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Imagens que não fizeram história (1): Nuremberg

Pense numa imagem – uma fotografia, digamos – poderosa, que prende o olhar, provoca emoções fortes, fica marcada na lembrança. De onde vem esse poder? Pode vir de muitas origens diferentes: o enquadramento, a composição, o tema, a iluminação, as cores, as personagens. Mas será que uma imagem em que nenhum desses fatores é particularmente notável pode ter seu poder também? Uma imagem pode ser completamente desprovida de força quando olhada da primeira vez, e só depois, quando encarada com calma, explodir de alguma maneira? Não haveria momentos em que o que há de mais poderoso numa imagem não resulta do que está ali, ou melhor, do que o fotógrafo quis colocar ali, mas de um rastro involuntário, de uma referência implícita, daquilo que falta ao enquadrado, ao visível, ao captado? Imagens que, por si só, não fazem história podem ser históricas à sua própria maneira?

Por exemplo:

tribunal de nuremberg

É fácil perceber que a fotografia aí em cima precisou de um tempo de exposição considerável para ser tirada. Sem poder recorrer a equipamento de iluminação e possivelmente também sem acesso ao filme mais adequado (ou talvez na época o filme a cores ainda não viesse em grãos muito grandes), o fotógrafo teve que abusar do intervalo de abertura para não deixar metade do tribunal fora de foco ou nas trevas.

Mas quanto tempo o obturador ficou aberto, exatamente?

Um chute: só duas pessoas se locomovem na imagem. Ao fundo, perto da porta, alguém que parece ser um intérprete, dá um único passo à frente. À direita, alguém apressado, talvez um mensageiro, imagino que um soldado da Polícia do Exército (Military Police), dá o que parecem ser quatro passos. Fiz o teste em casa e concluí que dificilmente alguém dá quatro passos em menos de [quase] dois segundos.

É um tempo de exposição notável e, a julgar pelo fato de que as lâmpadas, ao fundo, não estão com a luz estourada, posso imaginar que a iluminação não era das mais fortes – algo pouco surpreendente, para padrões europeus. Além disso, a atmosfera de penumbra combina com o espírito geral do momento.

São, pois, quase dois segundos. Esse intervalo está condensado no imediato da forma, mas sem a menor intenção estilística. O autor está documentando um julgamento. Não está “investigando” nada. Não é um artista que pretende épater le bourgeois e, para isso, sintetiza os microssegundos de movimentos, meros gestos, daquele punhado de gente dentro de uma sala, espalhando-os sobre as dimensões do enquadramento. Suas escolhas não são estéticas, seu formalismo é técnico e nada mais.

Mesmo assim, é o tempo de exposição, invisível ao olhar desatento, mas discretamente presente, que provê a ocasião para que a imagem seja expressiva. Graças à evidência de um corpo apressado que se desloca, um indivíduo que dá um passo, um punhado de folhas viradas, abaixo, na mesa ao centro, temos a oportunidade de experimentar um breve momento do tribunal de Nuremberg, em 1945 ou 1946.

Nem precisamos saber quem é o réu nessa sessão específica, nem qual o crime de guerra, nem o veredito. Só precisamos nos perguntar: o que se moveu durante esse quase par de segundos em que o obturador esteve aberto, para que uma chapa recebesse a luz de uma sala de mobília escura? Já não é mais questão do intérprete, do mensageiro ou dos autos folheados: quais são os gestos flagrados?

Tentei contar, na sala toda abarcada pela lente e apinhada de figuras sisudas, os rostos que saíram borrados. Só encontrei três. Um homem de uniforme militar, aparentemente nazista, na extrema direita. Deve ser réu, o que explicaria o que parecem ser movimentos laterais da cabeça. Um pouco abaixo dele, um homem parece coçar a testa ou limpar o suor, gesto parecido ao que faz a moça de cabelos negros na mesa do primeiro plano.

De resto, nas centenas de presentes, não encontrei lábios tremidos, ou olhos, ou mãos. Alguém fala, em algum lugar, e não podemos ver. Vemos apenas aqueles que escutam, silenciosos, imóveis, sisudos. Ninguém deixa o registro, na chapa do fotógrafo, de um comentário, um bocejo, um estalar de dedos, um coçar da nuca. No máximo, dois ou três homens com a cabeça apoiada na mão.

O que eles ouvem? Um relato do holocausto? As atrocidades das tropas SS? A sentença de morte de algum nazista? Isso, a imagem não diz. O que diz é outra coisa: a tensão dos lábios, a fixidez dos corpos, algo como um sabor travado de quem é confrontado com o indizível, o inacreditável, o inaceitável – mas como fato consumado. Tudo isso graças à baixa iluminação. À primeira vista, esta é um registro de tribunal. Olhando com mais calma, é uma imagem, em todos os muitos sentidos dessa palavra, do tribunal de Nuremberg.

*     *     *

PS: Os réus que aparecem nesta foto – no centro, à direita, fundo da sala – são Hermann Goering (à esquerda, de óculos escuros), Rudolf Hess, Joachim von Ribbentrop, Wilhelm Keitel (o único que está mexendo o rosto) e Ernst Kaltenbrunner. A foto é de 1946. Exceto Hess, que cumpriu pena de prisão perpétua na cadeia de Spandau, todos os demais foram condenados à morte. Goering suicidou-se antes que a sentença pudesse ser cumprida.

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Pauta difusa e derrota, mais uma vez

Para finalmente dar meu palpite sobre o furacão que passou no Brasil nas duas últimas semanas, adotei dois princípios: pensar em termos conceituais, em vez de impressionistas, e começar do começo. Os motivos, espero, vão ficar claros ao longo do texto.

No começo, isto é, entre a porradaria geral da polícia e a primeira manifestação realmente gigantesca, a interpretação geral era de um “aqui também”. Até então, o país que realmente estava fervendo era a Turquia. Lá como cá, o primeiro vetor invocado para explicar a súbita capacidade de motivação foi o acesso às redes sociais. Ou seja, a Turquia e o Brasil seriam algo como um segundo tempo do animado ano de 2011, que teve Primavera Árabe, Occupy Wall Street, indignados na Espanha, manifestações em Israel, Chile e mais tantos outros países.

Mas eis que veio 2012, o ano da decepção: a Espanha, como o resto da Europa, seguiu com suas políticas de austeridade; na Grécia, o neonazismo ganhou terreno. No mundo árabe, os países sortudos se viram com governos religiosos e conservadores; os azarados, com guerra civil. O Occupy teve de se contentar em descobrir que não só Obama baixou a cabeça para Wall Street, como, no que tange aos direitos civis, estava na mesma linha de Bush. Derrotas, ao que parece.

