bruno Alvaro, que nessas horas é quem “dá a real” do jeito mais poético –, a maior parte dos brasileiros ainda vive tal e qual na época da ditadura, com a mesma repressão, a mesma fluidez entre a legalidade e os crimes cometidos por agentes do Estado, as restrições a direitos básicos (e constitucionais) como a liberdade de ir e vir e a inviolabilidade do lar. Basta ser negro, pobre, índio. E se é para falar de estado de exceção, podemos dar nome e sobrenome: Rafael Braga Vieira, a grande vítima da supressão do levante de 2013.

A ditadura, no Brasil, pode estar desencarnada, se por “encarnar” entendemos o controle sobre o aparato do governo central. Mas morta, não está. A rigor, como fantasma, a ditadura pode até ser mais eficaz, por conseguir se imiscuir na mente de todos e, em grande medida, orientar o funcionamento das instituições e das relações cotidianas mesmo em democracia.

Assim sendo, o cerne do nosso problema não está em identificar o golpe aqui ou acolá, mas em entender que estamos agindo constantemente sob o signo do golpe. Não o que poderá vir, mas o que já aconteceu. Estamos revivendo essa experiência porque não a digerimos até hoje e estamos condenados a novas encenações de instabilidades institucionais, com lacerdismos, golpismos e tudo o mais a que temos direito. Não precisa ter golpe, porque no Brasil o golpe é ubíquo.

5: Um Posicionamento, Enfim

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Com tudo isso, devo dizer que minha posição pessoal é rigorosamente contrária ao impeachment de Dilma Rousseff, nas bases em que está para se dar. À parte o fato de que a base legal parece de fato não existir (mesmo se eu acabei de dizer que, no fundo, a base legal não é determinante); à parte também meu completo ceticismo de que algo de bom ainda poderá sair deste governo, caso ele se salve e permaneça até 2018; à parte, por fim, meu enorme pasmo diante da crença de que haverá alguma “guinada à esquerda” de uma administração apaixonada pelo concreto armado: acredito que o recurso ao impeachment é um erro histórico profundo, do qual o país ainda se arrependerá amargamente.

Como já apontado por muitos, o impeachment é um momento catártico cujo principal efeito (e os atores políticos que o tocam têm plena consciência disso) será o esvaziamento das atuais tensões no país. Por um lado, são tensões quase insuportáveis e queremos mesmo um pouco de calma para voltar a viver. A economia, por exemplo, agradeceria bastante, é forçoso admitir. Por outro, são tensões que mobilizam, obrigam à tomada de posição, favorecem rearticulações e desnudam as insuficiências da nossa sociedade, a começar pelo déficit democrático.

O impeachment seguramente serviria para costurar um acordo que entregaria o PT aos leões e livraria todos os demais implicados na Lava Jato, principalmente os do PMDB, maiores favorecidos com essa lama toda, e em seguida os do PSDB, que têm a vantagem de poder contar com a complacência da classe média e o apoio da classe mídia. A pessoa que defende o impeachment em nome da luta contra a corrupção pode até ser bem intencionada (algumas são, outras não), mas posso garantir que não tem a menor ideia do que está dizendo. (A bem intencionada, claro; a mal intencionada eu suponho que saiba até bem demais.)

Esse momento catártico é típico de um país que não quer assumir suas responsabilidades. O que nos faz falta não é uma solução sumária para o “problema Dilma”, o “problema Lula”, o “problema PT” ou “o problema desses safados todos que estão aí”. Precisamos é de constituir forças políticas bem articuladas, efetivamente ancoradas na nossa diversidade social, capazes de dialogar com a sociedade civil e extrair dela sua força de atuação. Partidos, movimentos e organizações, portanto, programáticos e propositivos. O impeachment nos trará o oposto disso.

É bem verdade que, no começo, a economia deve responder bem ao governo Temer e parecerá que as crises foram “solucionadas”, os erros do governo Dilma, apagados. Vamos possivelmente esquecer a tensão em que vivemos desde 2013, graças aos dois ou três anos de crescimento econômico moderado que poderão resultar daí e do sufocamento dos impulsos contestatórios nas ruas. Pautas agressivamente impopulares serão aprovadas e os porta-vozes do mercado, ingenuamente, vão comemorar.

