Uma única pessoa veio comentar que ando sumido. E foi minha irmã. Aos demais membros da multidão apreensiva com meu silêncio, podem ficar tranqüilos: não sofri nenhum acidente, não atirei o computador pela janela (mesmo ele merecendo), não desisti de blogar, embora o ritmo já ande lento há tempos. É que aconteceu um milagre, coisa rara por estas bandas e que não se pode deixar de aproveitar: o tempo está magnífico. Já faz quatro dias que não chove. Na hora do almoço, a temperatura ultrapassa os vinte graus. Tenho até tomado sol. Passo o dia fora de casa, tentando guardar bem a lembrança do céu azul, que provavelmente só poderei rever em setembro, e depois só no próximo mês de maio. Daí o sumiço: quando finalmente volto ao lar, tenho de me dedicar às atividades obrigatórias, estudo, pesquisa, trabalho e assim por diante.
Mas acaba aparecendo uma janela, mais cedo ou mais tarde. Posso abrir o processador de texto e escrever alguma bobagem para postar. Blog parado é muito feio. Assim sendo, vou dedicar um tempo a comentar filmes. É que começou ontem o décimo Festival de Cinema Brasileiro de Paris, e eu me permiti interromper a fruição do céu azul, essa raridade deliciosa, para ver Sem Controle, primeiro longa de Chris d’Amato (diretora-assistente de diversos filmes nacionais nos últimos anos), com Eduardo Moscovis no papel principal. Como não sou crítico de cinema, não vou me perder em análises estéticas. Bem que dá vontade, mas me limito a dizer que, durante a maior parte do tempo, achei que não estava gostando. Mas, no final, descobri que gostei sim, e bastante.
Acho difícil fazer um elogio à fita sem contar o final. Ou seja, se você pretende assistir, não leia as próximas linhas. O que achei mais interessante no filme foi o fato de ele ser quase uma desculpa para difundir a história de Manuel da Motta Coqueiro, que tanto sucesso faz entre os oriundos do Norte Fluminense. E esse papel (digamos assim) didático é muito bem cumprido, sem que o didatismo não torna o enredo maçante. Muito pelo contrário, aliás. Palmas para o roteirista. Se os brasileiros assistissem aos filmes feitos em nossa terra (produção global não conta), o país inteiro poderia ficar sabendo da história do fazendeiro enforcado talvez injustamente.
Ainda sobre o enredo, é interessante observar suas várias auto-referências (as inconsistências são irrelevantes. Não só não comprometem o todo, ainda ajudam a história a atingir seu objetivo). O protagonista é um diretor de teatro que montou uma peça sobre, justamente, Motta Coqueiro, e fracassou escandalosamente. Uma das primeiras frases que ouvimos é o trecho de uma crítica: “o texto não tem conflito. O diretor não conseguiu atrair a atenção do público”. E essa parece ser a preocupação que guiou a construção do enredo. Desde o início, está avisado que o objetivo da narrativa é chamar a atenção para outra história. É claro que o público desavisado não percebe na hora. Mas, refletindo depois, a estratégia transparece.
É por isso que um certo número de coisas difíceis de engolir são perfeitamente releváveis. Numa obra de arte (e não vale a pena discutir aqui se cinema é arte ou não), devemos ter em mente que o que conta é o todo. O detalhe só é importante na medida em que contribua para o todo ou o comprometa. Por exemplo, as atuações bastante questionáveis das duas principais atrizes quase comprometem, mas o filme consegue sobreviver, empurrado por sua construção sagaz e interessante. O próprio Eduardo Moscovis, aliás, não é nenhum Lawrence Olivier, mas nada que estrague a sessão.
O mesmo vale para a menção, tirada um pouco da cartola, a um relacionamento passado entre o diretor e sua analista. Não serve para nada, só torna a história menos crível, mas e daí? Não é importante, então passa. Um pouco mais incômodas são algumas panorâmicas de Macaé (onde se passa o enredo) inseridas de maneira manifestamente aleatória. Paisagens muito bonitas, sem dúvida, mas o que estão fazendo ali, espremidas entre uma cena tensa e outra nervosa? Ah, entendi: a prefeitura da cidade é um dos principais investidores…
Em alguns momentos, o filme tem uma proposta estética arrojada, dosada com habilidade pela diretora. Um pouco mais de câmera tremida, cortes bruscos, sons insuportáveis e flashbacks enjoariam. Assim como está, atiça a atenção do público e confere ao filme um certo tempero. Outro ponto que merece ser mencionado é o capricho da produção, coisa rara em filmes brasileiros.
Opa, parece que acabei fazendo alguns comentários estéticos… Difícil evitar, peço perdão. Então vou cortar por aqui o comentário, só encerrando com a constatação de que Sem Controle não é nenhuma obra-prima, longe disso, mas é um filme que vale a pena ser conferido. Mesmo porque a história de Motta Coqueiro deveria ter uma repercussão maior. Diz muito sobre nosso país. Não só em relação à pena de morte, por onde é mais conhecida, mas também quanto à maneira como encaramos questões de trabalho e propriedade.
Mas isso também é tema para outro texto! Então dou este por encerrado. À minha espera, há um relvado verdejante (ou seja, um gramado bem cuidado na linguagem dos tempos de Motta Coqueiro). Como não sei por quanto tempo vou poder aproveitar esse clima, vou lá fora sugar dele o máximo que puder.