Se desde já começássemos a destruir completamente nossa ligação com a natureza, a nos orientar violentamente para a liberação, e a nos contentarmos exclusivamente com a combinação da cor pura e da forma independente, criaríamos obras que seriam ornamentos geométricos e que se pareceriam, para falar cruamente, com gravatas e tapetes.
Wassily Kandinsky. Do espiritual na arte, 1909-1912. Em tradução indigente e pouquíssimo confiável de Über das Geistige in der Kunst. Insbesondere in der Malerei.
Há tempos tenho a intenção de começar aqui uma série de citações. São trechos curtos que vou encontrando em minhas leituras e que acredito merecerem aparecer isoladas ou destacadas. Não são trechos que já copiei antes, embora eu já tenha tido a intenção, logo frustrada, de transcrevê-las aqui outras vezes.
Não prometo comentar as citações. Seria melhor, eu sei, mas não só existem coisas que dispensam comentário, como é melhor colocar logo a citação na roda, do que esperar para comentar mais tarde e acabar não publicando jamais.
Quanto a esta citação de Kandinsky, ela é tanto mais curiosa quanto o pintor em questão é o “pai” da arte abstrata. Mais tarde ele dirá algo como: “o objeto estraga minhas telas”. Enfim, talvez a idéia de abstração não fosse assim tão unívoca na cabeça dele, como é hoje na nossa.
O português realmente está esquisito, mas encontrei uma tradução para o inglês e parece que não está tão mal – as duas são bem parecidas:
“If we begin at once to break the bonds which bind us to nature, and devote ourselves purely to combination of pure colour and abstract form, we shall produce works which are mere decoration, which are suited to neckties or carpets.”
Acho que ele diz isso em um contexto em que os pintores e os estudiosos de pintura ainda não tinham, no entender dele, um conhecimento mínimo da gramática abstrata nas artes plásticas, da combinação de cores e formas. O modelo no caso seria a construção de uma teoria como a musical, como um estudo de sintaxe sem referências a nada externo à pintura.
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Na verdade o contexto é bastante alemão, descendente de uma estética ainda muito kantiana. Kant admirava justamente essa arte decorativa no sentido estrito, frisos, arabescos, e por aí vai. Poucos anos antes de Kandinsky, um outro sujeito cujo nome escapa agora tinha escrito uma obra justamente sobre essa arte abstrata, defendendo-a como ideal para a pintura. Já Kandinsky começa com essa declaração pra desenvolver uma teoria de que toda arte tem uma dimensão concreta e uma dimensão abstrata, a concreta sendo a forma em si, isto é, aquilo que é retratado, e a abstrata sendo a técnica usada para retratar: jogo de cores, linhas, curvas, pontos, superfícies. Enfim, esse é o “early” Kandinsky, não esqueçamos…
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O que acho interessante em Kandinsky é o olhar… Observar que na vida a espiritualidade se manifesta nas entrelinhas da vida, nos seus simbolismos… Sei que ele era adepto da Teosofia (uma derivação do New Age), mas o grande desafio para dentro da subjetividade é conseguir extrair o objetivo da transcendência… o cerne está exatamente aí…
Separar a linha tênue das idéias a priori da nossa consciência (como dogmatismos e doutrinas, New Age incluído) e vivenciar a manifestação de Deus nas pequenas coisas… Como o seu próprio blog diz: “Para ler sem olhar, e ver através”.
Já tive experiências assim… É só deixar que a sensibilidade e intuição orientem…
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