O problema é que, daqui a poucos, muito poucos anos, quando esse arranjo bater de frente com as efetivas condições demográficas e sociais do Brasil, que mudaram muito nos últimos 20 anos, vamos ter esquecido de fazer o mais urgente: construir essas novas estruturas políticas.

Tendo transformado o Judiciário em ramo heróico do poder, vamos nos deparar com uma sociedade judicializada e policializada, o que não tem como ser bom: afinal, como bem sabemos, muitos juízes pensam que são Deus e os policiais, se não se acham deuses, certamente acreditam ser algum tipo de arcanjo Miguel. Mas isto é um país supostamente democrático, não é algum reino celestial.

Nesse sentido, e apenas nesse, o impeachment é certamente “um golpe”: no sentido clássico em que é sinônimo de bordoada. A vítima desse golpe não é Dilma, nem Lula, nem o PT, mas a paulatina constituição de um novo arranjo político, pós-88, pós-Odebrecht, para o Brasil. Algo muito importante, que ainda está nos estágios iniciais, mas seria ceifado ainda em botão. Algo que se pode divisar vagamente nos novos partidos (Rede, talvez Raiz, até mesmo, se bobear, esses partidos liberais que tentam se registrar) e no vigor de movimentos sociais autônomos como o das escolas. Tudo isso é muito recente e está em grande risco.

São esses que deveriam estar gritando contra um golpe, e não o PT.

Post-scriptum – Tantos Fantasmas

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Comecei o texto falando do golpe como o fantasma de um cadáver insepulto; mas logo me dei conta de que está longe de ser o único dos nossos fantasmas. É, certamente, o que mais atua nas nossas refregas políticas, sobretudo quando chegam ao ponto em que chegaram. Mas existem outros, dos quais, é bom lembrar, a própria ditadura é herdeira.

Por sinal, eu poderia dizer que os fantasmas são uma entidade dinástica, que vai se renovando a cada geração, adaptando-se às condições de cada época e, principalmente, acumulando forças, saberes, poderes; estendendo o alcance de sua atuação; reforçando os nós entre os diferentes pontos de assombração.

Segue uma breve lista de fantasmas, os cadáveres insepultos em que tropeçam todas as nossas iniciativas emancipatórias ou modernizadoras, isto é, nossas boas intenções. O genocídio indígena da colonização, que se traduz em genocídio indígena da república. O rentismo/extrativismo da economia, que vai de Duarte Coelho a Marcelo Odebrecht, passando por Percival Farquhar e os Setúbal. O patrimonialismo estamental, que joga por terra a já normalmente ineficaz distinção entre estado e mercado.

E o principal de todos, claro, evidentemente, sem sombra de dúvida: a escravidão. Está aí Joaquim Nabuco, que não me deixa mentir, e cujo prognóstico de que “a escravidão permanecerá por muito tempo a característica nacional do Brasil” aparece tatuado em baixo-relevo na testa de cada secretário de Educação, Segurança Pública, Transportes ou Habitação deste país.

Sendo assim, o golpe é fractal, ou seja, tem múltiplas dimensões que se dobram umas sobre as outras. Também por esse motivo, mais uma vez, é estéril discutir se há golpe ou não há, porque cada gesto, de cada lado, traz consigo uma fração de desejo de golpe, que também é uma encarnação do conflito inescapável que caracteriza um país como o nosso. Um conflito que é bem mais que luta de classes, porque envolve condições de vida e de ocupação do território transversais em relação à classe: envolvem raça, ascendência, sobrenome.

A ditadura, esse nosso fantasma mais recente, não foi derrubada, como se sabe. Caiu quando quis, vendo que tinha feito besteira na economia e percebendo que o apoio internacional esmaecia. Os militares garantiram o perdão para si próprios e ainda não vi nenhuma declaração oficial das Forças Armadas se retratando por lançar o país nas trevas por tanto tempo. Uma ditadura que, depois de golpear a esquerda, golpeou também a direita democrática (tão pálida no Brasil) e até a direita pouco democrática, como logo percebeu o pobre diabo do Lacerda.

