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Em que consiste o retrocesso?

No último texto que publiquei por aqui sobre o que se passa na política brasileira, tentei avançar duas idéias relacionadas ao destino que nos espera. Resumindo bem, são as seguintes: primeiro, que o governo Temer representa o ponto-chave de um retrocesso que não começa com ele e não reverte nem os governos petistas, nem a Nova República, mas uma dinâmica histórica muito mais extensa. Por isso, melhor seria pensar na dinâmica atual como um “retorno” à lógica geral da Primeira República, tradicionalmente conhecida como “República Velha”. Um “retorno”, como eu disse, a uma lógica, a um modus operandi, e não à fase histórica propriamente dita, é claro.

Em segundo lugar, defendi que esse processo de regressão se choca com uma realidade social e demográfica do país, e esse choque torna, quero crer, impossível (pelo menos, impensável) sua chegada a termo com sucesso. Isso significa que o grau de involução que se tentará impor ao país, e que em menor grau já vem sendo sugerido há tempos, é tal que, necessariamente, algo explodirá no caminho. Portanto, o processo ruiria, provavelmente com violência. É inviável.

Mas acho que é preciso explorar em mais detalhes essas duas teses para entender melhor onde estamos, o que significa o retrocesso e que tipos de tensões vêm pela frente. Por isso, o que segue complementa o escrito de setembro, mas ainda é só um passo preliminar para uma questão muito ampla e intrincada.

* * *

Sem dúvida, o coração da crise, no sentido amplo, pode ser designado com a tradicional rubrica do “conflito distributivo“. Na medida em que não dá para todos ganharem algo, como parecia ser o caso na década passada, cada grupo social tenta garantir o que puder do butim. E nesses casos, como é mesmo que se diz? – “Quem pode mais chora menos”… Por outro lado, esse termo não me satisfaz completamente, porque geralmente se refere a recursos financeiros, particularmente em discussões sobre a inflação. E essa visão unidimensional muitas vezes nos leva a esquecer que há outras dimensões para esse conflito.

Por isso, vale a pena olhar separadamente para as três dimensões do problema. Ele se desdobra, e não é de estranhar, em processos econômicos, sociais e políticos. É claro que são dimensões que facilmente se misturam, mas a divisão é útil, nem que seja para escapar à tentação de se contentar com a leitura moral ou moralista. Ou seja, ficar satisfeito em dizer que triunfaram corruptos, mafiosos, e por aí vai, ainda que pareça ser mesmo o caso…

Além de moralista, como se a política fosse um epifenômeno da moral, essa explicação peca pelo curto-prazismo, tornando-se cega para as dinâmicas determinantes do caminho brasileiro. Não é o melhor dos caminhos, por sinal, e se mirarmos nos problemas errados, nunca vamos reunir forças para sair dele.

1: Desindustrialização

Começo pela dimensão econômica, que o leitor provavelmente vai considerar central. Como se sabe, a participação da indústria de transformação no PIB, na estrutura de empregos e na pauta de exportações vem caindo no Brasil desde fins dos anos 80. Essa queda se intensifica em alguns momentos-chave: da abertura de Collor ao período de câmbio artificialmente valorizado, antes de janeiro de 1999; e os momentos sob Lula e Dilma em que o câmbio também se valorizou além do que seria sensato. Por sinal, houve um momento em 2011 em que o dólar chegou a valer R$ 1,55; atualizando pelo diferencial de inflação entre o Brasil e os EUA, chega-se ao dado de que o real estava mais forte do que no início do Plano Real, quando foi sobrevalorizado para driblar especuladores. Era, em resumo, uma irresponsabilidade.

O resultado é que o Brasil voltou a ser basicamente um exportador de commodities, com uma pauta dominada por cinco produtos: soja, minério de ferro, petróleo, açúcar e carne. São produtos de baixo valor agregado, pouco impacto em outros setores produtivos e baixíssimo nível de ocupação de mão de obra, principalmente qualificada. O que os dados mostram é que, no setor agroexportador brasileiro, a cana gera um emprego a cada 100 ha, a soja, um emprego a cada 200 ha e a pecuária, um emprego a cada 350 ha. É muito pouco.

Por mais que queiram nos convencer de que “o agro é pop” (aliás, que lema mais anacrônico), a verdade cristalina é que o dinamismo econômico dessas commodities é bastante opaco. Como se não bastasse, sua produção demonstra uma voracidade tal que destruiu rios importantes, pode eliminar dois biomas riquíssimos e sonha em extinguir etnias inteiras. É sintomático que Kátia Abreu tenha se referido à “questão indígena” do Mato Grosso usando a expressão “solução final”, evocando fórmulas de péssimo augúrio…

Falando em Kátia Abreu, sua proximidade com Dilma Rousseff é uma demonstração de como aquilo que passou por “desenvolvimentismo” nesta década, por fim jogando na lama o termo de “desenvolvimento”, foi uma política de franco favorecimento a esses mercados que desenvolvem tão parcamente, mas destróem com tanta volúpia. Esse foi seguramente o pior legado da era Dilma, sobretudo porque, ao apresentar tamanho parasitismo como única alternativa “racional” ao parasitismo financista do mainstream global, deixou aberta a porta justamente para as medidas que se propõem agora ao país, apresentados como “conserto” às falhas de seu governo. Mas isso é assunto para outra hora.

Por enquanto, é preciso acrescentar que, para piorar, a transição para a economia pós-industrial no Brasil tem se dado da pior maneira possível, com um nível de qualificação da força de trabalho deplorável (embora ascendente) e a geração de empregos concentrada no “setor de serviços”, mas em áreas como telemarketing, construção civil e a rubrica “comércio” – que designa basicamente vendedores do varejo. São setores com pouca repercussão na produtividade do resto da economia e pouca perspectiva de ascensão profissional.

Para o setor financeiro, claro, isso faz muito pouca diferença, de modo que não é por acaso que economistas ligados a bancos vejam a primarização da economia brasileira como irrelevante. Afinal, existe uma inserção para republiquetas na divisão internacional do trabalho, em papéis que o Brasil já desempenhou por bastante tempo. Mas esses papéis, como sabemos por experiência própria, demandam sociedades desiguais, engessadas, pobres e absolutamente sem ambição. Estamos caminhando rapidamente nesse sentido.

Como eu disse, esse processo não começa com Temer e dificilmente se encerra com ele. Houve medidas durante o governo Lula e mesmo no início do governo Dilma que chegaram a produzir algum efeito na direção oposta, mas foram soterradas por uma orientação geral mais nociva, como o abuso do câmbio como ferramenta de controle da inflação, uma política de financiamento de megacorporações muitíssimo mal desenhada, a aposta em obras grandiosas para reforçar a exportação de commodities (e seduzir as empreiteiras…) e tantas outras. Certamente esse fracasso será, por sua vez, o pior legado do governo petista em termos econômicos.

2: Ascensão abortada

A dimensão social aparece em filigrana no que foi exposto acima. Talvez estejamos testemunhando uma reorganização da estrutura profissional e social no país que, de tão paulatina, acaba também sendo insuspeita. Outra razão possível para que esse processo esteja velado é o efeito de algumas políticas dos anos de bonança petistas, como a valorização do salário mínimo e os programas de distribuição de renda. Quando amplas camadas da população parecem estar subindo de vida, podemos esquecer que a perpetuação desse processo exige uma estrutura adequada a essa dinâmica, ou seja, empregos com salários decentes que remunerem uma produtividade crescente; setores econômicos dinâmicos e modernos em expansão; uma posição mais favorável no sistema do comércio internacional.

