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Os bombons de quarta-feira

Belas+pernas+de+bailarina
Na primeira, primeiríssima vez, você já acertou. Com louvor. Trouxe bombons pra mim, justamente dos que mais gosto. Logo concluí que deveria te segurar de todo jeito. Virou minha meta e minha fixação. Enquanto viessem os bombons, eu não veria motivo pra sugerir um divórcio, insinuar uma gravidez, ter crises de ciúme. Os bombons foram seu salvo-conduto.

A semana inteira, eu esperava as quartas-feiras, em que soaria o interfone esganiçado e você subiria. Você, seu terno riscado e minha caixa de bombons. Eu atravessava a sala aos pinotes, abria a porta e pulava no seu pescoço. Eu gargalhava. Você só fazia charme. Sorria com o canto da boca. Eu ficava ansiosa e deixava aflorar meu lado cocote, normalmente tão bem escondido. Então, eu arrancava o pacote que você trazia debaixo do braço, rasgava o papel e me atirava no sofá.

Você vinha lentamente, tirando o paletó, enquanto eu enfiava os dentes no recheio. Era doce, escorria pelos lábios. Eu fazia biquinho pra parecer sexy. Quando sentia o gosto do licor, sacudia a cabeça como uma idiotinha. Até que você chegava, quente e descontrolado. Pronto, eu te abraçava com minhas pernas firmes, minhas pernas de bailarina (meu orgulho particular, você sabe).

Se você sufocasse, azar. Mas nunca aconteceu. Meus músculos te apertavam e prendiam durante horas. Até você admitir que não agüentava mais, dizendo que era hora de ir embora. Um beijo de despedida, um banho quente. De roupão, eu me largava na frente da TV com o que sobrava dos bombons. Eles não duravam mais do que uma noite. E eu ficava pensando que você deveria vir mais vezes.

Sim, descontrolada, sim, sim. Fiquei nervosa e irritada quando você veio apenas com o terno riscado, sem pacote debaixo do braço. A doceria fechou, você disse, como se fosse uma fatalidade e eu tivesse de me conformar. Pois sim. A doceria fechou e você não procurou outra, nem outra marca de bombons, nem outro sabor. Você não quis se dar a um pequeno trabalho por alguém que fez tanto sacrifício por você. Não trouxe nada, mas queria levar tudo.

Você se desculpou. Mas na mesma hora eu entendi o que você queria dizer. Entendi que você tinha feito sua escolha, e não nego sua razão. Já passei por isso. Sou cascuda, aprendi a levar foras com dignidade. Mas se te digo que sentirei mais saudades dos bombons que de você, não leve a mal. É um exagero. Uma flecha lançada contra o seu amor-próprio. Coisa de menininha.

Você nega que a decisão esteja tomada. Seu mentiroso. Eu disse que não precisava voltar sem presentinho. Sem presentinho, você não voltou, mesmo. Assim seja. Será que você não percebia que meus pinotes e risadinhas eram jogo de cena feminino? Agora, pode deixar. Eu compro meus próprios bombons, quando tiver vontade.

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