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Um caderninho sagrado

Moleskine+pbUma das melhores coisas dessa maçaroca de blogs chamada internet é a possibilidade de descobrir que não se está sozinho no mundo. Foi com muito atraso que conheci esse universo fantástico, mas em meus passeios já encontrei coisas formidáveis. Uma delas, que me deixou particularmente contente, foi neste blog aqui. Se não estiver errado o endereço que copiei, trata-se de um artigo em louvor ao Moleskine, um caderninho de capa dura, mais ou menos do tamanho de uma agenda telefônica. Ora, direis, um caderninho! O que tem de formidável?

Perdoai-os, Pai, eles não sabem o que dizem. Em verdade, vos digo que esse objeto é extraordinário, ainda que discreto. Resolveu um dos maiores impasses de minha vida plena de encruzilhadas Várias vezes tentei estabelecer o hábito de andar com um bloco de notas, para anotar idéias, aforismos, observações e números de telefone. Nunca deu certo. Ou era grande demais, ou pouco prático, ou as páginas rasgavam, ou a capa se esfacelava em poucas semanas. Ainda mantenho a maioria, guardada em algum canto. Não há um sequer em que a escrita passe da décima página.

Esses sucessivos fracassos me incomodavam. Pessoas distraídas e errabundas (palavrinha adorável, não?) como eu certamente conhecem o traço mais característico das idéias: elas só dão o ar de sua graça quando estamos distantes de qualquer caneta, computador ou muro caiado. Em suma, quando não podemos registrá-las e corremos o risco de perdê-las para sempre. Da mesma maneira, sabemos que elas se vão logo que chegamos, finalmente, diante de um caderno ou notebook, para anotá-las. Desaparecem, simplesmente, como as sílfides da Arcádia. Portanto, possuir um caderno para anotações pode levar a dois resultados quase opostos: ou as idéias nunca mais nos atacam, ou nós ganhamos uma arma para dominá-las.

Andava desanimado, sem esperanças de laçar pensamentos soltos, quando encontrei “o mestre”. Em minha memória vaga, tratava-se de um senhor de barbas brancas, compridas, um rosto enrugado, voz grave e cajado na mão. Mas a realidade insiste em colocá-lo na pele de um colega de faculdade, jogador de rugby e poeta de ocasião. Estávamos no metrô, sempre o metrô, o meio de transporte mais fabuloso do planeta. Conversávamos sobre sei lá o quê, quando alguma frase minha acendeu algo em sua cabeça e ele puxou um caderno. Sim, acertaram: era um moleskine.

Meu amigo, vendo minha surpresa, derramou uma enorme elegia daquele volume. Perguntou-me como eu ousava querer escrever sem possuir um daqueles. Qualquer artista digno do nome carregava sempre o seu. Hemingway, Picasso, Dostoievski. Quando ele disse Platão, objetei imediatamente. Nunca houve moleskines de pedra. Rindo, concordou. Era brincadeira. De qualquer forma, desde que houve moleskines no mundo, é item obrigatório de qualquer rascunhador. É um caderninho sagrado, sentenciou. Dito isso, o mestre se desfez no ar da estação.

Meu primeiro exemplar foi presente paterno. Preto, oitenta folhas grossas. Feito originalmente para desenho, mas perfeito para quem vira as folhas com luvas grossas, sob temperaturas negativas. Eu mesmo jamais o teria comprado. É caro, exatamente como dizem. Mas vale o investimento. Esse de oitenta páginas já está nas últimas. Antes de me ver obrigado a escrever na contracapa, já comprei o próximo. Resolvi testar um de folhas mais finas, 240, para ver como funciona. Não-pautados, naturalmente. É impossível escrever em linhas retas dentro de um trem.

Muitos textos deste blog tiveram lá seu começo, e sua conclusão no computador. Trabalhos para a faculdade, contos, poemas, lembretes, reflexões. A parte mais divertida fica por conta da descrição de gente sentada à frente. Reli recentemente algumas entradas mais antigas. Antigas é jeito de falar; as primeiras letras datam de janeiro. Há um sem-número de tolices, mas, por outro lado, também muita coisa interessante, aproveitável. Pouco a pouco, pretendo transcrevê-las.

E pensar que a humanidade passou dez anos sem esse fenômeno! A última fábrica, em Tours, França, fechou em 1986. A fabricação só foi retomada em 1996, na Itália. Desde então, o caderno tradicional, com sua capa dura (é de algodão, mas parece couro), com o elástico que o prende fechado, ganhou uma infinidade de versões. Típico do capitalismo contemporâneo: folha branca, colorida, pautada para músicos, com mapa da cidade, agenda de telefone, agenda do ano, motivos florais, de super-heróis infantis… Estou exagerando, mas não duvido nada de que venha a acontecer.

Fiquei contente ao descobrir que minha paixão não é exclusiva. Vivam os blogs! Andei pesquisando, e descobri que o Neil Gaiman, de The Sandman, também andou fazendo suas loas. Pesquisei ainda mais um pouco, e encontrei dezenas de outros apaixonados por esse objeto de ar tão insignificante. É chato descobrir que tanta gente se antecipou a mim, mas não faz mal. Não tenho pretensões de dar um furo. Só digam à fábrica que, se quiserem me pagar para fazer mais elogios, aceitarei na hora, sem tentar valorizar o passe. E parte do pagamento pode vir em produtos, não tem problema.

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14 comentários sobre “Um caderninho sagrado

  1. Lunna disse:

    Já tentei ter milhões de cadernos, grandes, pequenos e por aí vai…Detalhe: nos tempos colegiais eu consegui.Hoje? Não mais…Risos

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  2. Leila Lopes disse:

    Novas andanças!! Lugar belo e prazeroso este seu, Paulo. Volta sempre!Aqui, minhas imagens também:www.leiluka.fotoblog.uol.com.brBeijos.

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  3. Paulo Villela disse:

    Paulo,Confesso a vc que não possuo um Moleskine, mas blocos de rascunho não faltam a minha mão, rsss.Se não anotar esqueço mesmo!

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  4. Mythus disse:

    Obrigado pela visita, volte sempre!Quanto ao teu post:Na época da faculdade sempre andava com prancheta e folhas brancas, sem linhas — não gosto muito de andar na linha.Hoje tenho um palm, funciona muito bem, e dá pra capturar a idéia enquanto ela sobrevoa a cabeça, e nem preciso redigitar.Já escrevi posts inteiros nele.

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  5. Oº°'¨ Jefferson ¨'°ºO disse:

    Tae algo novo para mim.A insistência e não conseguir carregar um bloco de anotações comigo é tanto prática quanto frustrante.

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  6. Rose disse:

    Ando com duas agendas e mais uns tantos bloquinhos de anotações comigo. Não tenho apenas um “oficial”, mas vários que me acompanham de casa para o trabalho.

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  7. Anonymous disse:

    morro de fetiche de moleskine… tenho um monte… até que resolvi ter um blog. e agora estou meio em crise sobre o que fica só lá e o que vai pro blog. de qualquer forma, se eles ficarem lançando adesivinhos fofos, eu vou acabar comprando mais e mais só pra colecionar os adesivinhos fofos. enfim…antes eu tinha mais tempo pra escrever em caderninhos na rua (na época de graduação então!), mas agora… estou lendo dez mil livros ao mesmo tempo (como vc falou no Alex)e nem na metade de nenhum. ai.k

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  8. Pingback: Adeus, Furreca! Adeus, moleskine! | Para ler sem olhar

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