Ou bem acreditamos que estávamos desenvolvendo essa estrutura, contra todas as evidências, ou bem acreditamos na falácia de que essa estrutura vem se agregar à população que dela precisa, e não o oposto. Em ambos os casos, foi uma escolha pela autoilusão. Uma ilusão em que continuamos incorrendo é a dos incentivos ao setor automotivo. O que se conseguiu, por exemplo, com o longo período de “IPI zero” foi crer que o desemprego não estava subindo, porque o impacto das montadoras sobre o emprego industrial (por meio da sua cadeia produtiva) é significativo. Depois, tivemos de admitir que também esse setor é defasado no Brasil e, no máximo, mascara as estatísticas de emprego industrial, sem efetivamente refletir a sofisticação produtiva.

Com efeito, o que há de mais problemático e potencialmente desestabilizador nesse processo de regressão produtiva é que diferentes configurações produtivas / econômicas requerem, engendram e implicam diferentes distribuições na configuração social. A partir do século XIX, a industrialização, por exemplo, conduziu (não automaticamente, claro, mas através de muitas disputas internas) a sociedades com classes médias mais amplas, pujantes, afluentes. Por ironia, a China é ao mesmo tempo o grande contra-exemplo e o grande exemplo, já que seu maior crescimento industrial foi baseado em salários deprimidos e crescimento da desigualdade, mas sua atual etapa de desenvolvimento induz a um forte aumento dos salários, que já ultrapassam os do setor industrial brasileiro.

Já o mundo desenvolvido está investindo numa “economia do conhecimento” que fomenta o desenvolvimento de uma “classe criativa” que porta seus próprios ideais, projetos e utopias, como outrora foi o caso das classes trabalhadoras da industrialização ou as classes médias de meados do século XX, cada uma à sua maneira e com seus próprios princípios determinantes… É claro que há muito a criticar na imagem dessa “sociedade criativa”, mas não é o caso de tratar disso aqui.

E o Brasil? O que significa para este país abdicar de uma economia industrial como a que se construía por estas bandas até o fim dos anos 70, sem em seu lugar desenvolver uma “economia do conhecimento” ou uma inserção mais favorável e com remunerações melhores nas cadeias de valor tal como estão hoje? Que grupos sociais (ou, falando mais claramente: que classes) estão implicados na reprimarização da economia, na dominação latifundiária e também no retalhamento territorial da cidade entre cartéis como os dos transportes de massa? Mais ainda: e no triunfo do subemprego simbolizado pelo telemarketing? E nos quase-monopólios em mercados como o bancário, o alimentício (e de bebidas) e o de mídia?

Para complicar a questão: como essa configuração social se comporta quando somamos ao modelo a desilusão do cair-na-real, uma vez que a nova classe média (“aquela-que-teria-sido”) se dê conta de que, na posição em que o Brasil se encontra hoje, mal há espaço para uma classe média qualquer, quanto menos para uma nova? Por sinal, é de se notar que a “velha” classe média já se adiantou e deixou claro que não quer novos condôminos no espacinho desconfortável que as oligarquias lhes concederam. A tal ponto que hoje dá apoio, mesmo que velado, a reformas econômicas que a prejudicam diretamente, só para garantir que outros se prejudiquem ainda mais…

Amarrando todas essas questões, o que me deixa mais perplexo é que o Brasil tenha se tornado um país urbano, com instituições razoavelmente bem desenvolvidas, centros tecnológicos com bastante qualidade, altas expectativas para uma parte não negligenciável de sua população, mas esteja se encaminhando para um quadro econômico e uma configuração social que não conseguirá aproveitar nada disso. Estou certo de que, mais dia, menos dia, essas tendências divergentes vão se chocar.

3: Brindam os patrimonialistas

E quanto à dimensão política, o que dizer? Aqui, sim, talvez fosse o caso de começar pela interpretação moralista: o grande vencedor no Brasil, hoje, é o corrupto tradicional. Mas o corrupto triunfou por quê, se a operação Lava Jato ainda está em curso? E tradicional por quê? A escolha das palavras não é casual. E, se me propus a entrar no assunto por esse caminho “moralizante”, é porque ele me parece um jeito eficaz de introduzir o tema mais propriamente político…
Falei em corrupção tradicional no Brasil porque a tradição da corrupção à brasileira tem um aspecto bastante identificável. Ela é um componente determinante e indissociável do patrimonialismo como lógica de organização econômica e política. Já tratei da questão do patrimonialismo em outros textos, mas acho necessário voltar brevemente ao tema.

Acontece que, no âmbito do patrimonialismo, muita coisa que a lógica liberal (e a socialista, e a social-democrata…) de cara identifica como corrupta não aparece desse jeito. Afinal, o próprio do patrimonialismo é que não apenas a distinção entre os assuntos públicos e os pessoais é pouco ou nada relevante para o oligarca, mas sobretudo o poder político e o econômico se confundem, e podem mesmo se identificar.

No caso específico do patrimonialismo estamental brasileiro, estudado por Faoro e herdado diretamente do medievo português, somam-se a essa lógica, mera orientação de fundo, as ondas de choque de um regime jurídico codificado, pelo qual a Coroa entregava tais poderes diretamente e formalmente a seus nobres, principalmente nas vastas áreas recém-adquiridas da Colônia.

Assim, pensemos em determinados fenômenos tão comuns no Brasil, como um oligarca, ou simplesmente alguém poderoso, que se apropria de terras públicas, legisla para dificultar o acesso de classes inferiores a serviços básicos, trata o território que governa (mas pode também ser um ministério, uma empresa etc.) como seu quintal e seu patrimônio. Nessas horas, a tendência intuitiva é não identificar aí gestos de corrupção. De fato, muitos desavisados, influenciados por gente de má fé, realmente creem ser um princípio liberal que ao proprietário (ou posseiro) se permita tudo. Não é obra do acaso que o Brasil seja o país da carteirada.

O trágico nisso tudo é que o desenvolvimento de um Estado nacional e de uma economia mais aproximadamente capitalista nesse contexto não implica imediatamente a supressão do patrimonialismo, substituído por formas de dominação “mais racionais”, como diria um weberiano. Há sempre algum grau de fusão, ou de confusão, entre essas duas lógicas. No Brasil, o resultado é esse capitalismo profundamente patrimonialista que conhecemos, em que o mercado não é um plano de concorrência, mas um repositório de onde se pode extrair renda.

Daí a configuração ineficiente, careira e parasitária dos planos de saúde, das universidades privadas, das telecomunicações, dos bancos… A propósito, duvido que o interminável debate sobre os juros e a inflação no Brasil chegue a qualquer conclusão satisfatória até que se aceite tocar nesse ponto. O que é a Selic, no contexto da economia brasileira atual, senão um mecanismo de retroalimentação patrimonial? Pode-se discutir até a exaustão seu efeito sobre a inflação; aliás, não seria a inflação brasileira um mecanismo de acomodação do conflito distributivo? Em todo caso, a taxa de juros no Brasil é alta por motivos que vão além, muito além, da mera gestão macroeconômica. Ou será que quem sempre esteve acostumado a rendimentos fáceis e polpudos vai aceitar que eles sejam reduzidos… “na marra”? Imagine, só imagine, o que poderia acontecer a um governo que tentasse isso!