Se hoje temos uma Constituição minimamente humanista, nós a devemos ao momento histórico único da redemocratização, não a algum espírito nacional ou coisa que o valha. Mesmo assim, a Constituinte foi marcada pelos péssimos augúrios do Centrão, germe do nosso pemedebismo, como apontado por Marcos Nobre, e termo que reaparece na nossa política pela via das tentativas do governo de se salvar. Triste sina.

Ataques ao progressismo da Carta esperavam apenas por um governo fraco e um sistema político esfrangalhado para se desvelar em toda sua força. É fácil de prever, como fiz acima, que a grande ofensiva virá com o governo do PMDB: Temer, Cunha, Renan, e nem quero pensar em quais sócios menores… São gente que não tem escrúpulos quando se trata de repartir o território e as forças produtivas.

Infelizmente, porém, a realidade é que a atual paralisia é muito mais favorável aos retrocessos. Com um Executivo em constante xeque e os movimentos sociais com a cabeça fixa no golpe, o Pântano, o Centrão, o exército de Cunha têm curso livre para agir, chantagear, extorquir. Para dar seus golpes constantes, institucionais, legais. Sim, enquanto uns desejam, temem e devaneiam com os golpes, outros os desferem.

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31 comentários sobre “Golpes e desejos

  1. Igor disse:

    O texto é ótimo e gostei muito do Post-scriptum quando você recupera outros fantasmas, mas eu achei apropriado o corte analítico, utilizando a ditadura militar mais recente como marco. Acredito que ela “atualizou” os fantasmas, de dentro e de fora do Brasil, é um corte preciso para a nossa formação socioespacial, que não deixa seu texto ficar generalista. Ele fala da nossa realidade…

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  2. Thiago Castañon disse:

    parabéns ao autor pela excelente análise. recomendo a todos que o leiam.
    deixo apenas uma sugestão: seria interessante se pudesse colocar as legendas nas imagens. discretamente, sem atrapalhar a bela diagramação. Acho que os nomes dos quadros e autores é tão significativo e esclarecedor quanto as próprias imagens e acrescentaria mais signifcados ao texto. pois se adequam muito bem ao conjunto, inclusive casando títulos das peças com subtítulos das seções.

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  3. Oclandio Pinho Siqueira disse:

    Concordo e acrescentaria ainda, o fantasma oportunista dos interesses externos, sem sombra de duvidas um dos principais agentes fomentador de crises e divisoes em nossa sociedade. Sempre assombrando um Pais Continental, riquissimo em recursos naturais e o saqueando comunando com lideres “politicos, mlitares e o caral…e parte da mainstream midia” e quero, para mim um fator importantissimo, com minha experiencia de ter vivido e viajado pelo mundo, observador e curioso que sou, destacar o seu Povo (O Povao) trabalhador, honesto e alegre mesmo com toda dificuldade e preconceito encontrados ao longo de sua Historia.

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  4. LA disse:

    Prismas interessantes! (E que gravuras!)
    Ressalto a passagem que suscita o amor (idolatria) desse governo pelo concreto armado. A meu ver, o maior pecado do PT no poder foi sua miopia estratégica com a “grande Amazônia”. Daqui há uns 50 anos, espero, se chegarmos lá, e uma nova mentalidade prevalecer, todo o resgate social será obnubilado pelo holocausto ambiental, que teve na sede de concreto, seu ponto de virada para o caos. Estão aí a seca de 2013 e 2014, o genocídio indígena em pleno século XXI, para início de conversa.
    O que é triste, que nos leva a defender a legalidade, ou um respeito mínimo pelas regras, mesmo quando os beneficiários nos suscitam total incredulidade em suas ações mediatas, é a natureza dos carrascos e calabares da ora, que pela grosseria de valores, pela estreiteza do simbolismo estético da grande política, apenas nos deixam entrever um continuísmo acelerado do pior lado do PT no poder. Cunha, “esse agente do caos”, saiu de Gotham City. Precisamente, do Asilo Arkhan. Só a arte fornece explicação lógica para esse fato, a perduração desse Coringa (“Caranguejo”) no jogo por tantas rodadas!
    Quando reflito sobre a República de Weimar, os destinos de Rosa Luxemburgo, a ascensão do monstro austríaco, cogito que nossos canalhas atuais adquiriram tamanha desfaçatez como os da Europa de antanho. Acrescente a isso um país cuja sociedade civil admite, de forma passiva, o massacre de indígenas, e só nos resta torcer para que o encontro com nosso fantasma se dê logo, na próxima esquina da história, de forma que nossa miséria seja domada, ou então nos assumamos, sem máscaras, como verdadeiros capitães do mato.
    P.S.: Temer nunca se esforçou…a não ser por si mesmo. Sempre.