Agora, 2013. Novos países entram na dança. Além da Turquia e do Brasil, Índia e Indonésia, além de, mais uma vez, os bravos chilenos, se colocam em movimento. Como sempre acontece, comparações pululam com o famoso maio de 1968, quando a greve geral francesa, somadas às manifestações dos estudantes franceses, se espalharam para o Leste Europeu, o México, o Brasil, antes de resultar em derrota e apatia.

Algo nessa comparação, porém, não se encaixa. Em 1968, o que houve de efetivo, como a greve que, sem eufemismos, parou a economia da França, foi comandado pelos fortíssimos sindicatos da época, um tempo de mobilização industrial e partidos de esquerda poderosos. Os caminhos para se chegar aos objetivos, fossem quais fossem as pautas de cada grupo social envolvido, à exceção provável dos estudantes, estavam bem traçados, até onde podiam divisar os envolvidos.

Hoje, não há nada disso. Em 2011, os árabes queriam derrubar seus ditadores. E depois? Os espanhóis queriam mandar embora o neoliberalismo… e mais o quê? Os novaiorquinos eram contra a plutocracia, como quase todo mundo. E assim por diante. No Brasil, as manifestações mais ou menos pequenas contra a cara de pau do transporte público se expandiram da noite para o dia numa maçaroca de gente despolitizada que protesta contra conceitos abstratos como a corrupção, mas não quer saber de questões concretas como… a corrupção do oligopólio do transporte. Com isso, as mesmas críticas endereçadas aos indignados e ao Occupy voltaram: as pautas são difusas, as pessoas não propõem nada de concreto. Continuar lendo

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É uma crônica, mas pode chamar de Brasil

A história do texto que segue copiado aí abaixo é, vamos dizer assim, tortuosa. Na semana passada, alguém achou na internet o conteúdo da nota de rodapé, essa da imagem, e o espalhou por aí. Achei o caso bem curioso e tratei de procurar a origem.

Resulta que era o livro de crônicas Verdades Indiscretas, de Antônio Torres. O dito Torres, autor mineiro e eventualmente diplomata, era um rival de João do Rio na imprensa carioca do início do último século. Eis uma biografia do referido. Continuar lendo

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O mochileiro e a biblioteca

Sorte que nem todos os meus amigos lêem isto aqui. Com isso, posso fazer fofocas sobre alguns conhecidos sem risco de ofendê-los. Naturalmente, eu sou alguém de muito boas intenções e não vou me meter a espalhar os podres de quem quer que seja. Se abro uma exceção hoje, é por uma boa causa. Há episódios na vida da gente que nos põem a matutar e, se achamos as considerações pertinentes, postá-las é obrigação. Não é o blog uma ferramenta de reflexões? Pois.

Lá vai o causo: recebo a visita de um amigo que, já um pouco passado da idade, cumpre o ritual do mochilão pela Europa. Aqui é verão e dá pra ver que ele esteve pelo Mediterrâneo. Está queimado, expansivo e com alguns quilos de sobra. Instala-se como um saco de batatas no meu frágil sofá. Com a desenvoltura de quem acabou de passar pela Itália, agarra a cerveja que lhe estendo. E se põe a falar de suas aventuras, as turísticas e as amorosas, como é de seu feitio.

De repente, sem motivo para mudar o assunto, o rapaz envereda pela história de alguém que conheceu em Turim. Um livreiro desses que, sentados sob as arcadas da capital piemontesa (ah, que belas e saudosas arcadas!), passam a tarde jogando papo fora, a não ser que venha lhes incomodar algum cliente em potencial. O tal velhinho, que foi como meu amigo se referiu a ele daí por diante, se gabava de estar próximo de completar seu nono milésimo volume lido. Surpresa do viajante: com que então aquele pacato ancião tinha lido 9000 livros em sua vida?

Pois o homem assegurou que sim e, na rispidez do macho latino, desafiou meu amigo a duvidar. Nada disso, nada de dúvida, foi a réplica. O que queria o brasileiro era aprender a fórmula, conhecer a mágica, ser iniciado nas artes da leitura ininterrupta. A julgar por seu ar iluminado, eu diria que o aprendizado tinha sido um sucesso. Curioso, pedi que ele me concedesse ao menos um vislumbre do que lhe transmitira o guru.

Sem problemas, foi a resposta. E ele apontou para minha estante de livros. Pediu que eu supusesse uma estante mais avantajada, com quatro largas prateleiras. E eis o segredo de ler tanto quanto o tal senhor italiano: no início de cada ano, as duas prateleiras superiores deveriam ser preenchidas com os volumes a serem lidos ao longo do ano. O número que ele sugeriu era mesmo impactante: 120, ou um livro para cada três dias, mais ou menos.

À medida em que se fossem “consumindo” essas unidades, elas deveriam ser transferidas para as duas prateleiras inferiores, de tal maneira que, no final de dezembro, todos os 120 livros tivessem sido deslocados. Ora, objetei, ninguém consegue manter um passo tão puxado! Pois bem, explicou-me o mochileiro, com o passar dos meses, o leitor percebe que o “progress bar” (o termo é dele e me fez cair brevemente na risada) não está avançando a contento. Com isso, ele acelera, intensifica seu ritmo de leitura, pula páginas, faz o que for. Mas cumpre a meta. Cumpre a meta. Cumpre a meta!

Em seguida a esse predicado repetido com perdigotos e olhos esbugalhados, o visitante se ergueu e arrematou: o mais belo de todo o segredo é que aqueles livros enfileirados na barraquinha de Turim eram os frutos da leitura do ano anterior. Porque, e eis o pulo do gato, ao final do ano, cumprida a meta, todos os 120 anos tinham de ser doados, vendidos, jogados fora, qualquer coisa. Nada de guardar livro velho! Nada de mofo, nada de traças, nada de exibicionismo bibliófilo!

Afastando-me com um empurrão de bêbado, o visionário amigo partiu para cima de minha humilde biblioteca. Postou-se diante das lombadas e se pôs a coçar o queixo. Apontou, o dedo mole de desprezo, para minhas prateleiras e perguntou o que, “disso aqui”, eu já tinha lido ou ainda não. Nessa hora, confesso que empaquei.

Gaguejando, suando frio, talvez tremendo um pouco, fui obrigado a admitir que não tinha certeza, não sabia muito bem, estava em dúvida, assim, vacilando. O rapaz ficou pasmo. Lançou-me um olhar de zombaria, incredulidade e superioridade que provavelmente nunca esquecerei. Que espécie de demente não sabe dizer quais dos livros de sua própria estante ele já leu ou deixou de ler?