Eu diria, inclusive, que a figura mais evidente hoje dessa fusão, ou melhor, desse monstrengo, em que não dá para divisar direito onde está o patrimonialismo e onde está o “racionalismo liberal”, é o atual prefeito de São Paulo. O sujeito passou a vida toda manuseando o que deveria ser o público em benefício próprio, para depois apresentar-se como “não político”, “mero gestor” e outros oximoros. E, sem saber distinguir alhos de bugalhos, embebidos nessa lógica patrimonialista mal e mal misturada com liberalismo, o eleitorado acabou acreditando. Mas essa lamentável figura não é o assunto deste texto.

O fisiologismo de que tanto se fala nos partidos brasileiros e particularmente no Legislativo tampouco é fruto do acaso: o político fisiológico nada mais é que um patrimonialista querendo garantir o seu. Aliás, quando você estranhar que uma polícia tão incapaz de elucidar crimes como é a nossa se esmera tanto em reprimir reivindicações legítimas, lembre-se: ela está protegendo o patrimônio tácito de alguém contra aqueles que teriam o direito legal àquele patrimônio, na medida em que, oficialmente, ele é público…

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É nesse sentido que dá para afirmar que a corrupção está ganhando de lavada, sem que essa afirmação seja mero moralismo. Uma demonstração cabal está na indicação escandalosa de Alexandre de Moraes para o STF, com sua pronta aprovação, conduzida sem sobressaltos e com um pessimamente disfarçado apoio de veículos de mídia. Por sinal, muitos desses veículos bradavam poucos dias antes contra sua presença no Ministério da Justiça, por incompetente.

E não é nem preciso evocar as suspeitas quanto à morte de Teori Zavascki, ainda que sejam suspeitas legítimas. O problema vai além da implicação direta da presença do títere no Supremo sobre os futuros julgamentos de políticos próximos ao usurpador, principalmente no contexto da operação Lava Jato. Com Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes, há pouca esperança de que o STF seja qualquer coisa além de um escudo reforçado para garantir o sossego de oligarcas e de seu patrimônio (ou seja, o país).

Não é o caso de se estender sobre o Judiciário, já que se trata da instituição a que o patrimonialismo recorre sempre que necessário, e portanto um assunto interminável. Mas vale mencionar a facilidade com que poderosos se livram de pagar por seus crimes. Esse nosso traço tão conhecido reflete bem aquilo com que abri esta discussão: se o público se confunde com o privado, como se dar conta de que determinados gestos são corruptos ou, mais especificamente, criminosos? Ainda que sejam tipificados como tal, a fronteira embaçada ente a lógica patrimonialista e a racionalidade jurídica permite aliviar as penas para alguns escolhidos…

Também é possível ler nessa chave o processo oposto ao “fenômeno Alexandre”: que os controladores da economia brasileira aproveitem um governo ilegítimo, fisiológico e infinitamente chantageável para moldar essa economia da maneira que lhes pareça mais conveniente, sem ter que passar pelo incômodo de negociações com o resto da sociedade. Afinal de contas, a economia brasileira, dentro desse registro, não é um assunto comum a todos que nela tomam parte, mas um patrimônio desse punhado de grupos e famílias.

Note-se: por mais que alguém seja favorável, abstratamente, a um dispositivo constitucional que limite os gastos primários, a uma completa transformação das relações de trabalho ou à reformulação do funcionamento da Previdência, é forçoso admitir que o atual governo não tem legitimidade para impor essas pautas. E não só porque o presidente não foi eleito: é também porque os parlamentares que hoje o apóiam chegaram ao cargo graças a chapas alimentadas por dinheiro desviado, e depois mudaram a cabeça do Executivo ao sabor das ofertas de favorecimento que iam recebendo. A aprovação de emendas constitucionais em tal cenário é uma afronta à democracia em seus princípios mais básicos, pouco importa se “operacionalmente” tudo segue os ritos. Neste caso, os ritos são secundários, a não ser que pensemos com a cabeça de um Eduardo Cunha ou um Gilmar Mendes.

No entanto, em defesa da “ponte para o futuro”, o empresariado, grande parte da mídia e sobretudo um caminhão de economistas ignoram solenemente a exigência de que, numa democracia, mudanças tão profundas no quotidiano do país sejam decididas democraticamente. Ou seja, que as propostas sejam debatidas com a população por períodos suficientes e, em seguida, sejam votadas por representantes legitimimamente eleitos (ou melhor: eleitos com um mínimo de legitimidade). É um escândalo que não se levante essa questão, e não se cogite de uma insuficiência democrática no processo. Para mim, é a demonstração de que “nossas elites” enxergam a sociedade como um apanhado de súditos, e não como uma rede de cidadãos. Não há futuro para um país com essas condições.

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Com esse interlúdio sobre o patrimonialismo, acredito que já é possível enxergar como as três dimensões estão tão articuladas que chegam a se confundir, a ponto de não sabermos ao certo quando estamos tratando de um tema econômico, político ou social. Assim, a perda de dinamismo econômico do Brasil pode ser ao mesmo tempo a causa do triunfo das oligarquias (patrimonialistas) como a conseqüência de sua notável capacidade de se agarrar ao poder ao longo de todo o período da industrialização, de Vargas aos generais, e de compor, na condição de parceiro inescapável, com todas as forças da redemocratização.

Muitos dos epiciclos e outros volteios absurdos que aparecem na Constituição resultam das pressões desse grupo, reunido sob a alcunha de “Centrão”, que de centro não tem nada. Vale a pena se perguntar até que ponto esses episódios políticos foram responsáveis por enfraquecer a base produtiva do país daí por diante. Por outro lado, eles também demonstram que não havia suficiente força ou atenção na sociedade civil para barrar os esforços patrimonialistas. Aliás, não é nenhum acaso que Eduardo Cunha tenha ressuscitado esse nome de “Centrão” quando presidiu a Câmara dos Deputados. Deveríamos ter atentado mais para esse detalhe.

No período da Nova República, provavelmente a principal perda de poder desses grupos tenha sido a renegociação da dívida dos Estados, no primeiro governo de Fernando Henrique. Mas o golpe não foi tão duro, pelo visto. E, se fosse, aliados daquele governo como Michel Temer, Eliseu Padilha, Antônio Carlos Magalhães e Renan Calheiros não teriam permitido que fosse adiante. O mesmo vale para aquilo que pareceu ser a destruição do PFL, hoje renascido com um nome mentiroso: olhando para o mapa eleitoral de 2010, era possível acreditar que as oligarquias estavam feridas de morte. Que ilusão!

