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O terceiro homem

Relogio

Achei que, de volta ao lar, ouviria perguntas sobre minhas impressões de Madrid, visitas a museus e outras amenidades agradáveis e turísticas. Estava errado. Ninguém quer saber de assuntos leves. Somos um povo sisudo, preocupado apenas com coisas sérias e importantes. Sendo assim, já me perguntaram sobre as eleições francesas, os desdobramentos da questão do indivíduo, a problemática da violência e assim por diante. Acho ótimo, porque me fornece uma reserva de assuntos bastante confortadora. Por outro lado, estava doido para escrever alguma coisa sobre as calles madrileñas.
Tudo bem, deixarei para depois. Há assuntos mais urgentes, que perderão o interesse em pouco tempo. Como as eleições, cujo segundo turno está marcado para daqui a menos de duas semanas, no dia 6 de maio. Vamos atacar essa disputa, então, antes que seja tarde. Madrid continuará no lugar em que sempre esteve: é um lugar alto, nem o aquecimento global pode colocá-lo em risco.
Finalmente, depois de semanas de tensão, ficou decidido que a disputa vai mesmo se dar entre a direita de Sarko(zy) e a esquerda de Ségo(lène). A manchete algo aliviada de um dos jornais, na segunda-feira, foi “A volta da disputa direita-esquerda”. É que, em 2002, Jean-Marie Le Pen, encarnação da extrema-direita caquética, acabou chegando ao segundo turno graças à desilusão dos socialistas. Jacques Chirac, um presidente que os franceses tratam com um certo desdém, ganhou mais cinco anos no palácio Champs-Élysées, com a expressiva votação da esquerda assustada.
Mas a volta da polarização eleitoral (vamos dizer assim) não é exatamente como parece. Primeiramente, todos os partidos pequenos tiveram votação menor do que de hábito. Incluindo Le Pen, que, de tão frustrado, chamou os franceses de otários, patos e uma enorme expressão que se pode traduzir por “mulher de malandro”. A corrente mais atingida foi a esquerda; fora a própria Royal, praticamente todo o resto sumiu do mapa. Isso parece espantoso na França, país dos protestos e sindicatos, mas… bom, assunto para outro texto.
A novidade mais importante na eleição chama-se “centro”, na figura do candidato do partido UDF, François Bayrou. Esse partido era conhecido por ser quase uma marionete da UMP, de direita. Não mais. Em certo momento, parecia que Bayrou chegaria ao segundo turno. Ameaçava ambos os candidatos, mas principalmente Royal, por motivos óbvios. Acredito mesmo que, se chegasse, teria enormes chances de levar a eleição, contra Sarko ou Ségo igualmente. Ambos atraem muita rejeição.
Para grande alívio dos militantes do PS, que não agüentariam ficar de fora mais uma vez, a ameaça não se concretizou. O alívio, aliás, não é uma inferência minha. Está em declarações de quadros do partido e nas fotografias dos jornais. Royal está garantida no segundo turno, mas numa situação difícil. Há três meses, estava empatada nas intenções de voto com Sarkozy. Ao se abrirem as urnas, estava seis pontos atrás. Isso parece pouco, mas os analistas políticos vêem aí um verdadeiro abismo.
Em suma, quem definirá o resultado da eleição será, justamente, Bayrou. Como uma princesa virgem medieval, está sendo cortejado por ambos os lados do espectro político. Seus correligionários fazem a festa: aparecem na televisão atacando a direita, atacando a esquerda, vendendo caro seu pacote de votos. Já o próprio se escondeu em algum chalé dos Alpes e faz suspense (charminho, dirão alguns; doce, dirão outros). Ele sabe que a cabeça em que pousar a mão será abençoada.
Por aqui, todos os profetas e jornalistas ocupam suas páginas e minutos do horário nobre com uma série de perguntas. Em quem votarão seus eleitores? Por que seu partido cresceu tanto? Quem é esse homem? Quem ele apoiará no segundo turno? O que fará com o prestígio que adquiriu, graças aos votos de quase um quinto dos eleitores? O que significa o advento do centro na política francesa?
Não tenho cacife para tentar uma resposta. Mas posso dizer que vejo na figura desses três candidatos uma marca de mediocridade terrível, se comparados aos antigos nomes da política francesa. Sarkozy, Royal e Bayrou dificilmente me passam a sensação de serem estadistas do porte de figuras hipnóticas como Mitterrand, Pompidou ou o próprio De Gaulle (mas isso seria esperar demais).
O direitista, ex-ministro do Interior de Chirac, é um almofadinha que gosta de fazer cara de mau e intrigas palacianas, pensa que governar é adotar estatísticas de desempenho e martela sem parar dados catastróficos sobre segurança. A socialista tem um quê de “Lula de berço dourado”, quer dizer, faz planos mirabolantes para o futuro do país, fala em união para governar e outras generalidades, e sempre parece estar sorrindo. E, ao contrário do que acontece com nosso presidente, as gafes que ela deixa escapar são muito mal vistas nesta terra em que o rigor do discurso ainda é o que há de mais importante depois do vinho e do queijo.
Bayrou é, talvez, o mais carismático dos três. Fala com tranqüilidade e responde às questões com uma expressão incrivelmente fria, mesmo quando sua resposta nada tem a ver com o assunto. Ponto para ele. Mas essa frieza freqüentemente se transmuta em aparência de enfado. De vez em quando, ele passa a impressão de que preferiria estar na praia, ou comandando ainda um partido quase insignificante, mas que não dá muito trabalho. No momento em que esteve mais clara a possibilidade de arrancar para uma inesperada vitória, ele parece ter dado um passo atrás, evitado um pouco os holofotes, abdicado do sonho de chegar à presidência. Preguiça? Estratégia? Só o tempo dirá.
A volta do “esquerda X direita” na política francesa deve ser interpretada com um enorme resguardo. Minha interpretação pessoal para o crescimento do centro, e quero crer que minha interpretação não é inteiramente desprovida de estudo, é como segue. As ideologias perderam espaço. Cada vez menos as pessoas se interessam por um projeto político para seu país. Estão muito mais preocupadas com questões corriqueiras, quotidianas. Não a saúde econômica, mas o emprego de amanhã. Não a organização social, mas a criminalidade do bairro. Não a qualidade da educação, da produção acadêmica e científica, mas o diploma de uma faculdade, qualquer uma, para os filhos. Ao contrário do que se pensa, isso não é exclusividade brasileira, embora se torne muito mais grave em países que precisam de um esforço extraordinário para se desenvolver.
Direita e esquerda representam ideologias. Cada uma dessas correntes vê e planeja a nação de uma maneira, e um voto significa quase uma adesão a essa Weltanschauung. Não estou dizendo que o centro represente a ausência de ideologia. Mas, preocupado com seu dia-a-dia, a chamada “vida real”, o cidadão comum rejeita toda a estrutura ideológica que dá solidez a um partido. O voto, então, toma duas feições: o protesto, que se manifesta em abstenções e em candidatos alternativos; e o carismático, que ignora todo o discurso e só se preocupa com a imagem que o candidato transmite. Nesse último ponto, as mídias têm um papel fundamental (c.f. Max Weber).

