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Para ler sem olhar

Diego Viana

Arquivo da tag: lingüística

barbárie, Brasil, costumes, crônica, crime, descoberta, desespero, direita, doença, eleições, escândalo, esquerda, estados unidos, história, opinião, passado, pena, Politica, prosa, reflexão

Quando a pele está nos olhos

01/11/2008Diego VianaAl Capone, atrasado, atraso, étnica, étnico, Barack, branco, Brasil, bruxo, Chicago, civilização, cognição, cognitiva, cognitivo, comparação, cor, dinheiro, discriminação, doméstica, eleição, eleições, empregada, empregada doméstica, escravidão, escurinha, escurinho, esquecimento, estados unidos, Estados Unidos da América, ethos, etnia, eua, eufemismo, europa, falácia, fatwa, fernando henrique, Fernando Henrique Cardoso, fhc, frentista, Gödel, genética, gene, geografia, geográfico, goleiro, história, idioma, imigração, imigrante, imigrantes, império, infância, língua, lógica, lógico, lembrança, lingüística, machado de assis, marrom, matiz, memória, mestiçagem, mestiço, Milton Santos, miscigenação, miscigenado, moreno, mulatinho, mulato, nórdico, negro, obama, obscurantismo, obscurantista, ocidental, ocidente, opinião, pardo, patrão, patrões, pé na cozinha, pedreiro, pensamento, percepção, piada, piadista, preconceito, pulo do gato, Quine, raça, reflexão, segregação, sociólogo, Tarski, terminologia, tom, vermelha, vermelho 9 Comentários

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Na última postagem, esqueci de mencionar uma hipótese “engraçada” (na medida em que a discriminação étnica, racial ou cromato-cutânea pode ser engraçada…) Há males que vêm para o bem, enfim. Meu esquecimento vai servir de gancho para encadear um texto no outro. Não que isso seja indispensável, mas há puristas que não passam sem a elegância do gancho e vão certamente ficar aliviados. Pois bem, à hipótese. Vamos supor que as previsões se confirmem e o carismático Obama, candidato preferido de dez entre dez não-obscurantistas, seja eleito presidente dos EUA na próxima terça-feira. Que será do eufemismo etno-geográfico dos europeus? Seria engraçado e significativo se resolvessem excluir “o império” da idéia de “ocidente”…

Mas isso não vai acontecer. Mais lógico seria esperar declarações, mesmo apologéticas, dando conta de que um “não-ocidental” governa a mais rica nação do Ocidente. Não-ocidental… logo Obama, que fez a vida em Chicago, como Al Capone. Porém, a língua está bem aquém da lógica e o discurso europeu não tem segredo. Eles dirão, maravilhados: “Isso é excelente! Um negro na presidência! A civilização (ocidental) evoluiu muito… É um exemplo para o resto do planeta!” E, como a língua não leu Tarski, nem Gödel, duvido seriamente que algum ocidental considere contraditório o fato de ainda usar a palavra “ocidental” para se referir à gente de pele branca.

Mas chega de Europa! Ao mencionar os Estados Unidos, chegamos a um país cuja “questão racial” é mais próxima da nossa, uma óbvia conseqüência do fenômeno comum da escravidão, a que se soma, embora em escalas bem diferentes, a chegada de imigrantes do mundo inteiro. Lá, como no Brasil, associaram-se, durante gerações e gerações, certos conceitos de valor às peles branca e negra (e “vermelha”, aliás), que determinam profundamente o modo de ser nacional (o ethos, podemos dizer). Obama é um exemplo particularmente curioso da forma como seu país retrata a si mesmo. Se um indivíduo de pai negro e mãe branca entra imediatamente na categoria “negro”, sem maiores considerações sobre a mestiçagem, só posso concluir que o termo “branco” funciona como uma espécie de núcleo lógico para a classificação racial, de forma que tudo o mais é associado ao “outro”. Assim, à exceção do estritamente branco, toda a gama de porcentagem genética de outro grupo é automaticamente encaixada, por inteiro, nessa outra categoria (chamada de “raça” por ranço ideológico, aliás). Não é uma escolha consciente. É a maneira como as populações vêem a si mesmas e às demais. Um resquício lingüístico, mas difícil de identificar e, por extensão, de combater.