Ao contrário, com o enfraquecimento das forças associadas à redemocratização, todas elas, desde aquele antigo PSDB de Montoro até o PT dos tempos de sua combatividade, as oligarquias podem reivindicar aquilo que sempre foi seu de facto, embora todas as constituições do Brasil independente tenham tentado fazer com que fossem públicas, de jure. Com a derrocada final do governo Dilma e o mercado financeiro implorando por alguém que aplique sua cartilha sem precisar recorrer a difíceis refregas com um Congresso hostil, o caminho estava aberto, e nossos barões, tubarões, pantagruéis, não perderiam jamais a oportunidade. Hoje, eles até mesmo disputam espaço internamente, no governo das oligarquias. Há quem veja aí sinal de fraqueza, como se fossem destruir-se mutuamente. Acho improvável: eles se destruiriam se ocupassem um espaço exíguo, mas me parece que, com a porteira aberta como está, da para acomodar todos…

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Esse é o cenário em que nos encontramos atualmente. Na falta de uma economia dinâmica e de um setor produtivo diversificado e na fronteira tecnológica, que seja capaz de exigir do Estado uma legislação que lhe seja adequada; na ausência de uma classe média em expansão, qualificada e bem formada, que seja capaz de pressionar seus representantes; na ausência de uma classe trabalhadora articulada e, como a classe média, bem formada e qualificada, capaz de exigir uma parte da riqueza produzida, sobretudo por meio de serviços públicos decentes (nada de “padrão Fifa”), há muito pouco anteparo para o avanço das oligarquias sobre o butim daquele país que tentou ser, mas ficou pelo caminho.

Afinal, são eles que têm acesso mais direto às riquezas, seja por meio da posse da terra, seja pelos super-salários do Judiciário, seja pela ocupação dos cargos públicos de comando e do controle sobre o sistema partidário, seja pelas aplicações a juros altos com a mais absoluta tranqüilidade. São eles, também, que têm acesso aos mecanismos de exercício de controle do poder, seja pelos cargos do próprio Judiciário (juízes, desembargadores, ministros…), seja pelos cargos eletivos, seja pelo poder que organizações como a CNA adquirem, seja pelo conluio com instituições religiosas que colocam a fé em segundo plano, seja pelo acesso direto ao comando das polícias.

Falei em riquezas e em mecanismos de poder político – e o que se obtém quando se somam esses dois fatores? Ora, nada menos do que o controle social. Como se sabe, quem controla a riqueza e os mecanismos de poder tem controle quase absoluto sobre a sociedade. Qual é a conseqüência? É essa que estamos vivendo. Cada vez mais, a bancada ruralista e seu discurso retrógrado e falsamente liberal ganham peso. Cada vez mais, as instituições que deveriam sustentar o capital industrial (CNI, Fiesp etc.) se tornam apêndices do capital agroexportador. Setores políticos ligados ao trabalho industrial e/ou urbano se transformam a ponto de ficar irreconhecíveis, e se não o fazem, minguam. Mas se o fazem, também minguam, na medida em que dependiam da proximidade perdida com o governo.

Talvez esteja aí a resposta para um enigma que vem incomodando muita gente à esquerda: por que movimentos recentes e embrionários que deram as caras nos últimos anos, como a luta pelos transportes, os direitos dos índios, os movimentos feminista e negro, os sem-teto e, mais recentemente, os estudantes secundaristas, não foram capazes de articular uma oposição consistente na sociedade e nas ruas a um governo usurpado e declaradamente contrário a todos esses grupos?

O problema pode ser que uma tal articulação exigiria um poder de pressão dos setores populares, dos trabalhadores, de camadas urbanas, que não está dado. E de onde viria esse poder de articulação, se as categorias que se mobilizam com mais eficiência, principalmente as industriais, estão com a espinha quebrada? Será por acaso que nos últimos anos as greves têm sido feitas basicamente pelo setor público e pelos bancários, com efeitos limitados? A propósito, os bancários também não compõem uma categoria com perspectivas muito luminosas para o futuro…

Some-se a isso que as centrais sindicais se tornaram dependentes de um governo que deixou de existir; o aparato repressivo foi inflado com enorme colaboração desse mesmo governo (cujos apoiadores, ironicamente, agora gostariam de estar na rua ao lado daqueles que reprimiram…); grupos financiados por Skaf, Lehmann e outros desinteressados patriotas para fazer protestos até o ano passado hoje já completaram a transição para milícias cujo modo de atuação não deve nada, mas nada mesmo, aos bandos fascistas dos anos 30 ou aos dezembristas de Luiz Napoleão.

Com isso tudo, o curso me parece livre para que as oligarquias recuperem cada centímetro do pouco de poder que foram obrigadas a ceder ao longo do último século. Cito um caso apenas, que me parece bastante ilustrativo, porque vai ao cerne da mobilização que iniciou todo esse processo, e também porque atinge o coração do problema da extração de renda no ambiente urbano, que é a tendência do século XXI. Lembra-se de quando os empresários dos transportes estavam acuados e corriam o risco de ter de melhorar o serviço ou, se for permitido sonhar, retorná-lo ao setor público? Pode esquecer. A pauta da melhoria das condições de vida foi perdida completamente por um bom tempo e os cartéis do transporte podem dormir tranqüilos. A propósito, esse é um tema que merece um texto só para si: como se manifesta o patrimonialismo oligárquico no mundo urbano e tecnológico de hoje.

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Existem esperanças de que a operação Lava Jato, desestabilizando o governo Temer, dificultando sua relação com o Congresso e comprometendo seus ministros possa pelo menos frear um pouco o processo político de regressão. Que pelo menos suas medidas mais drásticas e cruéis não passem, ou que haja tempo de alguma recomposição de forças em contraponto às oligarquias. Na verdade, essas esperanças refletem o sonho de uma recomposição da esquerda.

Confesso que tenho muito pouca esperança por esse lado. Primeiro, porque, como eu disse, o processo não começa com Temer e nem se encerra com ele: o “mordomo de filme de terror” é só um ponto de convergência. Por mais que seu governo seja desestabilizado, permanece o problema de que não há nem plataforma comum, nem base social para forças que se contraponham efetivamente ao avanço da tradição patrimonialista nos próximos anos. É provável que 2018 traga um fortalecimento desses grupos, dessa vez em toda legitimidade, e isso me assusta bem mais que a ascensão do grupo de Temer.

Segundo, porque quando se fala em “recompor a esquerda” ou coisas parecidas, imediatamente se imiscui aí a idéia de “recompor o PT”. Mas o próprio PT, com seus satélites na esfera pública, não parece estar compondo nada de muito novo. A demonstração mais clara disso é a insistência no projeto de Lula para 2018, só porque as pesquisas de opinião o mostram bem posicionado. Não aprendemos nada com Getúlio em 1951?

E mais importante ainda: que raio de projeto progressista é esse? Quer dizer que para não regredir 88 anos é preciso regredir 15? O projeto de eleger Lula novamente em 2018, para além de seu aspecto como mera tentativa de resolver o problema pessoal do ex-presidente com aqueles que tentam fechar o cerco contra ele (jurídico, midiático, político…), é a prova cabal de que desapareceu no Brasil a esquerda eleitoral com diagnóstico e projeto para o país. E isso não é só trágico. É também sintomático: se uma tal esquerda desapareceu (primeiro com o trabalhismo, depois com o petismo), é provavelmente porque sua base social se desmilingüiu.

