Uma família para a qual dinheiro não é problema, à mesa do jantar numa mansão de Westchester, subúrbio adorável de Nova York. O pai é cardiologista; a mãe, corretora de valores; as crianças, dois meninos ruivinhos e cobertos de sardas, são malcriados, mas futuros vencedores.
Os homens da casa, muito animados, discutem beisebol com a boca cheia. A mãe, com as pontas do garfo, empurra os pedaços do peixe, para cá, para lá, pela superfície do prato. A expressão em seu rosto, como era de se esperar, está carregada e inamistosa. Mas não é por culpa da conversa que domina a mesa, conforme veremos.
Seu celular toca de repente e ela se levanta, estabanada, para atender. Quase faz a cadeira cair para trás. Sem pedir licença, nem perdão, ela corre até o escritório e atende.
– Yeah!
É seu sócio: Steve. Ele está de plantão, acompanhando a movimentação das bolsas asiáticas. A corretora dos dois aplica em Tóquio, Seul, Hong Kong. A razão do telefonema é que ele acaba de colocar a mão em dados terríveis, estatísticas bombásticas, uma punhalada no coração da empresa. Ela pede os papéis por fax e em poucos minutos eles já deslizam pelo aparelho.
Já suando frio, ela tenta se concentrar em entender o que dizem aqueles números negativos. Mas da sala de jantar vêm as vozes que a desconcentram:
– De jeito nenhum os Red Sox vão ganhar dos Yankees! No Way!
– Josh Beckett vai acabar com o jogo!
– No way!
Ela fecha a porta, mas pouco adianta. Os rapazes, do outro lado, estão exaltados. Discutem quem é o melhor pitcher, quantos home runs cada time vai fazer, se o time de Boston vai conseguir o bicampeonato ou não. Incrível como eles podem altear a voz por um assunto tão banal quanto a Major League, quando Wall Street está se esfarelando.
Mas ela continua se esforçando para acompanhar a derrocada dos títulos públicos, o encolhimento das ações e a aproximação da falência. À toa.
– Pai! Pai! Joe Girardi prometeu, ele pro-me-teu que a World Series este ano é dos Yankees!
Foi a gota d’água. A mãe do dono daquela vozinha aguda insuportável amassa as folhas que tem na mão (involuntariamente, por certo), escancara a porta e retorna à sala de jantar. Furiosa, ela bate o pé e resfolega como um cavalo de tração.
– Pelo amor de Deus, Dickie (esse é o marido)! Como é que você pode discutir beisebol numa situação dessas? Você não lê jornal? Não ouviu falar da quebradeira? O mundo está virando de cabeça pra baixo! Eu vou à falência! Seu insensível! Seu grosseirão! Discutindo beisebol! Você devia estar arrancando os cabelos, como eu!
Só que Dickie, que entornou umas latinhas de Coors antes do jantar, não leva a esposa a sério.
– Que nada, Holly dear. Meu cabelo já cai sozinho!
E se põe a rir. Mas Holly não acha nada engraçado.
– A nossa economia está indo pro buraco. Olha aqui, olha: As ações da UBS caíram 93%. As vendas da Chrysler caíram 33%. O valor das hipotecas caiu 55%. Tudo caindo! Você não viu os números? É o desastre. Vão eleger os democratas! Podemos esquecer a viagem pra Courchevel no natal. E a faculdade das crianças, dear Lord, como é que fica?
Mas Dickie está calmo, frio como um assassino em série.
– Não fique assim. Mesmo que a bolsa caia 100%, está tudo bem. Eu não trabalho na bolsa.
– Mas Dickie! Tem reflexos na economia como um todo!
– Sim, Holly dear. Justamente. Eu sou cardiologista. Quanto maior for o desastre econômico, mais os investidores vão sofrer enfartes que eu vou operar. Ou seja… tenho trabalho garantido. E cobro caro, no doubt! Fique tranqüila, querida. Termine o seu jantar. Deixe que eu pago por Courchevel.