Dos EUA, passemos, finalmente, ao Brasil. Como se manifesta esse fenômeno vergonhoso e renitente da discriminação étnica camuflada pela língua? Não é como na Europa, nem como nos EUA, e esse simples fato é suficiente para nutrir a velha falácia de que não existe preconceito (de cor) no Brasil. Porém, se essa idéia falsa subsiste há tanto tempo, ela só pode ser sintoma de alguma outra coisa. E é onde vamos encontrar o pulo do gato, nossa particularidade embaraçosa.

Certo está que a divisão estanque entre “branco” e “negro”, que “funciona” tão bem no contexto americano e se escamoteia com tamanha eficiência no desvio terminológico dos europeus, enfrenta uma dificuldade a mais para se sustentar no Brasil. Nossas peles têm muitos matizes, nosso sangue é o ápice da fusão, o sol que amamos muda sem trégua a cara que apresentamos. Mesmo assim, o problema existe. Mas existe de uma maneira muito esquisita, tipicamente nossa. Infinitamente mais do que nas outras terras que usamos como exemplo, é dificílimo distinguir, em cada caso e mesmo no quadro geral, até que ponto um ato (ou uma situação) de discriminação é racial ou social. É por isso que tantas vezes, com a maior boa vontade, o brasileiro se deixa cair na esparrela de que a totalidade da discriminação que existe no país é da natureza social, puramente social, sem um pingo de questão racial envolvida. E, por mais conscientes que estejamos do erro desse tipo de concepção, como nem tudo em nossa mente é consciência, acabamos todos caindo, mais cedo ou mais tarde. Isso acontece porque a confusão se forma de maneira sediciosa e notavelmente eficiente, que envolve nossa própria faculdade cognitiva, a tal ponto que a cor de uma pessoa pode variar enormemente de acordo com sua condição social. É quase como se, no Brasil, o dinheiro tivesse o poder de alterar estruturas genéticas. Seria muito interessante, do ponto de vista fenomenológico, se não fosse terrível, do ponto de vista humano. Mas explico.

Para isso, vou precisar evocar um episódio que se passou comigo. Antes que venham me dizer que é um caso isolado, já aviso que não é. Escolhi esse como exemplo porque foi o primeiro que vivi e, talvez por isso mesmo, considero paradigmático. Foi na casa de um amigo da escola. A certa altura do almoço, por algum motivo, o assunto passou a ser o problema do racismo. Eis um tema em que, naturalmente, a palavra “negro” dificilmente deixa de ser pronunciada. E, justamente, à sua primeira menção, o pai de meu amigo sugeriu, sussurrando, que falássemos todos mais baixo. À guisa de explicação, indicou com a cabeça a cozinha, onde, fora de nosso campo de visão, a doméstica preparava a sobremesa. No mesmo instante, meu amigo, um piadista incorrigível e um tanto imprudente, observou: “mas ela não é negra. Ela é marrom”.

Espero que a piada de mau gosto do garoto (hoje homem feito, claro) não lhe valha uma fatwa tardia. Minha intenção, na verdade, é chamar a atenção para as implicações do que ele disse. Do ponto de vista cromático, afinal de contas, ele até tinha razão; mas o importante é que, sem perceber, meu camarada deu azo a duas constatações fundamentais e sintomáticas. Em primeiro lugar, o tom da pele da moça estava longe de ser negro, como negra era a pele, por exemplo, de Milton Santos. Mas, até aí, nenhuma novidade. Estamos ainda no quadro do princípio que apontamos para o caso de Barack Obama: numa sociedade dominada pela idéia do branco (mesmo idealmente, por suposto), basta ser ligeiramente não-branco para entrar na categoria “negro”.