Ligeiramente humilhado, fiz um esforço de concentração para lhe dar uma resposta. À distância, examinei eu mesmo os títulos todos e tentei me lembrar do que eles diziam. Pouco a pouco, comecei a me dar conta de algo bastante curioso. Pouquíssimos eram os volumes cujo conteúdo eu desconhecia por inteiro. Normalmente, esses vazios correspondiam a presentes recebidos com um sorriso amarelo e largados no meio dos outros volumes. Alguns, também poucos, eu nunca havia tocado. Mas não eram exatamente “não lidos” porque, embora suas páginas nem tivessem sido cortadas1, eu sabia do que se tratava e os guardava ali como referência em potencial. Na verdade, eu sabia que nunca leria de fato aqueles livros, mas essa não era mesmo sua função. Eles estavam ali para dialogar com minhas ideias e outras leituras, quando fosse o caso.

Depois, consegui separar mentalmente mais um grupo, de longe o maior. Eram os livros “parcialmente” lidos. Os que comecei a ler, mas parei. Os que me valeram um ou dois capítulos, e só. Os que foram abertos duas ou três vezes, quando precisei de uma referência ou uma precisão. Os que, resumindo, preencheram uma lacuna ou outra, dessas que parecem tão trágicas no esforço de entender alguma coisa.

Por último, o grupo que quase lhe apontei: aqueles livros que li de cabo a rabo, da primeira página à última, introdução, prefácio, índice, notas e aquela última folha que nos informa que “este volume foi impresso na gráfica tal e tal para a editora tal e tal no dia tanto”… Mas me interrompi a tempo de salvar o patrimônio. Se meu amigo soubesse que aqueles livros eram já lidos, ele tentaria me convencer a doá-los, vendê-los, jogá-los fora. Talvez até os atirasse pela janela!

Mas tive um estalo. Eu estaria mentindo, se lhe dissesse que aqueles livros eram “já lidos”, como dizemos de um tubo de pasta de dente que ele já foi usado, esgotado, consumido, terminado. Mesmo se chegamos ao fim, será que matamos um livro, como matamos um pacote de biscoitos? Quantas vezes já não tive de voltar a um livro para me certificar da declaração de um personagem ou do argumento de um filósofo! Não seria cruel da minha parte dizer que esse livro que consultei, que reli, que folheei, é já lido, exausto, inútil a ponto de merecer a lixeira ou, vá lá, uma volta ao ciclo do mercado?

Tive de inventar uma outra estratégia. Meu amigo estava impaciente e desconfio de que já questionava minha sanidade mental. Expandi os braços, abri um largo sorriso, talvez tenha até dado um pequeno salto. E exclamei: “estou lendo todos!” Ele perdeu um pouco o equilíbrio, como eu esperava. O fator surpresa estava do meu lado e eu tinha de aproveitá-lo. Continuei com a explicação. Os livros jamais abertos são uma leitura em potencial, mas que nem por ser potencial é menos verdadeira. Em seguida, há os que estou lendo parcialmente – nesses, resta uma parte também potencial. Aqueles cujas páginas atravessei por inteiro são livros plenamente em leitura, e não plenamente lidos.

Meu oponente não estava muito convencido. Talvez se eu tivesse cabelos brancos e vivesse debaixo de arcadas centenárias… Não sei. Tentei convencê-lo da ideia de que um livro presente é um livro vivo e a leitura é só um detalhe da nossa relação com ele. Fiz uma analogia estranha com as commodities e os produtos fast-food que consumimos e esgotamos, depois mandamos para aterros sanitários e quetais. Ele amarrou a cara, prestes a manifestar sua discordância. Eu estava perdendo terreno para o ancião de Turim.

Até que toquei na corda certa. Com um cálculo meio absurdo, dei um tapa no ombro do amigo e passei os dedos pelas lombadas: “Acho que já passei dos nove mil… cada vez que penso num desses livros, é como se o lesse de novo. Assim, cada um vale por (digamos) dez. E acho que tem mais de noventa aqui…” Isso dito, os olhos do mochileiro brilharam. Ele sorriu, deu-me um abraço apertado, esqueceu do famigerado livreiro e sugeriu um brinde.
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1 Desculpe o anacronismo. Há décadas não se cortam mais páginas de livro, mas a imagem é tão poética…

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Das cidades, como do amor

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Certo amigo costuma dizer que nossa relação com as cidades é como as relações amorosas. Ele diz, por exemplo, que Roma é cidade para namorar; Paris, para casar. Não peça explicações para seu julgamento, por favor! Essas coisas, todo mundo sabe, são o que há de mais pessoal. Sendo assim, minha opinião e a dele têm lá suas diferenças, como era de se esperar, mas não posso negar que a analogia tem sentido.

Jamais, para ilustrar, eu me meteria num namoro com Roma. Eis aí, ouso dizer, uma cidade a ser tratada com toda a cafajestagem que faz a má fama dos homens, isto é, a velha trinca: álcool aos litros, elogios absurdos e telefone falso. Já Paris, é difícil dizer; anos atrás, talvez eu também pensasse nela como uma cidade para casamento, filhos e aposentadoria. Sempre, claro, com separação de bens, que seguro morreu de velho e o europeu é tudo, menos confiável.

Mas, passados dois anos e meio, vejo que esta é uma cidade com que se pode ter no máximo um relacionamento razoavelmente durável, feito de passeios e conversas deliciosas, ou de exibi-la como prenda para saborear a inveja nos olhares todos que se voltam para sua companheira. É que esses invejosos não têm idéia do que possa ser a vida com a prima donna que compartilha de sua intimidade. As pequenas irritações, manias e exigências. O egoísmo de quem foi criada para só merecer admiração e cuidados. A distância insolente de quem pensa ser sempre precisada e nunca precisar. Essa é Paris, a cocotte.

Desenvolvendo a analogia suscitada por meu amigo, venho pensando nas muitas relações diferentes que mantenho com as cidades que conheci, e mesmo com algumas em que nunca estive, no que poderia ser classificado, para seguir na linha amorosa, como fantasias. É sempre tão irracional, circunstancial, acidental, quanto tudo o mais na nossa vida, menos aquilo que, ainda irracionalmente, acreditamos tratar com a razão. E o curioso é que, ao contrário das relações que um sujeito normal pode ter com mulheres no longo prazo, com as cidades é possível viver dezenas de romances simultâneos, na imaginação como na carne. Afinal, a não ser que seja mitologicamente histérica, a cidade em que está fincado nosso lar jamais terá ciúmes de uma visitinha que façamos a alguma outra nas férias ou no fim-de-semana. Turismo, neste caso, não é adultério.

Minhas relações mais complicadas são, é claro, com as cidades brasileiras. Estive nelas a maior parte da vida, balancei entre umas e outras, em tantas briguei e amei, com tantas rompi e reatei. Por sinal, já falei um pouco disso em outros cantos. Agora é hora de pensar nas estrangeiras, que, além de tudo que uma cidade já normalmente significa, têm ainda o mistério da outra cultura, da diferença, da variação infinita dos povos.

