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Para ler sem olhar

Diego Viana

Arquivo da tag: prafrentex

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Morte em Torregaveta

19/07/2009Diego Vianaadolescente, afogada, afogamento, afogar, agora, areia, ataúde, atual, badulaque, banhista, berlusconi, blog, Brasil, cadáver, caixão, cardeal, cínica, cínico, chocada, chocado, choque, churrasco, cigana, cigano, cinismo, clérigo, correnteza, corrupção, criança, descanso, diocese, escolho, esquecimento, europa, falecer, férias, frescobol, golpe, governo, hoje, horror, humanidade, humano, imagem, imediato, indiferença, indiferente, indignação, italiano, Itália, jornal, jovem, Kusturica, lembrança, logo, medo, memória, mendigar, mendigo, menina, morrer, morte, nápoles, necrotério, onda, pedra, poder, policia, pra frentex, prafrentex, praia, rom, selva, selva urbana, silvio berlusconi, simbologia, subúrbio, terror, topless, torregaveta, tragédia, verão 15 Comentários

É curioso que, num país onde alguém como Silvio Berlusconi consegue se eleger e reeleger, o maior escândalo midiático gire em torno da indiferença, como se de repente os italianos se dessem conta de que andam indiferentes a tragédias em geral. Curioso talvez não seja a palavra… sintomático talvez fosse melhor: afinal, a indiferença faz parte de nossas lamentações sobre a vida neste início de século, além de ser uma estratégia de sobrevivência eficaz e inevitável nas nossas selvas urbanas. E isso vale também para a Itália, cuja população parece não perceber que há um bufão no leme, conduzindo a península para os escolhos do Mediterrâneo. Está certo: curioso é a palavra.

Mas eis a história, ocorrida há exatamente um ano: quatro adolescentes roma (até algumas décadas atrás, seriam designadas simplesmente como ciganas) foram a uma praia perto de Nápoles, de nome Torregaveta. Segundo a mui confiável polícia italiana, elas lá estavam para mendigar, vender badulaques e aplicar pequenos golpes, desses que conhece exaustivamente quem tenha passeado por qualquer cidade europeia. Mas nem as diabólicas ciganas são de ferro, como atesta aquele Kusturica. A tarde estava muito quente, a brisa era gostosa, o mar interior tinha seu tom azul pelo qual até Catão já suspirou. As meninas decidiram dar um mergulho.

Com a mudança dos ventos e das correntes, o idílio descambou para a tragédia. Carregadas pela força das águas, elas viram a terra se afastar e se puseram a gritar em desespero. Os mui ágeis e prestativos salva-vidas napolitanos lançaram um barco ao mar e conseguiram resgatar duas das moças. Mas Cristina, 13 anos, e Violeta, 12 anos, foram carregadas pela correnteza e atiradas contra as pedras. Afogaram-se. Os corpos foram levados para a praia e cobertos com toalhas, à espera de que o também mui ágil necrotério da região enviasse os ataúdes. Não demorou mais que três horas.

Começou aí a polêmica. Um fotógrafo registrou diversas imagens dos corpos largados sobre a areia. Ao fundo, famílias tomam sol como se nada de anormal se passasse naquela praia. Das senhoras em topless à garotada jogando frescobol, passando pelos marmanjos a preparar seu churrasco armados de cerveja em latinha, não vinha um olhar sequer, nem de esguelha, para as duas massas inertes a poucos passos da tranquilidade estival. E lá ficaram, esquecidas e largadas, as duas jovens vítimas das águas traiçoeiras, que jamais reverão a luz ofuscante que queimava a pele de seus vizinhos. O cadáver, pelo menos no sul da Itália e em certos subúrbios do Brasil, deixou de ser algo chocante.

Chocada ficou a opinião pública, diante da insensibilidade dos banhistas. O cardeal Crecenzio Seppe, arcebispo de Nápoles, escreveu no blog de sua diocese (aliás, que diocese prafrentex!) que a indiferença “não é uma reação para humanos”. A afirmação é bastante discutível e parece indicar uma estranha tendência de religiosos para apontar falta de humanidade nos outros, mas a sensação de desconforto e repulsa pela atitude dos banhistas é bastante compreensível. Os jornais Corriere della Sera e La Reppublica publicaram editoriais em que se diziam impressionados e revoltados. Um grupo italiano de defesa dos Direitos Humanos sublinhou a atmosfera de “racismo e horror” que viceja no país, lembrando os recentes ataques do “governo” Berlusconi à comunidade rom, com direito a fichamento e violência policial.

À parte as particularidades da Itália, é difícil comentar um fenômeno perturbador como esse. Digo “perturbador” porque vai além da mera indiferença perante a morte ou a desgraça alheia. Esse aspecto da questão está mais do que documentado em análises da cultura contemporânea de diversos matizes. O caso Torregaveta, porém, toca em categorias muito mais profundas e terríveis da mente humana: o poder da imagem, a simbologia da morte e, o que é talvez mais atual, a memória recente. Senão, vejamos:

Todos os dias, agimos com indiferença perante desgraças que, nos cálculos de nossa boa consciência, consideramos inaceitáveis e bestiais. Ver uma criança esmolar, por exemplo, deveria nos levar a todos à loucura. Mas isso não acontece, porque se não nos cercamos de um muro de indiferença e cinismo, mais do que loucos, talvez acabemos mortos. Mas isso não impede que mesmo o mais frio e individualista dentre nós sinta um nó na garganta, ao se ver diante da mão rechonchuda esticada e os olhos enormes e suplicantes de um menino a pedir dinheiro. Mesmo no Brasil, essa sensação de desconforto, quase culpa, às vezes é maior do que o medo de ser assaltado. Mesmo assim, controlamos as emoções e respondemos: não.