A verdadeira marca de nossa diferença em relação ao “modelo” americano, uma marca, pensando bem, talvez até mais grave, é a segunda constatação, essa absolutamente involuntária, de meu amigo. Ao final da refeição, percebi, não sem surpresa, que a pele da jovem na cozinha não só não era negra, como não era mais escura do que a de nenhum de meus anfitriões. Nem pai, nem mãe, nem filho engraçadinho. A imagem continua clara na minha lembrança: o momento em que ela veio servir a sobremesa. Postas lado a lado, a humilde contratada tinha a tez mais clara do que a de sua distinta contratante. Mesmo assim, que fenômeno, que horror, que vergonha, nada disso impediu que, na percepção imediata de todos nós, mesmo da própria doméstica, sentados à mesa estavam os “patrões brancos” e, de pé, a “empregada escurinha” (para usar um termo cínico, mas corrente).

Não era defeito em nossos olhos, não era uma incidência esquisita da luz. Ao longo dos anos, fui me dando conta de até que ponto nós somos condicionados a colar a percepção da cor ao estatuto do indivíduo na sociedade. Para justificar a crença atávica e, a princípio, involuntária na superioridade dos brancos, nosso aparelho cognitivo transforma automaticamente em branco quem nos parece superior, seja pela renda, pelo poder ou pelo que tenha produzido. O rico se sente mais claro do que alguém com o mesmo tom de pele, mas menos abonado. O pobre se sente mais escuro. E o mesmo vale para as relações mútuas. O processo tem lugar em nosso inconsciente.

Lembro de quando Fernando Henrique (o sociólogo, não o goleiro) afirmou de si próprio ser “mulatinho” (e ter um pé na cozinha), e da reação sarcástica da imprensa e dos comentários na rua. Contudo, não é mentira. Se fosse pedreiro ou frentista, com o mesmo tom de pele, no Brasil, ninguém o consideraria “branco”. Ele seria um “escurinho”, tanto quanto a doméstica de meu velho amigo. Mas ele não era frentista, nem pedreiro, era presidente do país. Logo, branco. Outro exemplo divertido é o tom de confidência, diria mesmo de transgressão, a cada vez que alguém escreve que Machado de Assis era mulato. Como se todas as fotografias que ainda temos não o deixassem evidente. Mas o fato de ser um de nossos principais autores (senão o principal) desbota as imagens e transforma o bruxo num nórdico, a tal ponto que apontar a mestiçagem, que seu rosto não esconde, passa por exclamar que o rei está nu. São coisas do nosso Brasil.

É claro que há limites. Por exemplo, mais uma vez, o grande Milton Santos, que era negro, lutava pela causa negra e sempre foi visto como negro. Ainda bem, porque, afinal, qualquer coisa diferente disso indicaria que somos todos uns loucos. Este texto, cabe frisar, se refere aos “casos intermediários”, aqueles em que é possível manejar os fatos para que caibam em nossa interpretação do mundo. Foi para isso que serviu a comparação com os EUA e a Europa. Se, para os americanos, o branco é um conceito puro, que rejeita qualquer associação, qualquer mistura, no nosso país o branco assimila o que lhe parece bom nas ocorrências de conceitos concorrentes, deixando para os demais apenas o bagaço. O resultado é uma tendência perniciosa a considerar nosso preconceito menor, quando ele, na realidade, é apenas diferente, mas tão condenável e atrasado quanto qualquer outro.

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Brasil, costumes, crônica, descoberta, frança, francês, ironia, modernidade, opinião, passado, prosa, reflexão