Buenos Aires, a misteriosa cigana sentada a uma mesa no fundo do salão, que dirá coisas absurdas ao ser abordada, rirá em desvario de enunciados que nem terão sido piadas, mas levará o parceiro à loucura em mais de um sentido. Lisboa, sempre à espera, para amolecer os membros e as articulações pela mera força de seu olhar de melancolia e devaneio. Barcelona, fulgor sufocante de um caso de verão regado a música e boa bebida, papos despretensiosos sobre arte que não entendemos, mas amamos, depois uma despedida sem tristeza. Berlim, divina e altiva, sempre sedutora e simpática, mas brilhante demais, muito poderosa e difícil, a ponto de não termos nem coragem de tentar uma aproximação. E assim por diante.

Dentre todas essas, há uma cidade que não consigo descrever nesses termos. Talvez seja aquela que conhecemos na primeira juventude, para um amor que ainda não consegue se reconhecer como grande ou pequeno, e depois perdemos de vista, para depois reencontrar um pouco mais tarde e sentir a mesma coisa, sabendo que é recíproco. E assim, sucessivamente, talvez pelo resto da vida, curtos momentos de pura felicidade, mas que não podem se estender, e que às vezes nem se concretizam, como quando há algum outro relacionamento em curso e não estamos dispostos a interrompê-lo.

É Londres, louca terra dos carros na esquerda, da polidez inquestionável polindo a superfície de uma frieza involuntária, dos preços altos para tudo que não seja cerveja. Capital de um império caído que ainda se vê em todas as caras, nas feições que os povos subjugados transmitiram ao opressor para toda a eternidade. Londres que divide os sonhos entre a glória austera dos tijolos vitorianos e e o brilho vertical de vidro que atesta o triunfo do século americano. Green grass, grey sky, God bless. Venha o que vier, serão sempre deliciosas as tortas e a geléia que acompanham o chá.

Mas não há modo de termos, London, London, nada mais, neste momento, do que isso que tivemos nas duas últimas semanas. As caminhadas no South Bank, o teatro esplêndido do West End, as bolas de neve no Green Park, de nome subitamente tão irônico debaixo da nevasca histórica que interrompeu o transporte através do Reino Unido. Tudo isso será inesquecível, como sempre foi. Mas a vida agora é além-túnel, além Mancha, naquilo que teus habitantes, ainda mais petulantes do que são excêntricos, chamam desdenhosamente de “Europa”. Mas Paris, minha cara, é o contra-exemplo de um diamante que não é eterno. Quem sabe o que traz velado o futuro?

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No tempo em que a polícia batia

Em tese, um certo sumiço na virada do ano é coisa normal, mas acho que passei do ponto. Não foi por querer que fiquei desconectado durante as últimas semanas, e nesse meio-tempo houve muito assunto para deixar uma palavra por aqui, e não pude fazê-lo. Pouco a pouco, espero retomar o ritmo normal de postagens. O primeiro tema que ficou em suspenso é a continuação do texto sobre Der Baader Meinhof Komplex. E, como demorei tanto, acho que terei de aproveitar para desdobrar o assunto em três. Primeiro, este neste texto, sobre a polícia e os cascudos que só ela sabe dar. Depois, mais dois, não sei ainda em que ordem, mas um falará das músicas que são tocadas no filme e o fenômeno da Indústria Cultural, primeiramente evocado por filósofos, que coincidência, alemães. O outro aproveitará, se é que esse verbo é apropriado num momento como este, o gancho da ofensiva israelense contra o perigosíssimo território de Gaza atrás dos terroristas do Hamas… enfim, o conceito de terrorista é qualquer coisa que precisa de fato ser pensado mais profundamente.

E para ressuscitar este espaço, nada melhor do que um texto que, apesar de indiretamente, recupera alguns pontos que deixei passar em 2008. São efemérides como os quarenta anos de todas as coisas grandiosas que aconteceram em 68 (maio de Sorbonne e Nanterre, agosto de Praga, dezembro de Cinelândia e Brasília), e bem que gostaria de encaixar aqui a morte de Harold Pinter, que eu deveria ter comentado e não comentei, e os centenários de Claude Lévi-Strauss e Manoel de Oliveira… mas não vai ser possível.

Fico, então, com as brigas de quarenta (e um) anos atrás para começar meu assunto. Nem preciso dizer, essa série de eventos interligados são uma das raízes do grupo revolucionário e, mais tarde, terrorista alemão. De fato, Der Baader Meinhof Komplex mostra bem como surgiu o bando: no dia 2 de junho de 1967, durante uma manifestação até então pacífica contra o xá Reza Pahlavi, em visita a Berlim, um policial à paisana atirou pelas costas, ou seja, executou o estudante de literatura Benno Ohnesorg, de 26 anos, pai de uma criança, que morreu no mesmo instante.

Estudantes mortos

Mas Ohnesorg provavelmente não foi o primeiro e certamente não foi o único estudante morto nesse tempo que ficaria conhecido como início dos “anos de chumbo”. No Brasil, tivemos Edson Luís de Lima Souto, de 16 anos, cujo assassinato por um policial acabou resultando na célebre Passeata dos Cem Mil de 26 de junho de 1968. Em 2 de outubro, a famosa guerra da Maria Antônia, entre estudantes da USP e do Mackenzie (esses últimos reforçados por jovens encorpados que eram tudo, menos estudantes) também deixou sua vítima, de nome José Guimarães, secundarista e pintor de 20 anos. As famosas prisões de Ibiúna, a propósito, aconteceram dez dias mais tarde.

No mesmo 2 de outubro, uma manifestação estudantil na Plaza de las Tres Culturas, Cidade do México, foi reprimida pelas forças unidas da polícia e do exército com saraivadas repetidas de balas que deixaram um número indeterminado de mortos. A estimativa mais razoável diz que pereceram 400 pessoas, contando não apenas os manifestantes, mas também as pessoas que apenas passavam pelo local. Aliás, o pequeno incidente não chegou a perturbar o funcionamento das Olimpíadas na cidade, poucas semanas depois. Em fevereiro, dois meses antes do assassinato de Martin Luther King e quatro meses antes do de Robert Kennedy, durante uma manifestação na Carolina do Sul pelos direitos civis, três estudantes foram baleados e mortos por, exatamente, policiais. E por aí vai.

Estudantes e policiais se enfrentaram ao redor do mundo, com ou sem mortes, pelos anos seguintes. Nada, claro, como o 68 que, até hoje, ainda faz muitos olhos brilharem, com a Primavera de Praga, a ocupação das universidades em Roma, as palavras de ordem dos jovens de Nanterre e da Sorbonne, criativos como nem os mais prestigiosos publicitários chegam a ser: “Sous le pavé, la plage” (debaixo das pedras, a praia, numa tradução péssima), “soyez réalistes, demandez l’impossible” (sejam realistas, exijam o impossível), “exagérer, c’est commencer à inventer” (exagerar é começar a inventar). Essa garotada, tão boa com as palavras, cheia de idéias e ideais, encheu Paris de barricadas e respondeu ao gás lacrimogêneo com os paralelepípedos que arrancava do chão. Apanharam, apanharam feio. Tudo acabou voltando ao normal. A prefeitura, prudente, cobriu suas ruas de asfalto. Mas os suspiros dos saudosos ainda ecoam.