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  5. Carlos Alberto disse:

    Suas considerações são profundas e, admito, bastante pertinentes. Contudo, penso que existem inúmeras outras variáveis necessárias à elucidação da questão (ou das questões) que não foram abordadas. Não me estenderei aqui pois seria necessário um outro textão verborrágico e tergiversado como esse seu para começarmos uma discussão. Apenas saiba, há outros pensamentos e sua síntese não é absoluta. JAMAIS HOUVE DITADURA NO BRASIL!

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  6. Pedro cazes disse:

    O texto é excelente, realmente faz pensar fora da caixinha. Agora, fiquei com um pé atrás em relação a duas coisas: no fim do texto, a impressão que dá é que tal fantasia do Golpe tem de fato uma consistência mais real do que o resto do argumento faz crer. Inclusive, quando é lembrado o estado de sítio permanente que vivem as populações e territórios periféricos, é dito que não precisa ter golpe pois ele de certa forma já foi dado. Por isso, me parece estranho o ponto 5, em que o impeachment acarretaria um conjunto de consequências exclusivamente negativas para as lutas populares. Ora, a popularidade do PT entre os setores de esquerda (aí incluídos mov sociais e etc) não serviu como uma trava à uma rearticulação da mobilização de rua, da luta coletiva nas últimas décadas? Se tivermos um governo Temer ou Aécio teríamos tal pasmaceira frente às políticas que atualmente já são aplicadas pelo governo PT? O que observo no movimento de professores, onde estou inserido, é que caso tenhamos um governo PMDB ou PSDB as condições para a mobilização coletiva será muito maior, as pessoas estarão muito mais dispostas a ir pra rua combate-lo, ainda mais por ter tirado o amado governo do PT. É claro que talvez essa possível ascensão da luta popular possa enfrentar uma repressão tão ou mais dura que a atual, mas aí já não nos cabe escolher qual o melhor chicote para nos calar…

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    • Caro, obrigado pela contribuição. A questão da consistência é que mesmo algo nebuloso e abstrato como uma fantasia tem muita consistência quando se trata do desenrolar efetivo dos eventos. No nosso caso específico, o desejo difuso de reviver nossos traumas pode fazer com que concretamente os revivamos de fato. É por isso que pode ficar essa impressão de diferentes níveis de concretude. Sobre a questão do que acontecerá com os movimentos caso Dilma caia, isso é difícil de prever. Em 2014 eu tinha certeza absoluta de que a derrota da Dilma significaria um fortalecimento do campo da esquerda de maneira geral, porque haveria uma transição no Estado e o PT, por exemplo, teria de recriar sua posição como esquerda. Agora, já não tenho tanta certeza, porque o clima de tremendo tensionamento que se criou pode levar em muitas direções diferentes, inclusive uma perda de tônus caso haja o impeachment, uma sensação de derrota consumada. Isso é que me preocupa um pouco. E, de fato, acho que a repressão ganharia um respaldo gigantesco no pós-impeachment, até mesmo como modo de limpar o terreno para os novos gestores do Estado. Mas é claro que tudo isso ainda está completamente aberto! Obrigado pela leitura e pela interação, sobretudo pela interação, algo que está escasseando!

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  7. Excelente texto. Resume de maneira simples toda confusão causada pelo excesso de informações e deformações daquilo que discutimos; e, nos fazem refletir o momento político do pré-golpe.

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  8. Pingback: CONEXÃO PÚBLICA l Gestão Pública, Comunicação e Cidadania

  9. Você consegui expor todos os lados de frente, as várias variáveis que nesse caso vão muito além do legalismo pregado pelos que defendem o judiciário como salvaguarda do momento, tem a historicidade e a sociabilidade presentes. É preciso enxergar plural, mas aí o troço pega, pouquíssimas pessoas vão conseguir ver todos esses lados, quiçá entende los, estamos no meio do circo que pega fogo.

