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Custos astronômicos a preço de banana

Metro
O maior luxo que a vida em Paris oferece, pelo menos do ponto de vista de alguém que veio de São Paulo, é a possibilidade de viver sem carro. Um brasileiro de nascimento mais privilegiado pode achar humilhante ficar esperando um trem, ter que compartilhar um espaço reduzido com outros cidadãos (Céus! Gente que sua!), sem poder sintonizar o rádio na estação favorita ou entregar as chaves para um manobrista, com a discreta sensação de fazer-lhe um favor ao permitir que ele conduza por alguns instantes um dos maravilhosos modelos de automóveis que importamos. Tudo bem, sentir-se importante e rico é muito bom. Mas nada melhor do que não precisar pensar em trânsito, IPVA, multas de rodízio, motoqueiros malucos, motoristas malucos, pedestres malucos, caminhoneiros malucos e todo tipo de sandice com que um paulistano se depara todo dia sem reclamar (pelo contrário, acha lindo: é sinal de pogrécio ou coisa assim).

Eu confesso: desde que completei 18 anos fui proprietário de um carro em São Paulo. E sempre me comportei como um. Sempre me desesperei com o trânsito, quer dizer, com a ausência de trânsito, já que estar atrás de um volante na terra dos bandeirantes é certeza de ficar parado na mesma posição horas a fio. E sempre tomei atalhos indevidos, furei filas, avancei sinais, como todo mundo, ainda que com uma ponta de remorso e um mar de alívio. Durante anos, trabalhei em Campos Elísios e morei no Morumbi, o que significava mais ou menos uma hora para ir e uma para voltar, todo dia. Isso, claro, quando não tinha um acidente ou qualquer outro motivo para que as ruas estivessem mais congestionadas do que de hábito. Depois, consegui me mudar: trabalhava na Paulista e morava de frente para o Minhocão, o que significou uma redução significativa na distância, mas não na irritação: toda semana alguém resolve capotar ou derrapar naquele maldito elevado, e quem leva a pior nessa é, em resumo, todo mundo, já que um acidente em qualquer canto da cidade reflete em todos os outros.

Em São Paulo, só é possível fazer uma coisa por dia. Você elege uma missão a cumprir, toma coragem e sai para a batalha. Ao final do dia, depois de fazer suas compras no supermercado ou (OU, nunca E) consertar seu computador, chega em casa esgotado pedindo o colo da mamãe. Normal: não há nada de errado contigo. Você está apenas sobrevivendo na selva; aliás, parabéns!

Tudo isso para dizer que, num dia como ontem, em que fiz centenas de coisas, todas de metrô, veio à minha lembrança uma campanha para o governo de São Paulo na década de 90. Todo mundo estava envolvido: Maluf, Quércia, Covas, a malta toda (não me lembro do candidato do PT. Seria a Marta? Acho que não, faz muito tempo). Um dos grandes debates era, obviamente, o trânsito (repito: não-trânsito, já que transitar por São Paulo é impossível). Cada um inventava uma coisa, aliás acho que o Levi Fidélix e seu Aerotrem ainda não estavam na parada, mas de qualquer maneira tinha desde pedágios nas marginais até Fura-Fila. O único que vagamente citava o metrô era o Covas (ou seria o Serra? Faz tanto tempo…). Mesmo assim, repito: vagamente. Ainda por cima, lembro-me de que no plano de construção de novas linhas havia um detalhe interessantíssimo: uma metade não tinha nenhuma ligação com a outra. Não consigo explicar, mas lembro claramente; achava engraçadíssimo (hoje, diria que não tem graça nenhuma).

Os demais atacaram a idéia de ampliar o metrô de toda forma possível. O Maluf, engenheiro velho de guerra (e de ditadura, bem entendido), defendia as novas avenidas, mencionando o tal “custo astronômico” de cada quilômetro construído para o trem urbano. Para ele, não valia investir nisso. Ele não ganhou a eleição, claro, mas o metrô paulistano ficou anos sem ganhar um centímetro, e mesmo hoje, quando está sendo expandido, já há informações de que a jogada talvez não seja assim tão simples…

Ora! Custo astronômico do metrô, então! Andando pelas quatorze linhas de Paris, mais as cinco de trem e as duas de bonde expresso (tramway, como traduzir?), fico pensando nessa sandice, ao mesmo tempo em que me recordo de todo o meu sofrimento pelas ruas esburacadas de São Paulo. Li um estudo uma vez que calculava em US$ 1 milhão por dia a perda da economia com o trânsito da cidade. Outro estudo ataca de US$ 1 bilhão por ano. Não sei qual é a cifra correta, mas não me surpreenderia se descobrisse que é a maior.