Tudo isso para mostrar que foi qualquer coisa, menos um caso isolado, a morte de Benno Ohnesorg, o jovem alemão de sobrenome tão sugestivo. Que foram tempos duros, não se pode negar, mesmo que as causas ainda sejam motivo de disputa. Resta que a violência era disseminada através de um mundo povoado por governos que, dos dois lados da Cortina de Ferro, temiam revoluções; jovens perplexos com a cultura de massas que já dava os primeiros sinais do que seria o sistema de ensino industrial e rasteiro de hoje; trabalhadores que, por um lado, eram seduzidos pela mensagem soviética e, por outro, tinham um poder de reivindicação e de compra sem par; grupos minoritários começando a exigir reconhecimento e direitos, na esteira do sentimento de culpa mundial com o antissemitismo (agora tem que ser assim? Com o s dobrado em vez de hífen?) que conduziu ao Holocausto.

O que parece…

Trocando em miúdos, parece que essa era uma época em que um volume significativo de pessoas estava disposta a brigar, bater e apanhar, fosse por uma causa, pelo reconhecimento de seus direitos, por uma melhor remuneração do trabalho, pela liberdade de expressão, enfim, fosse pelo que fosse. Parece, também, que do outro lado havia uma força de segurança disposta a baixar o sarrafo, em bom português, e jamais recuar. Parece que o Poder, do fundo dos palácios, temia com tanta força ser desalojado que não se importava de soltar a cavalaria e a tropa de choque contra sua própria população. Parece que o direito de se expressar livremente não era considerado com muita seriedade, nem de um lado, nem de outro do Muro de Berlim. Parece que a idéia por trás da polícia, naqueles tempos, não era tanto a de coibir a criminalidade, mas apenas manter as gentes sob controle, como se vê, por exemplo, na caricatura francesa em que um policial do CRS (o batalhão de choque) carrega no escudo a insígnia das SS nazistas.

Por outro ponto de vista, parece que o mundo aprendeu algo desde então. Parece que nos tornamos mais livres e mais conscientes. Parece que a ilusão comunista caiu com a União Soviética e o mundo quase todo obteve o direito sagrado de pensar e desejar as mesmas coisas, sempre. Parece que a polícia não exerce mais aquela função de pôr na linha as pessoas que parecem discordar. E ainda, mesmo que continue violenta e opressiva, parece que as forças policiais estão concentradas em lutar contra o crime ou o que, para a opinião pública, parece crime. Parece que os policiais não são mais assustadores como eram naquele tempo em que, não raro, se comportavam como os fascistas da geração anterior. Parece que as pessoas não têm mais contra o que protestar, resolvidas que estão as contradições do mundo, no grande abraço sensual do consumo e da competição. Parece que a única ameaça para nossa tranqüilidade vem de fanáticos barbudos.

… mas não é.

Acontece que encontrei em algum canto da internet as imagens acima (vi algumas maravilhosas numa exposição do fotógrafo turco Göksin Sipahioglu, mas elas não estão em domínio público). Os distintos homens de gravata que aparecem aí são os temidos CRS que enfrentaram a fúria estudantil da Sorbonne em maio de 68. Lançaram bombas de gás lacrimogêneo, deram bordoadas em rapazes e moças, sendo que no começo nem sabiam ao certo o que estava acontecendo (um policial chega a relatar que a viatura recebia ordens contraditórias no caminho para as barricadas). Foram ironizados pelos slogans dos estudantes e acabaram caricaturados como soldados das SS nazistas, mas deram conta do recado. Nenhuma Bastilha caiu naquela primavera.

Esses sujeitos de olhar fuzilante e ameaçador eram os agentes da opressão nos violentos tempos de nossos pais, em que o equilíbrio do mundo ameaçava ruir por um sopro e a qualquer momento um líder mundial poderia decretar a aniquilação do planeta, como vemos em filmes como Dr. Fantástico (odeio essa tradução). E já que estamos nesse pé, eu me pergunto que aparência têm os agentes da ordem nesses nossos tempos sem “ameaça comunista”, em que os estudantes temem demais o desemprego para pensar em protestos, em que não há mais grupos armados de esquerda ou agentes soviéticos infiltrados. Pois bem, ei-los, os mesmos CRS, quarenta anos mais tarde:

Foram-se as gravatas, os paletós bem cortados, os elmos projetados por alguma estilista, os cassetetes de meio metro. No lugar, o que vemos são máscaras de gás, capacetes grossos, caneleiras acolchoadas, cassetetes com tasers, uniformes ultra-cibernéticos que, se me disserem que ricocheteiam balas, não vou duvidar. Os rapazes da fotografia, que, pensando bem, não deixam um centímetro de pele à mostra e bem poderiam ser andróides – com o perdão da analogia fantasiosa -, não foram enviados para alguma guerra distante, como salvadores do mundo ou dos valores democráticos ocidentais (ideais republicanos, diriam os franceses).

Todas essas imagens foram feitas em Paris, algumas durante manifestações de jovens do subúrbio contra o recentemente eleito Nicolas Sarkozy; outras durante as greves estudantis de 2005 contra uma reforma do sistema universitário que parecia projetada por Bush; e uma única por ocasião de um mui irônico evento em que os CRS foram chamados para dar uma coça nos bombeiros em greve: não parece uma guerra de ciborgues?

Bem se vê por essas imagens que, não, a polícia não está menos disposta a dar bordoadas do que há quarenta anos. Não, não estamos mais razoáveis. Não, o mundo não se tornou mais seguro. Não, o poder não se sente mais garantido. Não, não era apenas como resposta e prevenção ao perigo soviético que a polícia (e as forças armadas, por sinal) estavam de sobreaviso para dar cascudos. Não, as contradições não estão resolvidas. Não, ainda falta muito para que as pessoas deixem de ter contra o que protestar.

Revejo a caricatura dos CRS retratados como agentes das SS e sou tomado por sentimentos contraditórios. Por um lado, o respeito que sempre se deve à História, cujos fatos merecem ser apreendidos em sua própria dimensão, sem o olhar condescendente, mas distorcido, do futuro. Por outro, a impressão de que os batalhões de choque deste início de século são infinitamente mais parecidos com a SS em termos de violência do que os engravatados de quarenta anos atrás.