Bayrou calcou sua campanha no slogan “ni, ni”, ou seja, “nem direita, nem esquerda”. Caiu nas graças da população. Numa analogia enxadrística, era um peão, mas encontrou o caminho para se tornar uma rainha. Agora, resta uma pergunta ainda mais interessante. Haverá, também, eleições parlamentares. Como será o desempenho do partido centrista? Se conseguir a maioria, teremos uma coabitação? E mesmo que não consiga, como ficará o sistema político francês sem uma maioria clara do partido do presidente, e nem da oposição?

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7 comentários sobre “O terceiro homem

  1. Blogue da Magui disse:

    A falta de interesse em saber sobre os museus deve ser porque estão lá e nada muda mesmo.Com a internet podemos visitá-los sem sair de casa.Qt ao jogo político francês não faz diferença nenhuma porquê a França já era…Inclusive nessa conversa ultrapassada e vetusta de esquerda e direita.Tudo rola entre os que são donos da nação e dos que querem ser.

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  2. introspective disse:

    Eu tb acho que prefiriria ouvir mais sobre las calles y la movida madrileña… não que eu queira desmerecer assuntos mais sérios, como as tais intrigas do cenário político francês, mas é que pesosalmente sou louco por Madrid, aliás por toda a Espanha! 🙂

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