Tampouco sei como se calcula essa perda. A poluição está inclusa? As doenças ligadas ao estresse? Os acidentes e atropelamentos? O desperdício de gasolina? O desgaste dos veículos? A ineficiência do cidadão médio, que leva uma semana para fazer o que o parisiense resolve em uma manhã indo de um lado para outro? Mais: o metrô é a maior biblioteca de Paris. Nas duas, três ou até quatro horas que eu perdia em São Paulo todo dia, não conseguia fazer muito mais do que roer a unha e ouvir a CBN para ficar sabendo superficialmente as coisas que vão acontecendo por aí. Mas aqui eu vou e volto com um livro ou um jornal na mão. E não só eu: quase todo mundo. Pois então: nesse cálculo da perda econômico estão inclusos os lucros das editoras e empresas jornalísticas? Dos anunciantes? Das fábricas de papel? E a formação cultural da população? Está inclusa?

Garanto que o tal “custo astronômico” do metrô é ridículo em comparação com o que se perde tendo que viver encaixotado nessas verdadeiras fábricas de monóxido de carbono que entulham as nossas ruas. O próprio Maluf, nos últimos tempos, tem tentado capitalizar a construção das parcas linhas para suas próprias campanhas. Tarde demais. O desastre já está feito, não só em São Paulo como no Rio de Janeiro (a propósito, o Rio também poderia investir em barcas que ligassem a Barra, a Zona Sul e o Centro; seria prático e bonito). Somando o que se perde nessas duas cidades com os congestionamentos infinitos, dá para entender por que o país segue miserável.

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6 comentários sobre “Custos astronômicos a preço de banana

  1. marcia xavier disse:

    Olá, muito me envaidece seu comentário…volte sempre!A propósito, está se candidatando? Viria bem a calhar alguém no meio com pensamentos como os seus!A foto peguei no comp de uma amiga e com meus grandes conhecimentos de photoshop ‘dei um trato’ nela!!!Bjos

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  2. Defensor, O Maldito disse:

    Saudações!Concordo plenamente! Não fosse a péssima condição de transporte coletivo da maior parte das cidades, as pessoas deixariam seus carros em casa. Economia e menos poluição viriam a calhar. Já morei em São Paulo, e sei do que você está falando. Na maior parte das vezes preferia deixar o carro em casa do que enfrentar a Radial Leste na hora do rush. Muita coisa precisa mudar nesse país! Abraços

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  3. michele disse:

    Ai Paulo que delícia o seu comentário. Realmente te agradeço por tamanha gentileza.Minha presença por aqui sem dúvida alguma será uma constante. Colocarei um link seu o mais rápido possível em minha estação para não perdê-lo mais de vista.Permita-me um abraço carinhoso.

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  4. michele disse:

    Perdoe-me tomei a liberdade de add seu email no msn mesmo sem saber se de fato o possui.Caso não seja e possa me passar, agradeço.Outro abraço carinhoso.

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  5. Rodolfo disse:

    De fato ficar preso na trânsito é um saco, mas, quando se tem companhia é menos pior. No meu caso, sempre tenho companhia, graças a deus. E moro em curitiba, que é menos pior, mas, pelo visto, não melhor que os metrôs de Paris.Quero me mudar para lá. =PE, podemos observar, que os acidentes estão cada vez aumentando. Antes eu via um por mês, agora vejo quase um por semana, as vezes dias consecutivos. Isso, vale lembrar, que é curitiba, um local de trânsito razoável, ao meu ver…

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  6. Cris disse:

    é por essas que eu não tenho carro, não sei dirigir e não quero aprender. ah, e também não caso com quem sabe. meu marido e o ex- nunca tiraram carteira, é condição sine qua non pra casar comigo, kkkkkkkkkkk! agora, eu tenho sorte de morar numa cidade bem menor que são paulo e onde tudo é mais perto. entretanto, os engarrafamentos aqui são de lei. nêgo tira o carro da garagem até pra ir na padaria. eu acho o fim! bjs

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