Por algum motivo, e essa questão é certamente mais importante do que pode parecer, a polícia sabe ser um instrumento de dissuasão até melhor do que naquele tempo. Tem mais poder de fogo, mais proteção e, a julgar pelas imagens em que três ou quatro policiais são necessários para segurar um manifestante, tem também mais efetivo. A princípio, isso parece estranho, considerando que o inimigo, ao que sabemos, abandonou o certame. Estamos carecas de saber que as atenções de quem tem por função “manter a ordem pública” estão há muito voltadas para outra direção, não mais os jovens rebeldes do Quartier Latin, mas os filhos de imigrantes do subúrbio. Já os estudantes, que outrora corriam o risco de se deixar abater em batalhas urbanas, não têm mais a mesma disposição para a briga. Certo dia, topei com alguns que tentaram bloquear a entrada de sua faculdade, ao norte de Paris: bastou a polícia chegar para que eles mesmos desfizessem a barreira. Se algum desses garotos for filho de alguém de 68, é certamente a vergonha da família.

A pergunta passa a ser, portanto: se a polícia não mudou de postura e até a intensificou, o que aconteceu do lado dos estudantes para que eles não se disponham a arriscar o pescoço em barricadas? Por que as tensões não chegam mais às vias de fato, ou antes chegam tão raramente, como foi neste ano na Grécia, cujos estudantes revoltados mereceram os aplausos e muitas pichações de apoio nos muros da França, feitas por estudantes que gostariam muito, mas não têm a mesma força de vontade?

Não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas, mas o mero gesto de formulá-las talvez já ajude a esclarecer que há algo de muito profundo que diferencia os jovens de hoje dos de quarenta anos atrás. Eu gostaria de saber, por exemplo, o que fez com que uns fossem de um jeito e outros, de outro. Acho que a resposta passa pela noção de indústria cultural, mas isso, como já mencionei acima, é questão para outro texto.

Para uma lista de slogans de 1968, clique aqui.

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A mais monstruosa das guerras

Há noventa anos, hoje, terminou a mais monstruosa das guerras.

Depois de todas as atrocidades cometidas sob o jugo ensandecido de Hitler, poderia parecer que a Segunda Guerra Mundial mereceria esse título, mas não. O que os nazistas fizeram de monstruoso enquanto tiveram o poder na Alemanha foi, de certa forma, paralelo ao conflito: campos de concentração e extermínio, perseguição a minorias, o reino do terror no país em que outrora caminharam e escreveram Kant e Leibniz. Na Ásia, mesma coisa: os grandes crimes das forças imperiais do Japão na China e na Coréia foram cometidos contra populações civis, quando os combates propriamente ditos já haviam sido ganhos. Uma covardia ainda maior do que qualquer embate militar. A guerra em si, porém, tolheu a vida do melhor da juventude de diversos países, arrasou cidades inteiras e desestruturou famílias e povos. Episódios hediondos houve, claro, como o bombardeio de Dresden e as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Mesmo assim, insisto em dizer que a Primeira Grande Guerra foi mais monstruosa.

Todo o rancor que atirou o mundo no segundo e mais abjeto conflito teve seu início nas trincheiras de 14-18, ou melhor, nos gabinetes de Paris, Berlim, Londres, Viena etc., onde grandes dignitários decidiam que os homens de seus países deveriam mofar nesses buracos infectos cavados na terra. Foi o primeiro conflito em que o inimigo, de ambos os lados, foi demonizado pela propaganda de massa ainda um tanto incipiente. Os cartazes, as emissões de rádio, os folhetos que se distribuíam nos países envolvidos criaram, pela primeira vez, uma sensação confusa de aversão generalizada aos demais povos, um nacionalismo negativo cujas conseqüências foram sentidas na carne pelas duas gerações seguintes.

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O primeiro bombardeio aéreo surgiu em 1914, com zepelins alemães atacando a até então neutra Bélgica. Morreram nove civis, os primeiros de milhões que seriam massacrados por bombas e mísseis atirados de aviões e lançadores distantes. Nove corpos estraçalhados sem que os algozes nem sequer vissem o resultado de sua ação. O uso irrestrito da metralhadora, o tanque de guerra, a granada de mão, o gás de mostarda, os genocídios e as máscaras assustadoras que o acompanham são o legado mais evidente do confronto, que terminou com 40 milhões de pessoas a menos neste mundo.

Mas nem mesmo essas invenções abjetas são o resultado mais importante do terremoto de 14-18. Com a mesma força das infecções que ratos e esgotos da trincheira transmitiam aos soldados, era corroída a estrutura do militarismo aristocrático, algo romântico, em que a guerra manifestava a grandeza secular dos povos e dos reis. Os limites da corrida colonialista também foram escancarados pelas escaramuças que tiveram lugar em três continentes ao mesmo tempo. Quatro monarquias milenares desapareceram: os Romanov, os Habsburg, os Hohenzollern, os Otomanos. Com elas, o mito da guerra nobre, que levara Otto von Bismarck a receber em sua tenda o derrotado e capturado Napoleão III em 1870, foi enterrado por Georges Clemenceau e outros líderes mais modernos e pragmáticos: a partir de 1918, uma derrota deixou de ser apenas uma derrota. Teria de ser uma humilhação.

Foi uma guerra que teve um estranho começo: o sistema de alianças e tratados era tão intrincado que ninguém sabia de que lado um país entraria. Todos os envolvidos tinham planos para uma vitória relâmpago, como o alemão Schlieffen, o francês XVII e o russo 19. Todos falharam: as técnicas defensivas eram muito mais desenvolvidas que as ofensivas, qualquer tentativa de avançar era um suicídio, os exércitos de ambos os lados logo aprenderam a cavar a terra e esperar os acontecimentos. Isso, no front ocidental. Na Rússia, a administração czarista era tão incompetente para alimentar seus soldados que Lênin e Trotski fizeram a revolução.

E a guerra teve também um estranho final: a forma como se deu a rendição do império alemão, já convertido em república, apesar de não haver um único soldado estrangeiro em seu território. Esse curioso fato é fundamental para entender o horror que a Europa e, por extensão, o mundo viveriam vinte anos mais tarde. A capitulação da Alemanha, claramente derrotada, mas não aniquilada, foi o último ato de guerra que se possa considerar militarmente normal. Mas demonstra a falta de compreensão do que tinha se tornado o mundo.

Quando os americanos entraram no conflito, ao lado dos aliados, tanto a França quanto a Alemanha estavam à beira do esgotamento, do colapso e da revolução comunista que já tinha varrido a Rússia. O que os alemães, ainda muito apegados à idéia de aristocracia, nobreza e sacralidade militar, não tinham entendido é que a guerra massiva, industrial e monopolista não deixava mais lugar aos tratados de paz do século anterior. A França, ao contrário, compreendeu perfeitamente. Governados por Georges Clemenceau e comandados pelo marechal Foch, os franceses inventaram um conceito, mais um, que se tornaria um símbolo da insanidade bélica no confronto seguinte, na aplicação de Hitler: a “guerra total”. Morreremos de fome, esgotaremos nossos recursos, deixaremos de ser uma grande potência, mas não perderemos esta guerra.