* * *

Falando em base social em frangalhos, na segunda parte do argumento de setembro, eu levantava a idéia de que o retrocesso não tem como ser bem-sucedido. De modo geral, é claro que nenhum retrocesso é estritamente uma volta para trás, tal e qual. Eu seria louco se o afirmasse. Por outro lado, não se surpreenda se alguns dos operadores do retrocesso imaginarem que estejam fazendo exatamente isso. Pense em Rodrigo Maia dizendo que a Justiça do Trabalho não deveria existir… Pense em Michel Temer dizendo que a mulher é importante para o país porque faz compras no supermercado… Mas creio que foi Talleyrand que, na restauração dos Bourbons na França, após a Revolução e após Napoleão, advertiu que não seria prudente esperar que tudo voltasse efetivamente ao que era antes de 1789: a plebe não se conformaria com um retorno à vida anterior depois de ter experimentado uma vida civil mais participativa e, na medida do possível, mais livre.

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Em alguma medida, é o caso no Brasil, onde o último século testemunhou o surgimento de classes médias e trabalhadoras urbanas e diversas; de uma camada de funcionalismo público com aspirações à ascensão para seus filhos, ou ao menos à manutenção do status conquistado, considerado um direito adquirido; de uma infraestrutura passável, com uma rede de estradas e aeroportos que, tudo bem, deixa a desejar, mas conecta todo o país: não é mais um agregado de regiões quase isoladas, como no tempo dos governadores; de redes de telecomunicações que, em que pese o quase-monopólio “global”, também ligam as populações das várias regiões. Este não é mais o país do Jeca-Tatu.

Na década passada, novas transformações vieram ampliar o nível de exigência sobre a evolução institucional e sociopolítica do país. Não só de ilusão foi feita a saga da “classe C”, que de fato incluiu no sistema do consumo, da produção e da interação urbana grupos, inclusive raciais, que nossas tradições arraigadas e em geral veladas relegariam à categoria de “humilháveis”. Programas de distribuição de renda e combate à miséria podem promover mudanças importantes nas relações hierárquicas em nível local. Cotas raciais em universidades permitem pequenas trincas na noção de instrução como patrimônio de classe, ou seja, no célebre “bacharelismo” brasileiro.

Além disso, as metamorfoses ocorridas no último século ganharam, neste século, um certo grau de consolidação, de modo que a fragilidade patente daquele processo quando ainda em curso já se transformou em muito mais solidez. Os bairros estão assentados, com associações atuantes; hoje, há identidades a defender, no sentido dos vínculos entre populações e territórios, onde antes havia migrantes em estado precário. Assim, a exigência de melhorias nas condições de vida têm um peso multiplicado. Mas este foi o lado que explorei mais a fundo no texto de setembro, então não vou me repetir.

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O que ainda preciso explorar aqui é outro problema, mais grave: se por um lado não há articulação social bastante para se contrapor ao retrocesso oligárquico/patrimonialista e, por outro lado, não há como retroceder como esses grupos gostariam e tentarão, sem a completa dissolução do tecido social no Brasil, então para que lado a corda é puxada? O que acontece quando um projeto é impossível, mas barrá-lo também é impossível? E, nesse meio-tempo, quem se beneficia? Que formas surgem para tapar o buraco quando as formas bem delineadas se desmancham?

Essas são, me parece, as perguntas do Brasil de 2017, ou do Brasil de 2013 a 2018, e provavelmente muito além de 2018… Sobre as formas que tapam os buracos: receio que sejam, pelo menos no primeiro momento, formas monstruosas. A bem dizer, tenho muito pouca esperança no futuro próximo do Brasil. Esse desalento não pode me isentar de procurar qualquer nesga de luz que possa haver, mas me parece bastante evidente que os próximos anos vão testemunhar conflitos terríveis e que há poucas chances de que, pelo menos nas primeiras refregas, o resultado penda para um lado mais humano e uma sociedade menos cruel e sanguinária que a bem conhecida realidade brasileira.

Esperança, medo, desalento

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É claro que não tenho como descrever em detalhe como são essas “formas monstruosas”, mas acho que posso esboçar com razoável fidelidade como elas se constituem. Categorias, formas, grupos, instituições, se formam como respostas a anseios de grupos, difusos a princípio, mas que se esclarecem à medida que, justamente, tomam forma: se delineiam. É para isso que servem as categorias: dar nomes às aspirações, aos afetos, que perpassam a massa ainda disforme, o “corpo social” naquilo em que ele não parece ainda ser um corpo, porque não tem suas funções e divisões internas bem definidas.

A pergunta passa a ser, portanto: a quantas andam esses anseios? Aqui, para ficar no prazo mais curto, ou seja, o século XXI, pode ser útil evocar aquele dito associado à vitória de Lula em 2002: “a esperança venceu o medo”. Eram tempos de Regina Duarte expressando seu horror à perspectiva do operário no poder, sem atentar para o ridículo do discurso. E também era uma formulação muito justa do que se passava. Alguns tinham muita esperança de que aquele fosse um ponto de inflexão como nenhum outro na história do país, mas também medo de que acabasse não sendo. Outros tinham medo de que fosse um desastre como tantos outros da história deste país, mas também esperança de que tudo caminhasse bem. Sem falar nos tantos que tinham medo de que o governo Lula desse certo e esperança de que falhasse…

Mas é preciso constatar que, naquele momento, triunfou sobre todos os medos a esperança mais ampla de que uma mudança radical na cabeça do Executivo fosse uma alavanca para resgatar o país do ciclo de reafirmação da miséria. Essa foi a “forma” que se consolidou no período: se as transformações trazidas pelo novo governo seriam boas (apoiadores) ou ruins (opositores) para o país. Mas não havia dúvida de que algo estava em jogo. E é preciso sublinhar um ponto essencial: o triunfo da esperança sobre o medo não é uma aniquilação, já que a própria esperança tem sempre um olho para o oposto da realização do que ela espera. Ou seja, o medo está sempre pelo menos na esguelha, e foi assim que ele ficou. Fermentando.

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Pois foi essa balança de esperança e medo que andaram trazendo à memória logo antes das eleições de 2014, quando o PT lançou aquela campanha publicitária do “mundo alternativo” (digamos assim), com o argumento central de que remover o partido do poder implicaria na perda de toda a qualidade de vida ganha desde 2003. Sem dúvida, era um argumento forte, que pode ter contribuído para muitos indecisos escolherem a reeleição de Dilma, sobretudo aqueles que perceberam uma melhora de suas vidas sob Lula e tinham esperança de continuar assim, mas medo de voltar ao estado anterior. Essas pessoas podem até mesmo não ter apreciado o desempenho de Dilma no primeiro mandato, mas, com medo de uma guinada da política econômica, preferiram a esperança de que ao menos seus ganhos seriam preservados.

Ou seja, aqui também dá para identificar o jogo da esperança e do medo, esses gêmeos siameses. O medo da queda na miséria vinha com a esperança de retomada do crescimento; essa esperança, quando tomava a dianteira, carregava o medo de ser mera ilusão. E mais alguns outros: a esperança de remover os petistas do poder, acompanhada do medo de não conseguir; o medo de perder os cargos e orçamentos, com a esperança de sustentá-los… E por aí vai.

E não é que a primeira medida de Dilma, uma vez reeleita, foi estilhaçar justamente a esperança desse grupo social que se deixou seduzir pela campanha do “mundo alternativo”? É bastante provável que, nesse momento, ela tenha assinado sua própria sentença de morte política. Mais do que isso, aquilo que ficou conhecido como “estelionato eleitoral” (como já havia acontecido com Fernando Henrique em relação ao câmbio em 1998) reforçou a narrativa de que os pólos da esperança e do medo tinham se invertido: aquele governo não seria mais capaz de representar o lado esperançoso, só o lado amedrontado. Naquele momento, toda a esperança foi jogada no colo de seus adversários, e com ela eles fizeram, de fato, o diabo.