Esse é o poder da imagem, de que falei acima. Confrontados a uma visão perturbadora, trememos. Mesmo que seja apenas uma fotografia. E os artistas exploram essa força irresistível em suas obras desde tempos imemoriais. Ainda que estejamos mais do que acostumados à ideia da morte violenta, que nos metralham os jornais, os filmes, a televisão, a princípio ainda não estamos tão obnubilados a ponto de não conseguir diferenciar, do ficcional e do distante, o presente, o real, o inefável e inescapável.

Em Torregaveta, não foi o que aconteceu. A imagem parece ter perdido todo seu poder. A presença física de dois corpos sem vida não evocou na cabeça daqueles banhistas nenhuma associação de morte, de terror, de repulsa. Teriam eles se reconciliado perfeitamente com a certeza de nossa mortalidade? Certamente, não. Simplesmente eles reagiram ao concreto, ao factual, como se estivessem diante de um filme de Hollywood ou coisa que o valha. Eles se portaram, afastados poucos passos da evidência de nossa fragilidade, como alguém que lesse a notícia numa coluna de faits divers do jornal, ou melhor, que recebesse uma notinha por RSS. A morte, até mesmo a morte próxima, se tornou para eles um espetáculo, mas pior: um espetáculo sem graça, porque desprovido de toda a técnica de suspense que os gênios da indústria cultural perfeccionam há décadas.

A isso se soma a questão da simbologia da morte: quem não está cansado de escutar histórias de casas amaldiçoadas porque alguém morreu em um de seus cômodos? Essas histórias existem porque a morte é, ou costumava ser, uma noção muito forte no nosso imaginário. Também, pudera. É a morte, cáspite! O trauma que ela provoca, quando não é esperada, deveria contaminar tudo em volta: o ambiente, o momento, os objetos envolvidos. Como no caso das casas amaldiçoadas ou, mais concretamente, das mães que deixam trancados os quartos de filhos falecidos, porque a dor de arrumá-los seria forte demais.

O que se esperaria dos frequentadores de Torregaveta seria um desconforto enorme de apenas estar na mesma praia que um par de cadáveres. Normalmente, o mar, o ar, a areia, tudo estaria impregnado com a proximidade da tragédia. As pessoas deveriam sentir que a morte ainda rondava; talvez imaginassem os fantasmas das meninas, talvez cressem que alguma divindade tivesse atirado uma maldição sobre o lugar, quem sabe até vissem um esqueleto com uma foice… pouco importa. A perturbação não precisaria assumir nenhuma imagem específica ou concreta: ela deveria apenas ser sentida. Mas não foi. As meninas mortas marcaram o imaginário dos banhistas como as águas-vivas: basta guardar uma certa distância.

Não me pergunte como é possível. Talvez estejamos esquecendo de que somos mortais. Talvez nossa cabeça não consiga se afastar das pressões do quotidiano. Talvez tenhamos perdido a força ou a coragem de imaginar. Talvez nossa capacidade de ter medo de riscos fantasiosos esteja sobrecarregada com as imagens de um terrorismo onipresente. Talvez isso, talvez aquilo, talvez um milhão de coisas. Certo é apenas que não se pode considerar normal a indiferença perante a morte.

E assim chegamos ao terceiro e último ponto: como as pessoas conseguem continuar jogando seu frescobol e pegando seus jacarés depois que as ondas carregaram e trituraram os ossos de duas meninas, na mesma praia, no mesmo mar? Já não estamos mais falando de imagens, nem de símbolos: estamos muito concretamente evocando um perigo real, concreto e presente: um mar imprevisível, traiçoeiro, assassino. Seriam os turistas intrépidos? Pelo contrário. Não há timorato maior do que o turista, principalmente o europeu que frequenta as praias do sul da Itália. Então che cosa?

Meu chute: sem concentrar com muita força nossa atenção, perdemos a força de diferenciar o “agora há pouco” do “agora, agorinha mesmo” e do puro e simples agora. Os banhistas que se metiam na água poucos minutos depois de buscarem os dois corpos sem vida talvez tivessem até se esquecido de que qualquer coisa do gênero tenha acontecido. Mais ou menos como ratos de laboratório, que apagaram da memória os choques levados na véspera e continuam de sofrer em busca de um pedaço de queijo. O imediato, o instantâneo, virou um paradigma tão poderoso que se insinuou no nosso inconsciente e estrangulou a memória, até mesmo a memória recente. Estamos aleijados e, no caso da turma de Torregaveta, a próxima mudança da correnteza pode nos carregar também.

Pareço muito alarmado? Desculpe, não foi a intenção. Mas é que, sem assumir um tom meio apocalíptico, é difícil ser levado a sério. Ou talvez eu esteja exagerando mais uma vez, mas não posso evitar. Quando um bando de gente de sunga consegue demonstrar que a imagem perdeu o poder, a morte não significa mais nada e a memória de alguns minutos atrás foi completamente apagada, não consigo deixar de sentir que algo está errado, muito errado.

É por isso que discordo do cardeal que vê a turma da praia como não lá muito humana. Se há alguém que pode perder essas capacidades fundamentais, é o ser humano; da mesma maneira, é o ser humano que pode apontar o fato quando acontece. Por fim, só o ser humano pode recuperar aquilo que foi perdido. Resumindo, não adianta chamar os outros de menos humano; é improdutivo, além de falta de educação. Para o bem e para o mal, estamos na montanha-russa da existência humana, e é nossa humanidade que não pode se tornar indiferente jamais. Por sinal, espero que já não tenha se tornado.

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