A guerra total foi uma decorrência lógica de um mundo de produtividade absoluta, lucratividade extrema e formação de monopólios e cartéis. As democracias ocidentais sabiam disso, porque viviam mais intensamente o capitalismo à la Rockefeller, enquanto as potências centrais, sobretudo a Áustria, ainda pensavam como grandes impérios aristocráticos que eram. Mesmo a Alemanha, cuja produção industrial já superava em muito a britânica, não captou os novos ventos. Perdeu por isso, o que lhe custou uma humilhação desnecessária e a ascensão do regime de terror mais intenso que o mundo já viu. (Atenção: “mais intenso” é diferente de “maior”.)

A monstruosidade da Primeira Guerra Mundial pagou seu preço na Segunda: foi uma paga de mais monstruosidade ainda. O rancor francês de 1870 foi transferido para a Alemanha. A guerra total foi levada às últimas conseqüências por Hitler. Mais algumas dezenas de milhões de vidas foram apagadas do mapa. Nos anos 30, a dita comunidade internacional foi incapaz de deter os avanços dos nazistas sobre os territórios vizinhos pelo simples motivo de que, freqüentemente, acreditava-se que eles tinham razão em reclamar reparações pelas injustiças impostas no tratado de Versalhes (de 1919) por uma França amedrontada com o poderio do vizinho, embora derrotado. Tamanhos eram o rancor e o ódio, que o famoso e maldito ditador alemão exigiu assinar a rendição da França, em 1940, no mesmo vagão do mesmo trem, no mesmo ponto da mesma linha férrea em que foi assinado o armistício de 1918, em Compiègne. Depois, o vagão foi levado para a Alemanha e queimado. Hoje, há um museu na pequena cidade da Champagne com uma réplica exata do tal vagão.

Nicolas Sarkozy anunciou que as celebrações pela vitória de 1918, este ano, vão abandonar o cretino tom triunfalista e se concentrar mais na memória das vítimas da estupidez humana. Mortos, mutilados, órfãos, miseráveis. A biblioteca de Leuven, com 230 mil volumes, destruída pelos alemães. Os armênios, que a Turquia tentou varrer do mapa. Os australianos e neozelandeses enviados pelo comando militar britânico para o suicídio no estreito de Dardanelos, na Turquia. Tudo isso, naquela que deveria ser “a guerra para acabar com todas as guerras”.

Sarko tem razão. Não há vitória nenhuma quando 40 milhões de pessoas morrem e um continente é transformado em barril de pólvora, tão perigoso que, ao estourar após menos de 30 anos, mais 60 milhões de almas seriam aniquiladas. Ao lembrar de uma guerra como essa, devemos ter em mente o quanto a humanidade pode ser atroz e monstruosa, mesmo quando se considera no ápice da civilização, como acreditavam os europeus da belle époque.

PS1: Sobre o fim da cordialidade militar, da era vitoriana e do respeito ao inimigo, recomendo este antigo texto do blog de Rafael Galvão.

PS2: A referência mais imprescindível para entender como foi monstruosa a Primeira Guerra, em que os soldados eram tratados como meros pedaços de carne pelos comandantes, é evidentemente Paths of Glory (Glória feita de sangue), de Stanley Kubrick.

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What if…

Eu tentava há dias formatar na cabeça um texto sobre aquilo que chamo de “o paradoxo europeu”, se me permitem sair batizando problemáticas. Mas, como sabe quem leu a postagem anterior, minha cabeça não se encontrava no estado mais propício para formatar o que quer que fosse. Além do mais, um tema com nome tão pomposo quanto “o paradoxo europeu” exige um texto à altura, rigorosamente argumentado, cheio de sutileza e argúcia, palavras difíceis, o escambau. Mas, se é para colocar em poucas palavras, posso dizer o seguinte:

Quando vim morar na França, tinha uma idéia que, se não chegava a convicção, parecia fazer muito sentido. Acreditava eu que, depois de tanto sangue e tantos crimes, tantos traumas, tantas guerras, o continente europeu, obrigado a encarar a decadência e o crescimento político e econômico de suas antigas colônias, teria aprendido a tornar-se cosmopolita, tolerante, definitivamente civilizado. Antes que me tomem por um pobre ingênuo, aviso que essa forma de ver não estava tão equivocada assim.

Os europeus têm uma tendência ligeira mas perceptivelmente menor do que nós, americanos (falo do continente, por favor) para entrar em farras e modismos como foi, por exemplo, o falecido Consenso de Washington. Antes de cometer suas enormes besteiras, eles debatem muito, se questionam à exaustão, entojam uns aos outros com conceitos e teorias adquiridos por meio de leituras exaustivas dos autores mais qualificados e presunçosos. Os europeus, apesar de ainda se considerarem o centro do mundo (atire a primeira pedra…), se interessam pelas culturas mais distantes, não raro se apaixonam por uma culinária, língua ou dança muito exótica (para eles; e no meio dessa salada está a nossa). Verdade seja dita, o europeu médio, e em particular o francês, toma esse interesse (muito simpático, por sinal) como um selo de autoridade para definir, em poucas palavras, o que é ou deixa de ser tal ou tal país. Infelizmente, porém, eles não aceitam ser desmentidos nem mesmo por alguém que nasceu e cresceu no lugar em questão. Mas, nesses momentos, o melhor a fazer é contar até dez e mudar de assunto.

Mas é claro que não seria esse elogio mitigado que inspiraria o texto que eu ruminava na semana passada. Não sou de distribuir elogios gratuitamente. A triste realidade é que há tempos ficou claro que o aprendizado desse povo teimoso ficou muito aquém do necessário. O holocausto mal conseguiu abafar um antisemitismo renitente, que transparece em pequenas frestas dos discursos de todos e na quase indiferença com que se tratam os repetidos ataques a sepulturas judaicas, entre outras pequenas barbaridades. A flutuação interminável das fronteiras, o muro que rasgou Berlim, a Cortina de Ferro que, pela enésima vez, cindiu radicalmente o continente, nada disso serviu para que as populações abraçassem com honestidade a idéia de uma União Européia digna do nome. E mal adianta explicar que países pequenos como os europeus tendem à irrelevância, se continuarem se estranhando, num mundo altamente competitivo e de grandes blocos. Para encerrar, pergunte se alguém por aqui sente remorso pelos inúmeros genocídios cometidos por seus ancestrais em três continentes: a resposta será um ar se surpresa e algo como um “nunca pensei nisso”…

Até aqui, tratei no máximo de anedotário, curiosidades pitorescas, embora às vezes irritantes. O que há de verdadeiramente triste é constatar que o repertório de grandes tolices que os europeus têm para praticar ainda não está esgotado. Movimentos obscurantistas de bloqueio ao avanço da integração continental; a incrível volta do fascismo na Itália, patrocinada por ninguém menos do que Silvio Berlusconi, que dispensa apresentações, e implementada por pequenos governadores e prefeitos que culpam imigrantes e turistas pela notória e exagerada falta de educação dos italianos; o abandono de séculos de cultura e civilização, em nome de uma admiração cega e infantil pelo famoso american way of life, patente no estilo fashion victim de Sarkozy, talvez a figura mais medíocre e molenga da política mundial; a incapacidade, incrível numa terra tão cheia de sábios, de aparecer com respostas sensatas a problemas como a pirataria pela internet ou o afluxo interminável de imigrantes, o que resulta em medidas claramente antidemocráticas e discriminatórias. Se, no século XIX, EUA, Brasil e Argentina tivessem agido assim, os Europeus teriam comido uns aos outros, um enorme continente de Ugolinos. Eis meu “paradoxo europeu”. Esse, sim, é um aspecto que me surpreende profunda e negativamente numa terra com uma história tão conturbada quanto a européia.