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Acontece que, desse ponto de vista, hoje o quadro chegou a um estágio ainda mais terrível. O que me leva a dizer isso é o brutal desinvestimento afetivo que acomete a sociedade civil, ao tratar de suas próprias possibilidades políticas. Mesmo a polarização de que tanto se fala não tem nada da animação que houve em outros momentos, aqueles em que a vontade de triunfar expressava o desejo de aplicar suas idéias a um futuro projetado, sonhado. O ponto, e isso me parece decisivo, é que tanto a esperança quanto o medo foram implodidos. Hoje, só sobrou o desalento puro e simples.

Se há uma disputa, ou antes um bailado, entre a esperança e o medo, é porque existem possibilidades em aberto. Há uma contenda para saber qual imagem vai prevalecer. Daí o pêndulo: esperança, medo, medo, esperança… Mas não há nem medo, nem esperança, quando o destino é certo. Quando há muito pouco em disputa e a prevalência está praticamente dada de antemão. A tal da polarização, hoje, parece que se define meramente pelo “quem quer ver quem na cadeia”. É uma polarização empobrecida demais.

Assim, pela fraqueza das discussões prospectivas entre correntes políticas; pelo descaramento com que os controladores do poder tomam medidas para blindar-se contra eventuais anseios da sociedade; pela ausência de projetos substanciais, hegemônicos como alternativos, para um avanço de qualquer tipo no país; pela pobreza das mobilizações sociais: parece que estamos atravessando um período exatamente como esse. De desalento, desesperança, quase indiferença.

* * *

Reformulando, então, a pergunta, ela fica assim: o que, e quem, toma a frente em situações de desalento? Um momento em que se perdeu a possibilidade de desejar aquilo que poderíamos estar desejando, dado o tanto que a sociedade se transformou no Brasil no último século; um momento em que nos damos conta do caminho que estamos seguindo, contra nossas próprias possibilidades, e não temos força para reverter o curso, se é que pelo menos teríamos disposição para isso…

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Muito se fala, por exemplo, na perspectiva da ascensão de Bolsonaro, o caricato grosseirão da vez. A outrora risível figura se tornou o espantalho e também a tábua de salvação moral para os grupos que ainda contam com o petismo de cúpula para renovar a esquerda no Brasil, não porque vejam efetivas possibilidades aí, mas por mero desalento e falta de energia para buscar outros caminhos.

Mas Bolsonaro é só um nome. Aqueles que repetem seus disparates e o chamam de “bolso-mito” estão projetando nele suas próprias frustrações, ou seja, estão expressando mais o “mito” que o “bolso”, ainda que muita gente estipule que os problemas do “bolso” levam as pessoas a recorrer a um “mito”… Isso não significa, em todo caso, que o ex-capitão/sindicalista seja carta fora do baralho, claro. Muito pelo contrário. Quanto mais o cenário de desalento se aprofundar, mais será lançada sobre figuras como essa a forma de uma resposta, rápida, simples, violenta, que dispensa reflexões.

E o ponto é bem esse: que justiceiros, sacerdotes, profetas, charlatães, tragam respostas que, embora não resolvam nada, insuflem um mínimo de desejo, de libido, no conjunto da população. Isso é o que faz um Bolsonaro da vida, com sua mensagem de violência. E não é só ele. Todo o discurso em cima da PM, dos grupos de extermínio, dos bandos de “justiceiros” dispostos a linchar, do saudosismo com a ditadura, toma apoio justamente nessa função que a violência opera: insuflar, estimular a produção de adrenalina, passar a impressão de que a passividade é ação e a multiplicação da morte é sinal de vitalidade.

E muito embora a gente se esforce para acreditar que está “do outro lado”, o mesmo vale para as grandes corporações do crime organizado que disputam mercados e poder (não que sejam coisas inteiramente distintas) Brasil afora, operando a partir das prisões. Para determinados grupos populacionais, o caráter de “solução” que essas empresas armadas até os dentes carregam é rigorosamente simétrico ao que outros grupos sociais esperam de violências amparadas pelo Estado ou pela opinião pública (e publicada). Do ponto de vista operativo, funciona do mesmo jeito.

Não é só a violência como proposta explícita que consegue atingir esse efeito, claro. O vazio deixado pelo desalento pode ser preenchido por um recurso à transcendência, como nas religiões. Mas também pode ser preenchido pela obediência a quem promete operar esse recurso, fazer acontecer a transcendência sem os ritos normalmente necessários. É o que perceberam alguns líderes que se aproveitam do sentimento religioso em benefício próprio (financeiro, político, de status social…).

A propósito, ainda me preocupa muito a questão da teologia da prosperidade em tempos sem prosperidade, que mencionei no texto de setembro. Que curso tomam as mensagens dos pastores nessas circunstâncias? Quando não é mais possível guiar (ou manobrar) os anseios, desejos, ambições de quem estava ganhando e agora está perdendo, como fazer para manter sua atenção e, principalmente, sua fidelidade?

Não é uma pergunta estéril. Quando alguns desses sacerdotes, tão bem treinados na oratória e na retórica, concluem que a melhor estratégia é designar um inimigo, sustentar um discurso de divisão social, tomar o caminho da política mais rasteira, seu potencial para fazer estragos é enorme. Pense nos Malafaias e Felicianos espalhados pelo país. Pense nos “gladiadores do altar”. Pense no acesso desses pregadores aos meios de comunicação. É provável que ainda não tenhamos visto a metade do mal que podem produzir.

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O terceiro elemento é, que ironia, mais messiânico ainda que aquele que se define abertamente como religioso e espera a volta do Messias propriamente dito (não confundir com o Bessias; se quiser, pode confundir com o Mises). Acho notável como o discurso que se faz passar por liberal hoje (não só no Brasil) lança aos ombros do empresário enquanto indivíduo, mas dotado de atributos um tanto quanto sobrenaturais, a tarefa de resolver todas as crises, todas as dúvidas, todos os impasses. Os horrores da política, por exemplo, se resolvem abrindo caminho ao empresário, ao “gestor”, que não está contaminado e pode simplesmente “fazer e acontecer”.

Se o mundo é sujo, difícil, nebuloso, traiçoeiro, então entregue-se o destino nas mãos de um deus ex machina, que, como os ditadores da República romana, não precisará dar ouvidos a ninguém, reintroduzindo a harmonia quase de imediato e sem traumas. E, como mostram os Trumps e os Dórias deste mundo, de fato essas panacéias encarnadas não dão ouvidos, fazem o que bem entendem.

Uma lógica miliciana, a manipulação pela fé, uma doutrinação pseudo-econômica que busca pintar o oligarca com as cores de um grande empreendedor. Uma trinca de peso, venenosa, que vem ocupando muito da nossa atenção nos últimos anos. E pensar que essa atenção poderia estar sendo dedicada à busca de alternativas concretas para construir uma sociedade pujante e pulsante no mundo difícil que será o século XXI!

