6) Um conjunto de pessoas
Como eu disse, tudo fica mais claro quando deixamos de dividir o mundo em democracias e ditaduras, ou estados de democracia e estados de ditadura. Suprimir a democracia, na verdade, é suprimir a possibilidade da democracia, ou seja, suprimir aquele espaço entre a situação atual e o potencial de ampliar os espaços da liberdade. É negar a virtualidade constitutiva do regime, do próprio modelo. Seqüestrar a democracia nada mais é do que cristalizar e congelar um modelo, uma hierarquia, uma instrução de conduta. Plutocracias e tecnocracias seqüestram, assim, aquela esperança democrática, e desnudam a ausência da democracia como stasis em que nos acostumamos a acreditar. Para isso, não precisam revogar os mecanismos da democracia (eleições, pesquisas de opinião, partidos, livre imprensa…).
Mas eventualmente isso pode acontecer: quando os entraves, empecilhos, incômodos, se tornam grandes demais. Quando o sufocamento chega a um ponto tão insuportável que reações começam a aparecer. Quando elegem alguém indesejado. Quando multidões tomam as ruas. Nesse caso, existe um risco bastante verdadeiro de que as instituições que compõem a democracia também venham a ser tiradas do caminho. Não dura para sempre o pejo do poder.
Nesse intervalo, apresenta-se a escolha de Varoufakis com que comecei este texto. Existe um conjunto de pessoas que não quer nada mais que associar-se aos modelos, hierarquias, instruções de conduta, cristalizados e congelados. Um conjunto de pessoas que está disposta, e alegremente, a fazer o serviço sujo que o tecnocrata ou burocrata não vai querer fazer. Um conjunto de pessoas que tem ainda mais desprezo e ódio do que os aristocratas aos… como era que se dizia? Ah, sim: subversivos. É um conjunto de pessoas sempre disponível e inconscientemente de prontidão. Invisível, feito de sombras, de interstícios, das conversas banais das cidades e, hoje, das “redes sociais”. Está disseminado e, nas situações menos polarizadas, costuma passar por minoritário. É um conjunto de pessoas que o aristocrata sempre poderá igualar, no plano do discurso, ao verdadeiro adversário; com isso, empurra-se o problema para longe e lavam-se as mãos.
Resumindo: Varoufakis tinha razão. Polanyi tinha mais.
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Acho que tu consegues captar boa parte da complexidade da situação, tanto é que é difícil apreender esse ensaio com uma única leitura.
Só uma coisa que percebi, e fiquei pensando, essa frase “Há muitas maneiras de seqüestrar a democracia sem instaurar uma democracia.” Não seria sem instaurar uma ditadura?
Valeu, Diego, em breve vou reler esse texto.
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Oi Delair, obrigado toque. Você tem razão, misturei as palavras. Agora está corrigido!
Abs
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