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  10. eduardo estato disse:

    O texto está muito bom mesmo. Difere das “análises” apressadas, simplistas, ou “partidárias” que vemos por aí. Mas, realmente, créditos e título das obras (magníficas, por sinal!) fez falta. Ainda dá tempo?

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  11. Questões Relevantes disse:

    Em primeiro lugar, parabéns. Um texto bem escrito, de ética clara, que constrói ricas reflexões é sempre um prazer, mesmo quando encontramos diversos pontos de divergência – alguns deles fundamentais.

    Politicamente defendo a tese de que quem tem a democracia como valor fundamental, esta democracia republicana, defeituosa e plural, situa-se em um curto intervalo que vai do centro à direita em um gráfico dividido entre extrema esquerda, esquerda, centro, direita e extrema direita.

    No seu caso, percebe-se em diversos momentos algo entre o desdém e a descrença em relação à democracia liberal, e este é um dos pontos em que nossa divergência é total.

    Em um artigo chamado DEMOCRACIA SOCIALISTA digo: “Uma desculpa recorrente dos marxistas é que a democracia capitalista tem participes privilegiados da ordem social com acesso privilegiado ao exercício do poder, sujeitando a maioria às suas decisões, o que distorce e inviabiliza a democracia. Isto é apenas o insidioso totalitarismo colocando seus ovos.

    A ideia de que não temos uma verdadeira democracia porque temos injustiças e “participes privilegiados da ordem social” é uma armadilha retórica que traz subjacente a conclusão que não temos uma democracia, mas sim uma ditadura, o que nos leva de volta ao velho papo marxista de que minha ditadura é melhor que a sua.

    A democracia é, por definição, uma obra em constante processo de inclusão de demandas, inclusive demandas sociais de origem socialista. Isto ocorre porque é da essência da democracia ser plural no que tange a seus atores, mesmo que de forma assimétrica”.

    Também achei que você foi mais feliz em suas críticas ao PT e à esquerda, provavelmente por lhe serem mais próximos, por conhecê-los melhor, mas concordo com boa parte de suas críticas à direita e a esta caricata extrema-direita que nos assombra mais com sua ignorância do que com seu poder.

    Sobre estes dois trechos do seu artigo, (…) “Falei do “não vai ter golpe” como expressão de uma esquerda sobre a qual sempre pende o fantasma de 64, quando a tensão nas ruas chegou a um nível ainda mais profundo do que o atual, mas, na hora do vamos ver, ela simplesmente não lutou. É bem verdade que a capitulação das esquerdas no Brasil em 64 tem muito a ver com a decisão pessoal de Jango, que não quis resistir, ao contrário de seu cunhado, disposto a repetir em escala ampliada a campanha da legalidade de 61. Os motivos para isso são discutíveis, da tal pusilanimidade do rancheiro à informação de que a Quarta Frota estava próxima à nossa costa. Pouco importa. O subtexto do “não vai ter golpe” é o tradicional “desta vez vai ser diferente.” (…)

    (…) “Assim sendo, o cerne do nosso problema não está em identificar o golpe aqui ou acolá, mas em entender que estamos agindo constantemente sob o signo do golpe. Não o que poderá vir, mas o que já aconteceu. Estamos revivendo essa experiência porque não a digerimos até hoje e estamos condenados a novas encenações de instabilidades institucionais, com lacerdismos, golpismos e tudo o mais a que temos direito. Não precisa ter golpe, porque no Brasil o golpe é ubíquo” (…)
    quero deixar um convite para a leitura de um artigo que reafirma os trechos acima e dialoga criticamente com eles: O GOLPE MILITAR E O RETROVISOR DA HISTÓRIA (http://wp.me/p4alqY-4Z )

    Quanto à sua análise do cenário pós eventual impeachment, concordo que a economia deverá melhorar rapidamente (mas não muito) e divirjo da previsão de redução de direitos trabalhistas e benefícios sociais. Isto seria fornecer farta munição para o PT e/ou seus eventuais herdeiros na eleição de 2018.

    De qualquer maneira, obrigado pela perspectiva renovada e redação primorosa.

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  12. Diego, no final eu creio que vc se deixou levar pelo medo, pelos “fantasmas do passado”, um tema abordado até mesmo em um programa do PT.