E esses três papéis freqüentemente se fundam, como nessas jovens milícias que repetem a mensagem supostamente liberal mas se comportam como as SA alemãs e outros bandos de arruaceiros. Ou no mensageiro da violência pura que viaja até Israel para se converter a alguma dessas religiões neopentecostais. Ou nessa estranha idéia de que a Bíblia é um panfleto em defesa da grilagem e do bezerro de ouro de Wall Street (na verdade, um touro de bronze). Misturas perigosas, que tendem a se cerrar e inchar enquanto não houver respostas mais consistentes contra o desalento e a marcha segura das oligarquias.

* * *

Parece que não consegui encerrar o texto em tom menos pessimista. Afinal, uma virada para o otimismo me levaria a dizer duas coisas. Primeiro, que é preciso recuperar tanto a capacidade de ter esperança quanto a de ter medo. Ou seja, a capacidade de se mobilizar por algo que queremos, perante a tristeza que seria não atingi-lo. Segundo, que para chegar a esse primeiro estágio teríamos que conseguir, ainda antes, imaginar meios de reverter o processo, em curso há 30 anos, de retomada oligárquica. Teríamos que ser capazes de imaginar e delinear o caminho de uma nova idéia do que seria “desenvolver” um país como este. Mas teria que ser um “desenvolvimento” atento às três dimensões e livre dos vícios que envenenaram a idéia de “desenvolvimentismo” que nos levou à falência e ao ecocídio nesta década.

E como por trás de todas essas palavras pessimistas há um otimista inveterado (é mais forte do que eu), devo dizer que até acredito que, dentro de alguns anos, o desalento vai dar lugar a novos projetos e novas esperanças. Afinal, como eu disse, o retorno oligárquico é, em última análise, inviável. Além disso, muitas das idéias que fundamentam os terríveis discursos que se irradiam hoje pelo Brasil estão fazendo água no plano global: a desregulamentação irresponsável dos mercados, a guerra às drogas, a troca da deliberação política pela obediência cega a alguns illuminati do Vale do Silício.

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Mas eu me pergunto: e até lá? Enquanto estamos eletrizados por crises momentâneas como o julgamento da chapa Dilma/Temer de 2014, a possibilidade de que tal ou ta político “vá para a cadeia”, as tentativas de tirar Lula do páreo, será que achamos que o resto do mundo congela? Pois não congela. Os últimos meses nos deram mostras bastante sensíveis dos efeitos práticos que podem sobrevir nos próximos anos, quando os recursos que sustentam nosso ensaio de sociedade civil estiverem definitiva e constitucionalmente congelados. Motins de policiais, massacres em presídios, escolas e orquestras fechando, linchamentos, casuísmo na política e na aplicação da lei…

Não há motivo para acreditar que esse cenário vá melhorar no curto prazo, exceto se um “choque positivo” nos mercados globais insuflar uma nova lufada de otimismo, e de ilusão, nos pulmões do país. Mas seria só uma brisa passageira, que não tocaria na dinâmica de longo prazo. Então prossegue a pergunta: e até lá? Quantas vítimas não vão sucumbir? Quanta destruição não vamos ter que testemunhar, impotentes e desesperançados? O que vai ter restado de pé quando as energias da barbárie começarem a se dissipar?

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7 comentários sobre “Em que consiste o retrocesso?

  1. thor ribeiro disse:

    Perfeito, Diego.

    Mas eu inverteria algumas ênfases, se você me permitir um comentário um pouco longo.

    Acho muito frágil a categoria do patrimonialismo. Obviamente, ela designa algo muito concreto e palpável para todos nós. O problema é que o histórico desse conceito aqui faz ele parecer uma jabuticaba, e também um produto histórico lusitano de longa data e altíssimo enraizamento nas entranhas da nação. O Jessé Souza tem apontado a inconsistência dessa interpretação, já que a falta de fronteira entre público e privado é a regra no mundo periférico e bastante presente também nos países desenvolvidos, embora com “ritos e formas” mais apropriados a manutenção da fachada de “racional” do capitalismo atual (pensemos no lobby regulamentado dos EUA). Esse conceito é importante aqui para diferenciar a Turma do Pudim de uma direita mais moderna, digamos, FHC.

    Pela sua própria argumentação, há uma relação entre o baixo desenvolvimento e suas atividades econômicas privilegiadas (agro, telemarketing, etc), que vai nos dois sentidos. O que fica faltando na sua narrativa é o oposto. Por que, por um longo período, entre governos de direita e de esquerda, a Turma do Pudim foi mantida em xeque por grupos com um projeto de país? Trabalhistas, udenistas, militares, FHC e PT conseguiram manter essas pressões constantes num modo administrável e articular projetos coerentes que subsumiam a lógica do butim à de algum tipo de desenvolvimento. Frente a esse panorama, concordo que seu diagnóstico de que a situação é insustentável fica mais provável. Os períodos Café Filho, Collor, etc. se mostram insustentáveis e criam um vácuo muto confortável para um sucessor habilidoso (à direita ou à esquerda…). Não acho que sua reposta aqui seja suficiente: a industrialização gerou coalizões capazes de pensar o país, com a desindustrialização perdemos essa condição.

    Eu também daria mais ênfase a movimentos que vem de fora. No plano simbólico estamos no paroxismo da hegemonia da ideologia da meritocracia, com um liberalismo ressentido e hiperbólico no ar. Tudo isso reforçado pelos recursos vultuosos de think tanks, bilionários, fundações, etc. Esse ponto não pode ser um asterisco, e já não me sinto paranoico quando vejo o caso da Cambridge Analytica, da Escola da Vila e outras evidências que tem aparecido dessa…ampla conspiração. Ao menos do ponto de vista tático, esse fato novo é fundamental. Infelizmente, opaco demais para sabermos a escala.

    Outro ponto específico que me parece fundamental no plano tático é a questão das corporações públicas. Essas foram essenciais no acirramento do conflito distributivo e jogaram pesado (e saíram ganhando). Ironicamente, isso se deve em parte ao movimento dos governos do PT de fortalecer órgãos de controle e fiscalizadores (“as instituições”) que se tornaram verdadeiros monstros. Uma pauta urgente da esquerda deve ser resgatar a verdade eleitoral- quem ganha na urna deve ter a latitude e estabilidade necessária para representar e agir.

    Por fim, um comentário sobre o Lula. Ter só um nome a essa altura é de fato uma péssima situação. Mas nossa política sempre foi assim. o personalismo é um atalho informacional necessário onde partidos são fracos, o nível de politização é baixo, etc. Um problema da esquerda da nossa extração, em especial do PSOL, é a incompreensão de como opera esse mercado de ideias e votos (e pior, igualar o funcionamento desse mercado a algo necessariamente anti-republicano). Façamos um exercício de comparação com nossos vizinhos. Boa parte dos países na AL nem tem uma opção de esquerda que necessariamente chega no segundo turno (Peru, México, Colômbia).

    Uma esquerda indiferente ao processo eleitoral é tão ruim quanto uma esquerda obcecada com ele. Infelizmente, esses novos movimentos políticos que surgiram não tiveram recepção na esquerda institucional, e também não fizeram questão de participar nele. Tudo muito bem no mandato Dilma/Haddad, onde o atrito gerava momentos interessantes, mas péssimo agora. A caneta presidencial tem poderes gigantescos (e genocidas) e mal ou bem a eleição presidencial é o momento mais democrático que temos em nossa vida política, com alta informação e participação.Ignorar ou prescindir de pensar essa escolha agora, e encará-la como vital, é um erro.

