Era uma vez uma reputada entidade de ensino, sediada na Cidade Maravilhosa, que formava profissionais para a bolsa de valores e semelhantes.
Era uma vez, coisa nenhuma: a entidade segue firme e forte, tem filiais em diversos Estados e se chama Ibmec, isto é, Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais.
Pois bem, uma dessas filiais ficava em São Paulo, não por acaso, sede das bolsas que sobraram (Bovespa e BM&F) e principal centro financeiro do país. Mas eis que, lá pelos idos de, não sei, 2007 ou 2008, a turma dessa filial começou a sentir que algo não ia bem.
Sintomas: os objetivos da escolha não eram rigorosamente os mesmos das de outros Estados. Uns queriam mercados de capitais, os outros queriam mercados capitais, tais e tais mercados e tal…
Bom, é que a controladora não era a mesma, quer dizer, não exatamente. Ou melhor, o nome é o mesmo, mas as de lá são de uma empresa S.A., a daqui é uma fundação sem fins lucrativos. Ligada ao mercado de capitais, mas sem fins lucrativos. Coisa bem diversa – veja bem.
E então, já estamos em 2009, a escola mudou de nome. Levou dois anos. Custou quase dois milhões de reais, também. Mas foi!
Estudei, e isso foi no século passado, com um rapaz que sonhava em ser corretor da bolsa. Não é que quisesse ficar rico desesperadamente. O principal era estar lá dentro, com o fone colado ao ouvido, gritando e gesticulando. Na adolescência, aquela loucura era irresistível para seu espírito indomável. É claro que, neste século, ele perdeu a maior parte daquela energia e está feliz da vida como economista de um banco, com sua sala confortável, secretária e cafezinho. É que, com os bônus, ele está ficando rico e nem precisou ser desesperadamente.
Topei com ele outro dia, num reencontro escolar. No meio da conversa de praxe, perguntei-lhe onde ele tinha se formado. Ele encheu a boca para responder:
– No Ibmec. (E, caso eu tivesse alguma dúvida:) Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais.
Não dá para negar que esse nome, dito assim, por extenso, causou uma impressão forte em todos os circunstantes.
Ali perto estava o irmão do dito cujo, uns quatro ou cinco anos mais novo. Também estava com cara de bem-sucedido, embora ainda não tivesse saído da faculdade. Vai ver era só cara de esnobe.
Mesmo tipo de conversa, mesma pergunta. E onde é que você está estudando?
– No Insper. (E como dizer nomes por extenso é mania da família:) Inspirar e Pertencer.
Demorei a entender que eles tinham estudado na mesma escola. Rigorosamente na mesma escola. Um deles, no pomposo Instituto etcétera. O outro na Inspirar e Pertencer. Tiveram mais ou menos o mesmo conteúdo de ensino. Mas os nomes… Pagaram mensalidades iguais, só corrigidas pela inflação. Mas os nomes…
Sei bem o que esperar de alguém formado num Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais: que entenda muito, ora, de mercados de capitais. E dê banho na concorrência quando se trata de derivativos, debêntures e o cacete.
O que esperar de alguém que se forma na Inspirar e Pertencer? Não sei. Que inspire? Pois é bom, depois, expirar também. Que seja inspirado? Sai pra lá. Que esteja sempre inspirado, como um artista romântico, daqueles tísicos, boêmios, que se enchem de ópio e absinto?
Mas em pleno mercado de capitais?
Então devo esperar alguém que pertença? – Ei, amigo, o que você pensa? – Não, você se confundiu: pertenço.
Mas, puxa, aprendemos a pertencer desde a mais indefesa infância. Mal aprendemos outra coisa. Não seria bom que, no ensino superior, nos ensinassem a deixar de pertencer, para variar, só de vez em quando?
Aprender a inventar, talvez? Afinal de contas, inventar é quase o oposto de pertencer. Quem pertence já encontrou tudo inventado. Se inventar mais, estraga.
Confesso que o lado “inspirar” me incomoda menos. Pode ser interpretado como só uma dessas palavras de efeito que estão no topo da riqueza linguística do marketing. Mas pertencer? Monges pertencem, escravos pertencem, maçons pertencem, populações tiranizadas pertencem.
E pensar que existem filhos das elites (a mensalidade não é docinha…), futuros profissionais, em tese altamente qualificados, aspirando (ou seria inspirando?) a pertencer!
Onde está, então, a outra ponta? Sempre que há pertencer, há necessariamente possuir. Seria quem inspira? Se for, estamos tratando de gurus, não de professores. Voltamos ao monastério, deixamos o contexto da faculdade.
Aos que pertencem, deixo uma paráfrase bíblica: dize-me a quem pertences e te direi quem és.
Esses são os dois lados dos profissionais essenciais: empreendedores, com competência interpessoal, “criatividade”, resiliência… pessoas competitivas e decididas para um mundo melhor (kkkkk)
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Que nome mais curioso para esse tipo de lugar! Não sei, Diego, esse “pertencer” está me parecendo que pode ser mais um desses empréstimos tortos do inglês, no sentido de “belong in” como em “I don’t belong here” [eu não caibo aqui; aqui não é lugar pra mim] ou “That book belongs in a museum collection” [aquele livro merece estar na coleção de um museu]. Será que era isso?
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Paulo, a hipótese é plausível, mas desconfio que nem chega a tanto. Em todo caso, observando bem, acho que o sentido da coisa nem muda tanto, porque o deslocamento é apenas de um noção de “posse” ou “propriedade” para uma noção de “circunscrição” bastante restritiva, isto é, determinista…
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Ótimas observações…nesse mundo de “conceitos”, muitas coisas se perdem, como a essência.
Show!
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Maçã, quanto tempo! Volte sempre.
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