    Seu artigo foi o mais lúcido que li até agora sobre esse assunto, contextualizando o que hoje vivemos. Fiz em meu blog revista cidade sol várias análises nesse sentido, mas nada tão brilhante.

    Abs do Lúcio Jr.

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  13. Sidney Valadares Pimentel disse:

    O seu texto faz realmente uma análise muito interessante sobre o momento atual na conjuntura brasileira. No entanto, não sei se fiz uma leitura pouco profunda ou pouco atenta dele pois não encontrei considerações sobre um tema que o PT considera a menina dos olhos de seus mandatos, que é a melhoria da situação de vida dos estratos menos favorecidos de milhões de brasileiros que “vivem nos grotões”, aspecto que é valorizado inclusive pela ONU e pela FAO. Este tipo de consideração não caberia na sua análise? Mas não obstante isto, cumprimento-o pela sua análise.

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    • Olá Sidney, obrigado pelo seu comentário. Você tem razão, esse tema é muito importante para entender como as coisas estão se encaminhando; especificamente neste texto, não é um dos pontos determinantes, mas tratei do assunto sob a ótica da gigantesca importância da redução da miséria (isso num texto ainda de 2011, chamado “Lula, o sortudo”) e, a partir dela, a questão do “segundo passo” na melhoria das condições sociais, que a própria redução da miséria tornou possível e, mais ainda, necessário, mas o governo se recusou a dar. Isso foi principalmente em dois textos do ano passado, “O Impasse e os Impasses” e “Na Comunidade das Frustrações”; creio ter tratado de passagem desse tema nos textos de 2013 e 2014 também, sobretudo “Pauta Difusa e Derrota, Mais uma Vez” e “Dialética do Triunfo Conservador”. Obrigado mais uma vez pela leitura e volte sempre!

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  14. Prezado Diego,

    Acabo de publicar um comentário sobre seu texto no blog (http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2016/04/sobre-o-desejo-do-golpe.html). Segue abaixo, sem os links.

    Abraços

    Guilherme

    Sobre o desejo do golpe

    No texto “Golpes e Desejos”, Diego Viana afirma que o governismo alimenta um apreço inconfessável pela ideia de golpe, que salvaria sua identidade esquerdista em meio ao fracasso administrativo federal. A hipótese é interessante, mas o autor chega a esse diagnóstico evitando alguns temas que poderiam desautorizá-lo.

    O “déficit democrático” que sufoca os pobres e as minorias recebe endosso dos mesmos campos institucionais empenhados no impeachment. Se Viana usasse o fato como ponto de partida, perceberia que a causa governista não fica assim tão distante das demandas populares, apesar de tudo.

    Outra evidência ignorada pelo artigo é a obsessão do oposicionismo jurídico-midiático em destruir as chances reeleitorais de Lula. A projeção desejosa afirmada pelo contraponto com a direita não estaria então ligada a um esquerdismo ilusório, mas à memória de uma experiência administrativa bem-sucedida. Gesto que pode ser bastante sóbrio e pragmático, portanto, e não simples delírio coletivo.

    Viana parece excessivamente preocupado em basear a crítica ao impeachment numa desqualificação prévia do governo federal e do petismo. Adota, invertido, o vício criticado por ele nos governistas: quem se opõe a Dilma e a seus algozes só pode ser de esquerda. E assim está autorizado a denunciar o golpe.

    Talvez por causa desse esforço de identificação, o autor idealiza os “levantes” de 2013, como se uma entidade imaginária autenticamente progressista jogasse o governo ao pólo oposto. A idealização simplifica um fenômeno complexo e multifacetado, que abarcou inclusive facções saudosas do lulismo, além de grupos indignados que engrossariam os protestos pelo impeachment.

    Não pretendo inocentar Dilma ou o PT das respectivas incompetências. Tampouco menosprezo os benefícios que as imagens de ambos e de Lula recebem dos métodos rudimentares da oposição. Tendo em vista o nível dos ataques que sofrem, contudo, seria tolice desprezarem a força da memória discursiva do golpe militar de 1964. No mínimo porque ela foi mobilizada pelo antipetismo em primeiro lugar.

