Uncategorized

Uma semana de seção pipoca

Filme+cinematografico

Este blog não foi aberto para abrigar comentários ou críticas cinematográficos. Mas, como aconteceu com todos os imperativos categóricos deste site, esse vai ser quebrado (aliás, diria mesmo que já foi). Na última semana, freqüentei o festival de cinema brasileiro que ocorre todo ano nesta bela cidade. Vi todos os filmes que quem ficou na Terrinha já viu, ou deveria ter visto. Estou cheio de impressões a respeito, não penso em outra coisa, só me vêm à cabeça assuntos ligados ao cinema…
Ou seja, não dá para passar ao largo. Restaria, então, me decidir entre falar rapidamente de cada filme que vi ou comentar mais extensamente um só. Ou ainda, falar do festival como um todo, sua organização e seu público… Mas, para variar, não consegui chegar a uma conclusão. Esse é o lado bom de escrever em meu próprio, ainda que pobre, blog, e não para algum editor chato, cheio de regras, técnicas e exigências. Posso produzir uma verdadeira barafunda: quem quiser ler, lerá.
A julgar pelos representantes do festival, o cinema brasileiro vai de mal a pior. São filmes convencionais, lineares, com raríssimas manifestações de ousadia e invenção. Os atores deixam muito a desejar, inclusive alguns consagrados, como Simone Spoladore e Mariana Ximenes. Falam como se tivessem decorado o texto logo antes de entrar no set (pior é que isso é bem possível). Mas, para não me tomarem por cricri, asseguro que há boas surpresas. Excelentes, aliás.
Vamos, então, aos filmes. O primeiro a que assisti foi “O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hamburger. É um filme lindo, vale a pena. Principalmente se você nunca viu nada feito por ele, pelo Bráulio Mantovani ou pelo Newton Cannito. Caso contrário, vá prevenido de que todos os velhos truques de roteiro que eles usam nos outros filmes, longas e curtas, estão presentes. Massivamente, por sinal. Narrações em off, sub-tramas, encaixes miraculosos. Tudo. Mas, seja como for, os truques funcionam, então eu recomendo o filme.
Em seguida, “O céu de Suely”, de Karim Aïnouz. Eu estava impaciente para poder ver esse filme, que recebeu pilhas de prêmios. Além disso, considero “Madame Satã” uma das melhores películas brasileiras desde a “retomada”, e não podia esperar para conferir o que viria em seguida. Mas confesso que saí decepcionado. Fica evidente, neste segundo filme, que Aïnouz sabe filmar, tem sensibilidade, controla a câmera com precisão e virtuosismo na medida certa. Mas o roteiro é um pouco previsível, os personagens não têm carisma, e não se pode comparar esse filme ao Madame Satã. Palmas para Hermila Guedes. Não a conhecia, mas é uma atriz estupenda. Compará-la com nossas principais estrelas é até covardia.
“O Cheiro do Ralo” é um filme de primeiríssimo nível. O roteiro é ótimo, a direção é impecável, até o Selton Mello está muito, muito bem no seu papel. O cinema inteiro morria de rir. Viva Lourenço Mutarelli, nunca imaginei que aqueles quadrinhos doentios chegariam tão intactos à tela do cinema. Não preciso dizer mais nada.
“Zuzu Angel”, apesar do desempenho primoroso da Patrícia Pillar, não faz jus à importância da personagem histórica. Muito preocupado em mostrar as belezas do Rio de Janeiro, mais preocupado ainda em ter um formato que se possa aproveitar na televisão, o filme cai naquelas velhas armadilhas, bem conhecidas, de quem está ligado demais à Globo. Uma pena. Pobre Stuart Angel, que lutava justamente contra… deixa para lá.
“Vinícius” fez muita gente chorar. Pessoas que estão fora do Brasil há mais de 20 anos e não sabem o que o país, outrora “do futuro”, se tornou. Foi uma experiência emocionante. Vinícius de Moraes deu um nó na cabeça cartesiana dos espectadores franceses. Ponto para ele. O lado negativo é Camila Morgado tentando interpretar poemas. Não entendeu, como Ricardo Blat, que poemas não são feitos para serem interpretados, mas declamados. Em alguns momentos, chega a ser constrangedor, mas não é nada que comprometa a beleza do filme como um todo.
“A Máquina” também se vendeu para a televisão. Nada a ver com o texto teatral que lançou tantos bons atores: Wagner Moura, Lázaro Ramos…
“Dois filhos de Francisco” conhece bem seu público, e o atinge diretamente. Cada momento de emoção é sublinhado com música, olhares, movimentos de câmara. Exatamente como deve ser um filme de Sessão da Tarde. Os críticos e jornalistas detestaram. A maior parte do público, idem. É claro! Esse filme não tinha nada que estar num festival! Como cinema, não recomendo. Só para quem gosta de música sertaneja ou quer um motivo rápido e fácil para soltar lágrimas de esguicho. Mas reconheço que, como produto industrial, é das melhores coisas que o Brasil já fez.
“Fica comigo esta noite”… Meu Deus, como são ruins os atores brasileiros! Que vergonha! Quem colocou esse filme no festival?
Vamos a “O maior amor do mundo”. Cacá Diegues parece ter desaprendido a fazer cinema. Não sei explicar como o diretor de “Bye-bye Brazil”, “Quilombo” e “Xica da Silva” pode ser o mesmo desse filme e dos últimos que ele fez (“Orfeu” e “Deus é Brasileiro”). Ou melhor, até poderia achar explicações, mas é melhor deixar para lá. O José Wilker, por sinal, também virou uma pálida sombra do ator que fez o Lorde Cigano do Bye-bye Brazil. Lamento muito, porque, com os recursos que temos hoje, seria ótimo ver do que seria capaz aquele Cacá Diegues de outrora…

