“Há um doce aroma de corrupção e decadência em todo barroco. As linhas tortas e involutas, a complexidade aparentemente confusa, mas estruturalmente clara e geométrica, são prova desse frisson não confessado. A linha simples e reta, a que demanda goticamente o céu, já não é mais viável. O intelecto se força barrocamente em gesto eternamente fechado. É o estilo de uma sociedade que procura na ilusão a realidade perdida e o faz deliberadamente. Esta é a beleza do barroco. É a beleza do pecado.”
“Definirei o que são as igrejas do barroco mineiro da seguinte maneira: são obras de mentalidades ingênuas que copiam obras de mentalidades decadentes que, por sua vez, procuram a ilusão da ingenuidade. As igrejas mineiras são monumentos que festejam uma ingenuidade autêntica com uma técnica inautêntica que lhes é estranha. São aparentemente pecaminosas, mas fundamentalmente puras. Os pecados do espírito que fizeram do barroco o estilo diabólico que é, não podem ser nem imaginados, e muito menos praticados, pelos artistas mineiros. O que estes artistas fazem é copiar, ingenuamente, os truques diabólicos do barroco europeu, sem talvez desconfiar da sua infernalidade. O resultado é este: igrejas aparentemente pecaminosas e corruptas, mas na realidade pias e castas. E isto deixa o intelecto profundamente perturbado. Porque prova a limitação do intelecto. O barroco mineiro prova que o intelecto é apenas leve verniz, mesmo quando mascarado em alma, e que a verdadeira alma pode reduzi-lo ao ridículo e ao absurdo. O barroco mineiro prova o ridículo e o absurdo do barroco europeu.”
V. Flusser, em O Barroco Mineiro Visto de Praga, publicado no Jornal do Commercio, Rio, 1966.