    De qualquer forma, transformar a vítima em cúmplice potencial da violência é uma premissa perigosa, cujas implicações dispensam comentários. No caso específico, não resta dúvida de que o governismo preferia cruzar os próximos anos em relativa estabilidade, chegando a 2018 sob o signo do retorno saneador de Lula.

    Finalmente, é cômodo limitar a abordagem fantasmagórica ao imaginário petista. Ela teria algo bem mais relevante a dizer sobre os setores oposicionistas da militância de esquerda, ora incapazes de fornecer respostas viáveis aos desafios da política real, ora hesitantes em abraçar plataformas incontestáveis por receio de soar adesistas.

    No curso dessas oscilações, transparece o desejo de que o golpe aconteça de fato, com imensos prejuízos à democracia, apenas para alguns oportunistas saborearem a derrota do PT. De preferência culpando o partido também pelo retrocesso que seus adversários engendram.

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    • Olá Guilheme, obrigado pelo tempo dedicado à leitura e ao comentário. Compreendo as críticas, que são sempre bem-vindas. Gostaria, porém, de fazer algumas emendas: primeiramente, jamais neguei que as forças empenhadas no impeachment são anti-democráticas. Aliás, muito pelo contrário, tratei desse teor anti-democrático várias vezes nos últimos anos. Por exemplo, a primeira parte deste texto é dedicada precisamente a falar sobre isso…
      Em seguida, tampouco negaria o esforço de destruição das chances de Lula voltar à presidência. Mas isso não determina o modo como a linguagem se apresenta, tanto na oposição de direita quanto na situação: o tema do texto é esse, não os princípios motores de cada grupo, que são bastante bem conhecidos. O que determina, em última instância, a apresentação da linguagem é o fantasma, de ambos os lados, e é por isso que o que poderia ser uma discussão sobre legados e projetos, inclusive bastante fecunda, se transforma numa batalha campal em que a primeira vítima é o espírito democrático. A propósito, se pensasse com a cabeça fria, está evidente que a oposição chegaria à conclusão de que a melhor maneira de manter Lula fora do poder é a continuidade do governo Dilma, já que a dominação pelo Centrão se tornaria ainda mais completa. Mas o desejo de golpe é mais forte…
      Sobre a falha trágica do governo Dilma e da parte do petismo que cegamente subscreveu a ele, remeto aos outros textos, também: a escolha de não avançar nas conquistas, que exigiria muito mais esforço e mobilização, foi fatal. E isso, lamento, não é culpa minha. Com a votação que Dilma teve em 2010, teria sido perfeitamente possível levar a cabo a destruição do nosso sistema oligárquico e a construção de uma verdadeira democracia. Infelizmente, a escolha foi pelo caminho oposto, com a recuperação de oligarquias que estavam moribundas.
      Sobre 2013: acho que já está bastante claro que o que ocorreu naquele ano abriu a tampa de todas as contradições em que vivemos; de lá para cá, não foi nada difícil escolher que grupo se preferiria apoiar e não preciso de nenhum tipo de “idealização” pra dizer que o governo preferiu explicitamente reprimir as reivindicações populares e afagar as elites. Colocou-se ao lado de Alckmin e contra os movimentos sociais, seja por pragmatismo ou por preferência mesmo, já que era preciso garantir “os investimentos da Copa”… Se ao final do processo a esquerda saiu desmantelada (exceto os bravos secundaristas) e a direita fortalecida, não vejo como ficar surpreso com isso. E também não é culpa de quem “idealiza”, é culpa de quem ofereceu a FNS para o governo paulista reforçar a repressão.
      Depois: “vítima”?!
      Considerando que o texto fala de um fantasma que recai sobre todos e em seguida analisa tanto a oposição quanto a situação, só posso concluir que a crítica do penúltimo parágrafo não está endereçada a mim. Em todo caso, estou muito interessado em ouvir sobre as tais “plataformas incontestáveis”, mas com um pouco mais de argumentação, em vez da acusação anódina e desnecessariamente agressiva de semelhança com a extrema direita. Milhares e milhares de pessoas que se opõem ao governo pela esquerda comparecem a atos contra o impeachment, só para saírem de lá irritados quando os atos em questão são transformados em comícios. Todos, absolutamente todos os que conheçam passam o dia denunciando Cunha e Temer. A bancada do PSOL, por exemplo, bateu incansavelmente em Cunha enquanto, a poucos quilômetros de distância, a cúpula do PT tentava fazer um acordo com ele. O que mais seria preciso fazer? Um grande poema em defesa de Belo Monte e da Samarco? São essas as “plataformas incontestáveis”?
      De resto, você me acusa de secretamente desejar que o golpe aconteça de fato, o que me parece um tanto grosseiro, sobretudo num texto em que afirmo com todas as letras que considero o impeachment uma perspectiva terrível e um grande erro histórico. E espero que a acusação de oportunista que está aí ao final também não esteja endereçada a mim, porque seria ainda mais uma grosseria, e que ainda por cima está seguida pela acusação de culpar o PT pelo retrocesso que aqueles que até ontem eram seus aliados engendram.
      Sinceramente: a derrocada do PT não causa prazer nenhum nas pessoas que, durante décadas, votaram nele. Ao contrário, causa aflição. A ausência de um partido forte à esquerda abre as portas para nossas piores oligarquias… como já se vê acontecendo. Infelizmente, parece que vamos ter que lidar com isso nos próximos anos, reconstruindo uma base e revivendo todo um processo que acreditávamos já ter superado; mas fomos atirados de volta a essa etapa pela incapacidade da militância petista de evitar a deriva à direita (oligárquica) do PT. Azar o nosso, e um grande azar.