“Fabricando Tom Zé” é ótimo. Ou melhor, Tom Zé é ótimo. Nesse filme, podemos ver como a babaquice triunfou no Brasil, com o perdão do vocabulário. Enquanto esse gênio fenomenal, autor das melhores músicas que os Mutantes gravaram, ficou esquecido, Caetano Veloso e Gilberto Gil degeneravam nas figuras desinteressantes que são hoje. O engraçado é que ambos dão depoimentos no filme. Contrapor os dois ao Tom Zé me enche de tristeza. Caetano ainda admite, embora com relutância, que, de jovem gênio, tornou-se um velho… mixuruca. Mas o Gil, quando fala, faz aflorar no espectador seu lado mais cruel e violento. Triste, muito triste. Viva Tom Zé!

Finalmente, cheguei ao filme que gostaria de comentar mais de perto. “Proibido proibir” tinha tudo para ser péssimo. A principal atriz, Maria Flor, deve ser amadora. Não sei como conseguiu o papel de protagonista num filme profissional. Caio Blat, como sempre, atua com um ar de quem só quer mostrar suas enormes capacidades de interpretação. O outro protagonista, Alexandre Rodrigues, faz um bom trabalho mas, como é menos conhecido, acaba eclipsado. Pena.

De toda forma, o roteiro é cheio de falhas e pontas soltas. A primeira metade do filme é arrastada demais da conta. Os personagens são muito menos carismáticos do que os de “O Céu de Suely” e, para piorar, não são críveis. Há incongruências, elementos desnecessários, diálogos sem sentido. O título remete a uma música dos anos 60, sobre a ditadura militar, mas o enredo oscila entre um triângulo amoroso tolo, mal formulado, e um retrato social do, digamos assim, verdadeiro Brasil.

Mas é justamente esse retrato que resgata a película do desastre absoluto. Quando finalmente ele entra em cena, tudo está salvo, e só é colocado novamente em risco por todas as falhas que elenquei nos dois parágrafos acima (sobretudo a parte romântica, executada com uma incompetência inacreditável). A questão da violência, tão batida e aviltada em nosso cinema, que o trata em geral como uma peculiaridade mórbid

a brasileira, recebe nesse filme a abordagem mais sensata e estruturada que já vi na ficção. O ciclo vicioso que alimenta nossa doença está lá, explicitado. A gênese do ódio interminável, idem. Atinge mesmo (sem querer estragar a surpresa) o intelectual de classe média que acreditava, como tantos de nós, que sua boa vontade e seu trabalho duro bastariam para reverter a marcha rumo ao abismo. Graças a isso, saí da sala achando o filme excelente, apesar de reconhecer que tudo o mais nele é ruim, ruim demais.

Ainda haverá mais uma semana de festival, consagrada aos documentários. Sim, sei que dois dos filmes que citei acima são documentários. Mas passaram na primeira semana, fazer o quê? Reclame com a organização do festival, não comigo. Espero poder ver, finalmente!, “Estamira”, “Cartola”, “Três Irmãos de Sangue” e “Santiago”. Se for o caso, escreverei algo aqui. Nunca se sabe!
Padrão

7 comentários sobre “Uma semana de seção pipoca

  1. Denise disse:

    É Osrevni, é uma pena que o nosso cinema nacional seja ainda tão precário. Espero ver filmes franceses com sua bela esposa…Em um festival aqui no Brasil.E pára de ver filme e vai estudar!Risos

    Curtir

  2. manoela disse:

    paulo, você jogou seus marcadores fora? q penaaaa….quero ver cheiro do ralo, e quanto ao madame satã, nem me fale, nem me fale, é bom demais, a música é linda também. gostei muito do durval discos… você viu? beijos

    Curtir

  3. introspective disse:

    Olá! Obrigado pela visita. E parabéns por esse post, você daria um ótimo crítico de cinema. Sobre seu comentário no meu blog, entendi bem qual a sua preocupação, mas não concordo totalmente. Acho que, se alguns lugares antigos/tradicionais fecham, é porque o desejo das pessoas muda com o tempo, deixando de apontar para eles e passando a ir em outras direções. É preciso aceitar isso, por mais que se seja saudosista (eu, aos 29, já sei que sou). Não vejo aí nenhuma mão invisível que queira descaracterizar a cidade, até porque há outros tantos lugares do mesmo naipe que continuam firmes e fortes – esses, por algum motivo, estão vencendo o tempo e confirmando sua vocação de imortais. E outra: não tem o menor perigo de o Rio virar uma grande Barra. A ojeriza de boa parte da população à BT e seus valores é tão forte que, se isso começasse a acontecer, logo viria um movimento na direção contrária. Eu pessoalmente acho que o Rio exalta e cuida muito bem dos seus ícones e tradições da Zona Sul!Abração.

    Curtir

  4. Oraco disse:

    Concordo em relação aos filmes : O maior amor do mundo, O ano em que meus pais sairam de férias e Fica com igo está noite. Os outros eu não vi. Minha recomendeção é pra que você veja um chamado Filhos do Sol. É excelente.

    Curtir

  5. Pingback: Laís Bodanzky perscrutando a gafieira | Para Ler Sem Olhar

  6. Pingback: Laís Bodanzky perscrutando a gafieira | Para ler sem olhar

Deixe um comentário