Uncategorized

Seção diálogos: Escorchar ou não escorchar?

O cenário é a principal artéria financeira de uma lúgubre e atulhada cidade do terceiro mundo. O dia é frio, chove constantemente desde uma hora indizível da madrugada anterior. No horário de almoço dos inúmeros escritórios que se escondem no interior dos prédios escuros perfilados ao longo da avenida, um mar reluzente de guarda-chuvas negros revolteia sem direção, muito menos sentido. As ondas ficam por conta dos automóveis, cujas rodas passam por cima das poças d’água marrom e ofendem a auto-estima dos pedestres.

Nesse cenário cinzento e pungente, as únicas manchas coloridas são atribuídos aos uniformes de mau gosto, cor-de-laranja e verde, que porta um grupo de jovens sorridentes debaixo de uma marquise. São vendedores de uma financeira, subsidiária de um dos maiores bancos do país. Esses vendedores, como em qualquer outro dia, mesmo os mais alegres e ensolarados, abordam passantes escolhidos a dedo.

Um desses passantes é um jovem profissional da região, atrasado na volta para o trabalho, encharcado de chuva e mal agasalhado. Um gorro escuro está enterrado sobre suas sobrancelhas e suas mãos, dentro de luvas velhas, estão escondidas nos bolsos da casaca.

Eis quem tem a infelicidade de ser abordado por uma moça que parece bem-intencionada.

Moça: Já conhece os serviços da Financeira T?
Rapaz: Já, já.
Moça: Sem comprovação de renda, seus sonhos se realizam!
Rapaz: Puxa, deve ser uma bela financeira, pra realizar os meus sonhos de paz mundial, energia abundante, universalização da educação e do saneamento básico…
Moça: Sem comprovação de renda!
Rapaz: Puxa, como isso é possível?
Moça: Basta fornecer um comprovante de residência e os últimos três extratos bancários, além de possuir ou abrir uma conta no Banco I, dono da Financeira T.
Rapaz: Sensacional.
Moça: E tem um ano de carência!
Rapaz: Carência?
Moça: Sim, você só começa a pagar após um ano.
Rapaz: Ah, compreendo…
Moça: E o seu limite é de quatro mil unidades monetárias deste país terceiro-mundista de grande extensão territorial e sede de um dos maiores rios do mundo!
Rapaz: Notável. Suponho que a taxa de juros é amiga, não?
Moça: Com certeza! 5% ao mês!
Rapaz: Incrível!
Moça: Não é?
Rapaz: Mas esses juros são simples ou compostos?
Moça: Tudo aqui é simples! E rápido!
Rapaz: Os juros inclusive? Eles não deveriam ser compostos?
Moça: É possível… eu teria que verificar…
Rapaz: Verificar? Então você oferece um empréstimo e não sabe a taxa de juros?
Moça: Cinco porcento ao mês!
Rapaz: E ao ano?
Moça: É ao mês!
Rapaz: Cinco porcento ao mês dá 60% ao ano, se for simples. Se for composta, deve dar… deixa ver… de cabeça… uns 90%.
Moça: Isso mesmo!
Rapaz: Isso mesmo o quê?
Moça: Rápido e simples!
Rapaz: Quer dizer que eu corro o risco de pegar emprestadas cinco mil unidades monetárias…
Moça: Quatro!
Rapaz: …e no final do ano dever nove e quinhentos?
Moça: Rápido! Simples! Fácil! Sem comprovação de renda!

Padrão

2 comentários sobre “Seção diálogos: Escorchar ou não escorchar?

  1. Ricardo Reis disse:

    Acho um absurdo você criticar o sistema financeiro. Por acaso você não sabe que são os bancos que garantem a circulação da moeda e, através da velocidade da moeda e um conceito chamado de multiplicador de renda, fazem com que cada real que circula no país se transforme em uns cinco no cálculo final do PIB? Ou seja, se tivemos no ano passado 2 bilhões de reais de PIB, o que existe mesmo são uns 400 milhões, e o resto é o efeito multiplicador dos bancos, que transformam esse papelzinho que você gosta tanto em M1, M2, M3, e M4! Tenta estudar um pouco de economia antes de fazer críticas aos nossos grandes salvadores, seu comunistazinho de quinta categoria!

    Curtir

Deixe um comentário