2) À mesa com Marine
E onde foi parar a esperança de Varoufakis? A tal propensão das lideranças européias a acertar-se com o Syriza, mesmo que a contragosto, perante a perspectiva de estar à mesa com Marine le Pen? Ou, se não for ela, alguém do Aurora Dourada, do Ukip, do BNP, do Pegida… Todo mundo, mesmo o plutocrata, considera que nada pode ser pior do que um interlocutor fascista, não é mesmo?
Estranhamente, parece que não é bem assim. Em várias outras ocasiões, as elites político-econômicas, na Europa em particular, demonstraram sentir-se muito mais confortáveis diante de fascistas que socialistas e mesmo social-democratas. Mais de uma vez, recorreram a milícias, máfias e outros grupos indisfarçadamente criminosos para evitar que movimentos sociais, sindicatos ou partidos contestatórios ganhassem impulso.
Um caso que precede até mesmo o termo “fascismo” é o dos dezembristas, na França de 1848. A ascensão e a consolidação do poder de Napoleão III, “o pequeno” na expressão de Victor Hugo, “um arruaceiro” na linguagem sem rodeios de Marx, foi facilitada pela vista grossa dos industriais, comerciantes e proprietários de terra, que se assustavam com as barricadas nos bairros operários de Paris. À frente de seu “clube 10 de dezembro”, uma espécie de malta que prefigurou os camisas negras italianos e os S.A. alemães, Luiz Bonaparte foi eleito presidente, depois deu o golpe e coroou-se imperador.
Outro caso evidente é a ascensão do próprio fascismo, financiado pelos mesmos grupos citados no parágrafo anterior, visando, na fórmula brilhante de um personagem de Bertolucci, “não a violência, mas a ordem”. Por sinal, o corporativismo de Mussolini, que inspirou as leis sindicais inscritas até hoje na CLT brasileira, tinha o objetivo expresso de manter os movimentos operários sob controle, por intermédio de um Estado capturado pelo fascismo. O objetivo de Getúlio ao imitá-lo, em nome da modernização industrial, era mais ou menos o mesmo, e não é por acaso que nosso simpático ditador flertou tanto com o integralismo (até que os integralistas tentaram derrubá-lo).
E por aí vai: a ascensão de Hitler em 1933 teve o beneplácito dos industriais alemães e mais ainda dos Junckers prussianos. Franco não teria ganho a guerra civil espanhola se Neville Chamberlain (Grã Bretahnha) e Léon Blum (França) não tivessem assinado um pacto de não-intervenção; naturalmente, Hitler e Mussolini não tiveram tanto pejo. Kissinger foi um ator importantíssimo na chegada ao poder Suharto (Indonésia) e Pinochet (Chile). Como sabemos hoje, os dois garbosos homens de farda eram facínoras, para não dizer genocidas (Sobre Suharto, recomendo este excelente documentário). Tudo para evitar a “barbárie bolchevique” de Sukarno e Allende respectivamente.
Em todos esses casos, a coisa azedou depois. E nem estou falando de algo extremo como a destruição industrial de um povo, como fez o nazismo. Antes dele, o medo de agitações populares, radicais ou não, tinha levado ao poder na França um aventureiro, cujo reino terminou com uma derrota humilhante para a Prússia. Depois dele, repetiram-se vários outros casos. Tudo em nome de quê?
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Acho que tu consegues captar boa parte da complexidade da situação, tanto é que é difícil apreender esse ensaio com uma única leitura.
Só uma coisa que percebi, e fiquei pensando, essa frase “Há muitas maneiras de seqüestrar a democracia sem instaurar uma democracia.” Não seria sem instaurar uma ditadura?
Valeu, Diego, em breve vou reler esse texto.
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Oi Delair, obrigado toque. Você tem razão, misturei as palavras. Agora está corrigido!
Abs
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