    Em suma, acho que precisamos relativizar um pouco a tendência que você extrapola. Sou descrente da continuidade da turma do pudim no timão do barco, e acho que eles mesmos sabem disso, com o desespero de se livrar da prisão e liberar até o condomínio a beira mar na Bahia.Se já não bastava para a sociedade nos anos 20, com o tenentismo bulindo, quem dirá em um país vastamente mais educado e urbano, e que conheceu até anteontem um processo vultuoso de inclusão social, aumento do consumo e do bem estar.

    Curtido por 1 pessoa

    • Thor, muito obrigado pelo comentário: eu seria, você sabe, o último a “não permitir” um comentário longo, ainda mais vindo de você. Comentários assim dão saudade do tempo em que a internet era um espaço de discussão e troca de idéias. (Talvez fosse melhor fazer vários comentários pequenos… rsrsrs)

      Aproveitando seu último parágrafo, com certeza há muito a relativizar, ou melhor, a nuançar; por sinal, não tenho a menor dúvida de que o que abordo aqui é um aspecto bastante parcial e, ainda por cima, exploratório. Aliás, coloquei isso na introdução, salvo engano. Por exemplo, não tratei aqui da relação entre o que se passa hoje no Brasil e o cenário internacional, primeiro porque é difícil mesmo, segundo porque seria uma outra abordagem, completamente diferente.

      No mais, acho que você está exagerando na crítica ao conceito de patrimonialismo. Certamente ele não serve para tudo, mas seguramente define modos de operação das “elites” (prefiro chamar de oligarquias). Me parece um pouco estranho dizer que ele é tratado como jabuticaba, já que foi analisado por Weber e tantos outros no plano internacional, e hoje a direita o use para falar da burocracia estatal, como se fosse a mesma coisa (Velez Rodríguez e outros ultra-direitistas adoram fazer essa mistureba). O que tem de particular no Brasil, possivelmente, e que é trazido pelo Raymundo Faoro, é o aspecto formal da coisa, por meio das ordenações manuelinas e filipinas. O resto é típico de nações dependentes / colonizadas, e mesmo no “centro” é uma lógica que ronda sempre que grupos muito restritos concentram poder demais: aliás, o trumpismo é um germe notável de patrimonialismo…

      No mais, não sei se eu descreveria a relação entre o fisiologismo e os governos da redemocratização como “xeque”. Na verdade, como falamos outro dia em referência a 1930, o que houve ao longo desse período todo foi uma acomodação, o que não deixa de ser esperável: o mesmo aconteceu entre os Junckers e o setor industrial prussiano, ou ao longo do 2o Império na França, e na Inglaterra provavelmente até Beveridge. Mas eu diria que a oligarquia no Brasil sempre foi mais poderosa.

      Quanto às relações entre diferentes configurações da esquerda, concordo, mas acho que justamente a promoção de um projeto que não seja personalista é um dos deveres mais fundamentais de uma esquerda de país periférico. Esse é um ponto que precisamos sublinhar. Concordo também sobre a importância do processo eleitoral, só não acho que usá-lo para varrer a poeira para debaixo do tapete seja uma boa idéia…

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  2. Diego, gostaria de entender melhor algo que você coloca na parte sobre desindustrialização: no texto me parece haver uma relação de equivalência entre o populismo cambial do FHC, que destruiu nossas reservas, com as consequências da guerra cambial travada pelos países desenvolvidos pós-crise de 2008. O que valorizou o câmbio ali não foi uma decisão de política cambial do governo. Outra coisa: o Brasil voltou a ser exportador de commodities porque houve um boom, sobretudo na demanda chinesa, o que acabou diminuindo a participação da indústria no PIB. Mas o PT, apesar dos pesares, tentou implantar uma política industrial, com o cluster na cadeia do petróleo, pré-sal, que não envolve apenas exportação de óleo cru, teve a indústria naval… Dilma inclusive tentou baixar os juros reais para estimular investidores a apostar no setor do produtivo em vez de viver com o dinheiro parado na dívida pública.

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    • Oi André, obrigado pelo comentário. Sobre a política cambial, de fato não são momentos idênticos. O caso de 1998 foi uma tremenda irresponsabilidade, um verdadeiro crime. No caso do período pós-2009, como eu menciono em alguma parte, houve iniciativas em sentidos opostos, o que denuncia o caráter errático da política econômica. Em 2011, por exemplo, Mantega tinha um olho na guerra cambial e o outro olho na capacidade de controlar a inflação: outros países tiveram bem menos problema em evitar a valorização das suas moedas. Adivinhe qual foi a moeda que mais valorizou em 2010/2011? Acertou: http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2011/03/17/real-e-moeda-mais-valorizou-mostra-bis/

      Aliás, acabo de descobrir que o real também foi a segunda moeda que mais se valorizou ano passado…

      Então, com efeito, uma das coisas que mais me confundem em relação ao primeiro governo Dilma é essa confusão entre a mensagem e o efeito prático. Havia uma intenção de política industrial? Sem dúvida. Mas foi feita de qualquer jeito, e com Friboi, JBS etc. não adianta… Aliás, sobre o boom das commodities, é preciso lembrar que o Brasil nunca deixou de ser exportador; assim, quando veio o boom, não é que o Brasil voltou a exportar commodities. O boom veio num momento em que a exportação de produtos industriais já vinham caindo. E depois que o boom passou, a exportação de produtos industriais continuou caindo. O boom não foi a causa da desindustrialização. Na verdade, poderia ter sido aproveitado para freá-la, reforçando as reservas e baixando os juros. (Isso foi feito parcialmente, mas não o suficiente, como se vê.)

      As grandes esperanças que muita gente depositou no governo do PT, sobretudo a partir de 2009, e mais ainda com a campanha de 2010, diziam respeito exatamente a isso que você mencionou: redução dos juros, setor de petróleo / naval, e acrescento também a logística, com a promessa de recuperação do setor ferroviário, por exemplo. Mas tudo isso foi soterrado pelo caráter errático que já mencionei, com a política de desonerações sem planejamento (política essa, diga-se de passagem, sugerida por economistas ortodoxos), com a tentativa bagunçada de baixar o preço da energia, e finalmente pelo fato de que a redução dos juros foi meio caótica, já que ao mesmo tempo se desvalorizou o câmbio (tarde demais e rápido demais) e se fez uma expansão fiscal que não serviu para ampliar a produção. E nesse meio-tempo, o que garantia o emprego industrial era… o IPI zero das montadoras.

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  3. Quando você fala: “Ou será que quem sempre esteve acostumado a rendimentos fáceis e polpudos vai aceitar que eles sejam reduzidos… “na marra”? Imagine, só imagine, o que poderia acontecer a um governo que tentasse isso!” me lembra de algo que sempre identifiquei como, digamos, um pontapé no fim do acordo “do todo mundo ganha’ que teve início com o governo Lula. Falo da queda da SELIC colocada em prática pelo Mantega e pela Dilma. Não sei se você queria falar deste ponto quando escreveu este fragmento.
    Já leu o seguinte texto:
    http://alfredo-braga.pro.br/discussoes/fraudegananciaeusura.html

    Abraços. parabéns pelo texto.

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