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De Dantas e Nahas, sobretudo Nahas

peça publicitaria da carta capital
Em primeiro lugar, créditos a quem merece. A revista Carta Capital publicou (pelo menos na internet) um resumo de suas principais matérias em que, pelos últimos cinco ou seis anos, manteve uma campanha acirrada e declarada contra Daniel Dantas, esse aí de que tanto se fala. Luís Nassif, em seu blog, indicou o caminho para o texto da revista, não sem antes deixar seus parabéns. Mais que um resumo, trata-se de um tapa com luva de pelica na concorrência, que subiu atrasada no bonde (talvez por querer) e corre atrás do prejuízo.

Enquanto lia o auto-elogio da revista, me lembrei imediatamente de uma das peças publicitárias mais felizes que já vi no Brasil (essa aí que encima o texto). Foi em 2004 ou 2005, não me lembro. Não exagero em dizer que tremi de emoção com a imagem das capas das quatro revistas semanais brasileiras, lado a lado. Três delas em flagrante “babação de ovo” (com o perdão da expressão) do nosso bardo imortal, Paulo Coelho. Uma única tratava de um assunto verdadeiramente digno de uma publicação séria: a Carta Capital, com Dantas em destaque pela enésima vez. Acima, a inscrição corrosiva: “Nada contra os coelhos, mas alguém tem que vigiar as raposas”.

Quem há de discordar que é fantástico? Os publicitários que criaram a peça, talvez sem querer, estocaram uma peixeira incandescente direto no fígado da maneira como o jornalismo tem sido feito no Brasil, pelo menos desde meados dos anos 90 (antes disso, não posso dizer, eu era muito garoto). Quantas vezes a Veja não estampou em sua capa as últimas novidades da cirurgia plástica ou coisa que o valha? Nos jornais diários, quantas capas com Michael Jackson perseguido por repórteres, manchetes inócuas, porcentagens sem sentido? No rádio, o tempo que se perde entrevistando técnicos e jogadores de futebol, com seu vocabulário espartano! Nada contra, como diz a propaganda, mas que não reclamem se os leitores andam sumidos.

Tenho imaginado como anda o clima na redação da Carta Capital. Figuro repórteres e editores que não conseguem dormir, viram uma caneca de café atrás da outra, passam dias e noites pendurados em telefones, os editores na redação, os repórteres na rua, agora que as ações de sua galinha dos ovos de ouro foram tão valorizadas. Da noite para o dia, todos querem comprar (a começar pela concorrência), pois descobriu-se que Dantas fazia das suas. O material e a experiência que Carta Capital acumulou sobre o assunto devem ser objeto da cobiça dos demais e não duvido que outras empresas assediem os jornalistas da casa. Chegou o dia deles, como chegou o dia de Samuel Wainer quando Getúlio morreu, mal comparando.

Como se vê, Carta Capital deu furo em todas as concorrentes. Talvez tenha furado até demais: fala há tanto tempo e tanto em Daniel Dantas, que o povo até desconfia. Antes de sair do Brasil, confesso que não entendia por que os ataques tão reiterados a uma única pessoa. Afinal, não seria ele, certamente, o único escroque do país, ainda mais que o país em questão é o Brasil. Face ao banqueiro baiano a cada semana na capa da revista, as orelhas alongadas digitalmente, eu não sabia de quem deveria ter mais medo, se do acusado ou do acusador. Pois bem, Carta Capital apostou firme em sua linha e acertou. Victori patatae, já dizia Quincas Borba.

Em segundo lugar, e volto a citar lembranças: certa vez, quando eu terminava o colegial, visitei uma corretora de valores do centro de São Paulo, para descobrir se eu realmente queria ser economista (não descobri foi coisa nenhuma). Um sujeito destacado para receber meu grupo, com toda probabilidade um estagiário infeliz, nos mostrou a certa altura um gráfico com a evolução histórica do índice Bovespa.

Logo notei que havia um salto enorme em finais dos anos 80. Perguntei ao (suposto) estagiário por que o mercado de capitais brasileiro tinha se desenvolvido tão de repente, como podíamos ter enriquecido tão rápido em meio a uma recessão tão forte. Ele me respondeu que não era nada disso. O salto exprimia um episódio em que “o Nahas quebrou a bolsa do Rio” e os negócios foram transferidos para São Paulo, quase todos. Nem preciso dizer que fiquei pasmo. Então uma pessoa, sozinha, era capaz de causar um estrago tão grande no sistema financeiro? (O fechamento definitivo da bolsa do Rio, a mais antiga da América Latina, mal demorou uma década.) Na opinião de nosso cicerone, sim. Se essa pessoa fosse Naji Nahas.

O investidor libanês, com isso, tornou-se uma lenda para mim. Acusado de operar com laranjas e outras fraudes no episódio da quebra da Bolsa, fui saber que, em 2004, ele acabou inocentado. Grandes economistas depuseram a seu favor, como o falecido Mário Henrique Simonsen, e o investidor ainda saiu da pendenga prometendo entrar com um processo contra a CVM e contra Eduardo Rocha de Azevedo. Esse último, ex-presidente da Bovespa e da BM&F, seria, no dizer de Nahas, o mentor de uma conspiração para acabar com ele e, principalmente, para concentrar o mercado financeiro na terra da garoa.

Culpado ou não, nunca mais eu tinha ouvido falar em Naji Nahas, o mago das finanças e dos investimentos. Esse nome só me foi reaparecer agora, quando a Polícia Federal colocou novamente as mãos sobre ele, através da operação Satiagraha (falando nisso, onde entra Gandhi nessa história?). Para a polícia, Dantas e Nahas formaram uma quadrilha para manipular as relações entre grandes conglomerados, ex-estatais, fundos de pensão e o próprio governo. Ou seja, gente de calibre grosso, muito grosso.

E, no entanto, quase não se fala em Naji Nahas. O homem foi esquecido. A bolsa do Rio não existe mais, o processo foi encerrado, os holofotes estão todos em cima de Daniel Dantas. Acusa-se o baiano de subornar juízes e jornalistas, atacar a reputação dos que se revelavam insubornáveis, grampear inimigos, molhar a mão de políticos, por aí vai. A reboque dos sucessivos furos que levaram de Carta Capital durante anos, os demais veículos da imprensa brasileira cercam Daniel Dantas como se ele fosse uma espécie de Alexandre Nardoni das finanças.

Mas, diz o delegado Protógenes, Dantas e Nahas são os cabeças de uma quadrilha. E o libanês está no jogo há muito mais tempo do que o homônimo do ator. Também diz o delegado que Dantas não poupava esforços para influenciar resultados de julgamentos e até evitá-los, esse Dantas que teria formado uma quadrilha com Naji Nahas, o investidor mais velho que, ora-vejam-só, já teve complicações sérias com a Justiça e saiu livre. Mesmo assim, por algum motivo ou sem motivo algum, quase não se ouve falar de Nahas nas matérias sobre a operação Satiagraha.

Sem mais rodeios: a imprensa se beneficiaria, talvez, de sair da poltrona, abdicar de redescobrir o que Carta Capital já publicou, juntar os cacos e sair para investigar. O que mais existe de saboroso nessa história toda? Isso certamente renderia bem.

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