Mas a cereja do bolo é aquele que me deu o ensejo de finalmente escrever este texto e, ainda por cima, inspirou a idéia do “E se…” do título. Jörg Haider, que morreu neste fim-de-semana ao enfiar seu carro num poste a 140 km/h, era provavelmente a figura mais preocupante de todas, ao menos para as consciências democráticas. Muito mais do que Jean-Marie Le Pen, que, com o perdão da falta de respeito, não passa de uma múmia gagá. Haider, ao contrário, tinha um carisma raro, parecia fisicamente (e se comparava a) Tony Blair, era jovem, conhecia os caminhos da política. Não gostava nada de imigrantes, considerava os europeus não-austríacos como rivais, admirava as Waffen SS e não considerava particularmente condenáveis as coisas que aconteceram em seu país entre 1938 e 1945 (chegou a chamar os campos de extermínio, como Auschwitz, de “campos de punição”…).

Muita gente o considerava uma espécie de novo “você sabe quem”; mas o compatriota mais famoso de Haider fez seu nome na cena política alemã numa época em que a injustiça do tratado de Versalhes, a hiperinflação e a Grande Depressão fizeram da terra de Goethe um país de gente ressentida e sedenta por vingança. Mesmo assim, cabe lembrar que o NSDAP não conseguiu mais de 35% dos votos limpamente. Para tornar-se partido majoritário, teve de incendiar o parlamento (Reichstag, um edifício lindo, por sinal) e jogar a culpa nos comunistas. Já Haider andava na casa dos 11% com sua Aliança para o Futuro da Áustria (nome que levanta desconfianças, não?), o que, somando os votos se seu antigo partido, também de extrema direita Partido da Liberdade da Áustria (antigo partido de Haider), dá aos obscurantistas e revisionistas algo como um quarto das cadeiras e um lugar na coalizão que governa. Trocando em miúdos, era uma força política cada vez maior, por incrível que pareça.

Mas eis que morreu Jörg Haider, aos 58 anos, figura mais emblemática do retrocesso europeu. É claro que o eleitor reacionário não vai mudar de posição, mas a perda de uma figura tão carismática é sempre um golpe duro. Andam dizendo que os dois partidos extremistas talvez consigam reatar, sem a figura acachapante de Haider, o que os tornaria, aí sim, de fato fortíssimos na cena nacional austríaca. A ver-se. Mas eu, de minha parte, lendo sobre o assunto, não consegui evitar a lembrança de uma mania tipicamente americana, que aliás é título (ou era, as coisas mudam tanto) de uma série de revistas em quadrinhos da Marvel: “What if…

Várias vezes, já me perguntei o que teria sido do mundo se, por exemplo, Marco Aurélio tivesse conquistado as terras ao norte do Danúbio. Se os portugueses não tivessem conseguido expulsar Villegagnon da Guanabara. Se os ingleses tivessem consolidado seu domínio na França, durante a Guerra dos 100 anos. Se Amaury Kruel não tivesse mudado de lado na última hora e 1964 marcasse não um golpe, mas o início de uma guerra civil. Se os alemães tivessem atacado para valer em Dunquerque e aniquilado o exército britânico. Se, e isso seria ainda mais engraçado, quando se escolheu a língua oficial dos EUA, em vez de dar inglês por um voto contra o alemão, fosse o contrário. E por aí vai.

Mas a questão mais terrível que se coloca é a seguinte: e se o jovem Adolf Hitler tivesse sido abatido quando era cabo do exército austríaco na Primeira Guerra Mundial? Se ele jamais pudesse escrever Mein Kampf, queimar livros e exterminar minorias? Não teria havido Segunda Guerra? Não teria existido a catarse suicida da Europa, bombardeios e carnificinas mútuos? O que teria sido a história do século XX sem Muro de Berlim, sem Comunidade Européia, sem Plano Marshall? Israel jamais teria sido fundado, provavelmente. Toda a reflexão, todo o sentimento de culpa, toda a vergonha pela colaboração com o nazismo, forte em todos os países que a Alemanha ocupou e mesmo em alguns que seguiram livres, nada disso teria acontecido. A maneira de pensar elitista e, sem dúvida, racista do século XIX, que até o holocausto nunca tivera necessidade de esconder o rosto, ganharia mais um bom meio século de hegemonia escancarada. Certamente, menos sangue teria sido derramado no período infernal do domínio de Hitler. Mas também cabe se perguntar quanto sangue a mais não teria sido derramado depois. E eis uma pergunta mais difícil, porém talvez mais importante: a bomba, não tendo estourado em 1939, demoraria quanto tempo a mais para estourar? E teria estourado mais forte, com armamento atômico já desenvolvido?

Ninguém sabe, é claro. Mas sabemos, isso sim, que hoje, no início do século XXI, uma outra bomba está armada. Desta vez, o crescimento das hostilidades é mais lento e mais disfarçado. O mundo é outro, mais global, mais competitivo, mais exausto por uma exploração predatória e irresponsável. Há mais gente para se sentir injustiçada, há mais gente para empobrecer com a crise. Mas a idéia de que haja inimigos espalhados pelo mundo inteiro está voltando à moda. Jörg Haider, a figura emblemática, na Europa, deste tipo de pensamento, acaba de morrer. Talvez os ânimos se acalmem um pouco por enquanto, ao menos na Áustria, na falta de um grande líder irresistível.

Mas e depois? E se (what if…) surgir um outro? E nem precisa ser aqui. Os Estados Unidos, que não têm a mesma história, nem a mesma cultura, nem os mesmos problemas, nem o mesmo “paradoxo” da Europa, estão loucos, mal se segurando nas calças, para entrar pelo mesmo caminho de sandices. E já que atravessamos o Atlântico, por que não estender as perguntas: e se Obama não for eleito? E se for eleito, mas não puder assumir? E se…

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