Do tradicional e do caduco

29/03/2008Diego Vianaacerto, aeroporto, aeroporto charles de gaulle, aeroporto de paris, aeroporto de roissy, agressão, airbus, alegria, alemanha, alemã, alemães, alemão, alemãs, América, americanófilo, amigo, antigo, aplauso, arquitetura, aspecto, assunto, avião, à mão, berro, boca, bordão, Brasil, brasileira, brasileiras, brasileiro, brasileiros, briga, briga de trânsito, caducidade, caduco, café, campo, cansaço, cansado, carro, cartesianismo, cartesiano, cão, cão fiel, cãozinho, cãozinho fiel, censura, certeza, charles de gaulle, cheiro, cidade, clara de ovo, colaboração, colega, coletivo, comentário, complexo, complexo de vira-latas, conceito, concorrência, conde, condessa, confusão, consciência, conservação, conservador, construir, conterrâneo, convivência, conviver, correção, correspondência, corroída, corroído, corrosão, cotidiano, crítica, crescer, crescimento, croissant, culpa, debochar, deboche, decolagem, defeito, derrubada, derrubar, descanso, descartes, desculpa, desejo, desembarcar, desembarque, desiludida, desiludido, desilusão, deslize, detalhe, dia-a-dia, diagnóstico, diálogo, difícil, discernimento, discurso, disputa, divisão, duradouro, educação, embarcar, embarque, enigma, enigmático, entrave, esforço, estado, estados unidos, estagnação, estagnada, estagnado, estima, estranho, estrutura, estudante, eua, euforia, execução, executar, executivo, expandir, expansão, expansivo, expor, exposição, expositivo, extremo, falta de educação, farinha, filho, fiscal, fluxo, folclórico, folclore, forma, frança, francês, francesa, francesas, franceses, frase, freio, gaules, gaulesa, gaulesas, gauleses, gália, governo, grave, grosseiro, grosseria, herói, higiene, idade média, idéia, idioma, importância, impressão, impropério, incompreensível, infinito, informação, inglês, interessante, interesse, invariavelmente, invariável, inveterado, jean racine, jornaleiro, língua, ler, liberal, liberalidade, liberalismo, lingüística, mal-educado, marcel proust, método, melodia, mercado, mesquinharia, mesquinho, metodologia, metro, missão, mistificação, mistura, moda, modernidade, modernização, modernizar-se, moderno, monumento, mundo, ninguém, nobre, nobreza, normal, normalidade, notícia, nuvem, obrigação, obrigado, observação, observar, oportunidade, origem, país, palavra, paris, parisiense, parisienses, partida, passadismo, pedra, pendor, pensar, pessoa, pessoal, população, pouso, povo, preconceito, preferência, presente, preservação, preservado, professor, progresso, promessa, propriedade, proprietária, proprietário, proust, questão, questionamento, questionar, quotidiano, racine, reação, redação, revolta, rue de rivoli, séria, sério, segredo, sexo, simpático, sujeira, sujo, tédio, título de nobreza, tedioso, tempo, terra, terra arrasada, trabalho, tradição, tradicional, trânsito, trem, triunfo, turista, ultrapassado, unanimidade, unânime, variedade, vão, velho, veneração, vida sexual, vira-latas, visita, vizinho 8 Comentários

Lampada Cabeca Fachada
Os brasileiros chegam e partem sem dar descanso, no fluxo dos pousos e decolagens de difícil discernimento. Vêm como turistas e estudantes, para visitar amigos ou executar algum trabalho. É uma alegria enorme quando chegam. Trazem notícias, algumas difíceis de engolir, outras tão antigas que dão a pensar que ninguém sabe ao certo há quanto tempo estamos fora. Em seguida, quase sempre, depois de uns dias, os amigos partem; furam as nuvens e desembarcam em suas cidades. Não sem, antes, deixar suas impressões sobre a visita à terra do croissant. De hábito, após a constatação quase generalizada de que “é tudo lindo”, vêm as críticas, severas e indignadas, aos franceses. Ou aos parisienses, o que não é a mesma coisa, embora, de certa forma, seja…

Na Gália, como os gauleses: antes de qualquer comentário, é obrigação expor o método. Método! Eis o segredo do triunfo entre os filhos de Descartes! Saiba que suas idéias podem ser furadas; seus conceitos, irrelevantes; seu discurso, tedioso. Mas se estiver claro o método, um belo método, um lindo método, o método dos métodos, o público será todo aplausos para o que quer que você diga, seja o que for, pouco importa. E lá vou eu, já me adiantando em críticas! Desculpe o deslize. Conforme o prometido, vamos ao método: neste caso, trata-se de dividir em dois campos principais o que se diz de mal da França e seu povo, para facilitar a exposição. Assim, são eles o campo pessoal e o coletivo. Agora, método exposto, missão cumprida, vamos ao verdadeiro assunto.