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  15. Voltando da ressaca de domingo último, retomei a leitura de seu texto que havia ficado antes só na promessa. Gostei, sobretudo, da resposta que destes acima ao Guilherme. Desanuviou alguns pontos que ficaram nas entrelinhas, mas que podiam induzir a interpretações influenciadas por enquadramentos de matiz “governista”. Seguimos.

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    • Oi Markim, obrigado pela leitura. Este texto faz parte de uma série de reflexões que tenho tentado desenvolver aqui, então muitos pontos que no geral são importantes, mas não participam da economia geral do texto, ficaram de fora. Ontem estive relendo um de agosto, Na Comunidade das Frustrações, e acho que é o que mais dialoga com o pós-domingo… Grande abraço!

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  16. Renato Chisté disse:

    Diego,
    Parabéns pelo texto, nosso País precisa de pensadores que não faz uma crítica simplista da atual situação política do Brasil, mas que consegue dialogar com os cenários que constroem esse todo politizado do cenários Nacional. A grande massa da população brasileira lançaram sua esperança no ideal pregado pelo PT e seus representantes, ao meu ver, Ele (PT) teve a oportunidade de fortalecer a democracia, mas lançou mão ao fazer Assistencialismo em detrimento de Justiça Social.

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  17. Julio Roberto disse:

    O artigo centra-se novamente em uma ideia sedutora calcada apenas em referenciais eruditos mas que se desmanchariam no ar se levados de volta ao plano concreto: ora, afirmar que os governos petistas – quero manter o máximo de distância a este partido político – anseiam por um golpe para recuperarem sua “causa” de esquerda à la Jango é no mínimo um disparate de mesma grandeza do que o velho, popular e misógeno “se ela estava de mini-saia ela pediu para ser estuprada”. A crença neste ponto central do artigo ignora de modo completo um dos argumentos previamente levantados. Afinal, se o próprio partido foi responsável por macular qualquer gesto de seu passado recente, com alianças espúrias, porque neste momento, ao contrário de tudo o que foi feito até agoria, gostaria de interromper seu poder por uma simples patologia psicanalítica?
    Gosto, contudo das associações, e das fotos, que tem uma certa vertente das esferas de Peter Sloterdyk.

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    • O que me diverte nos comentários que já começam com uma declaração de anti-intelectualismo é que graças a isso dá pra saber de antemão que vai vir salada pela frente. Dito e feito, este não escapa à regra. Não bastasse uma comparação estapafúrdia, digna do bom e velho ponto de Godwin (só que aqui a reductio ad hitlerum vira reductio ad stuprum…), ainda por cima se atribui ao texto a posição rigorosamente inversa ao que está escrito com todas as letras. Pode conferir: afirmo sem meias-palavras que o fantasma de ser golpeado inclui a necessidade de que a remoção não aconteça de fato, o que lançaria por água abaixo o caráter fantasmagórico do desejo…

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