No plano pessoal, diz-se do francês que ele é grosseiro, mal-educado, sujo. Que destrata os turistas e não tem estima nem pelos próprios filhos, vizinhos ou colegas; gosta, no máximo, de seu cãozinho fiel. Que só abre a boca para xingamentos em brigas de trânsito. Que, finalmente, sua vida sexual só pode ser frustrante (sim, é o que se diz). Não vou me meter a corroborar ou desmistificar nada disso. Quem já foi expulso aos berros de um café, quem já temeu ser agredido por um jornaleiro da Rue de Rivoli só por ter pedido uma informação, quem já ouviu impropérios enigmáticos de um fiscal do metrô, não precisa de nenhuma colaboração de minha parte para firmar sua opinião.

Subamos, agora, ao plano coletivo, ao modo de ser do povo como um todo. Este é até mais interessante, porque comporta uma censura mais grave, aparentemente mais séria e, na minha modesta opinião, também mais acertada. É incrível como todos os visitantes têm a mesma capacidade de apontar o quão difícil parece ser para este folclórico povo europeu o esforço de modernizar-se, ou melhor, de aceitar que as coisas se modernizam. É uma unanimidade. Decolando do aeroporto de Roissy, todos os conterrâneos parecem partir com essa certeza. E, de fato, a turma por aqui costuma revelar uma preferência pelo jeito como as coisas eram feitas “antes”.

Poucas vezes questionamos como é estranho atribuir esse passadismo a um país que produz alguns dos melhores trens, carros e aviões do mundo (embora, no caso da Airbus, o crédito seja mais dos alemães). Mas mesmo entre aqueles que, como eu, não se consideram, de forma alguma, americanófilos inveterados, é difícil evitar de sentir nas ruas um cheiro e escutar nos assuntos uma melodia de coisa antiga. Talvez seja a arquitetura preservada, talvez sejam os monumentos, não sei. Alguém que, por pensar que gosta dos conceitos de mercado e concorrência, se considera liberal, tem certeza absoluta de que a culpa é do governo, que participa em detalhes de qualquer aspecto do dia-a-dia. É, pode ser.

Tudo isso pode, sem dúvida, não passar de mistificação. Preconceito, para usar a palavra da moda. Mas é difícil não concordar com o diagnóstico (quase unânime, repito) diante da preferência declarada de professores e estudantes por trabalhos redigidos à mão. Ou da revolta que o povo demonstra ao ser obrigado a ler um texto em inglês. Ou da veneração diante de formas lingüísticas incompreensíveis, mas recomendáveis “desde a Idade Média”. Convivo com pessoas cujas frases parecem tiradas de diálogos de Proust, para não dizer Racine, e acham perfeitamente normal. Sem contar as correspondências que chegam para a proprietária de meu apartamento, a “Condessa de la R.”

Acredito que a origem da dificuldade francesa com “o presente” é uma confusão difícil de deslindar entre o que é tradição e o que não passa de caducidade. Mas não será o caso de atirar a primeira pedra. Se aprendi algo com esse pequeno e, convenhamos, simpático defeito francês, foi que nós, brasileiros, temos o defeito inverso. Confundimos tradição e entrave, logo progresso com terra arrasada. Não perdemos uma oportunidade de derrubar monumentos do passado ou debochar dos heróis de outros tempos, em nome de disputas e desejos mesquinhos que nasceram ontem e amanhã já estarão mortos.

Assim, de um lado, os franceses não conseguem renovar sua forma de ser e agir; de outro, os brasileiros não conseguem construir coisa alguma de duradouro, porque as estruturas estão sempre sendo corroídas, por dentro como por fora. Em outras palavras, nosso esforço resulta vão, voltamos sempre ao ponto de partida. um pouco mais cansados, um pouco mais desiludidos. Crescemos, estagnamos, voltamos a crescer e a estagnar. Durante a expansão, temos consciência de que, mais cedo ou mais tarde, o freio virá; nossa reação é essa mistura de euforia e complexo de vira-latas que conhecemos tão bem.

Temos consciência de que o caso francês é o extremo oposto. Acho interessantíssimo observar os amigos que me visitam, quando falam do pendor local para o conservador e o antigo. Em todos, invariavelmente, o desprezo e a admiração se misturam como farinha e clara de ovo. Isso me lembra dois bordões eternos; o francês: “Como este país vai devagar!”, e o brasileiro: “Este país não vai pra frente!” Como dizem, os extremos se encontram no infinito.

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